Suspensão da exigibilidade dos honorários advocatícios ao beneficiário da justiça gratuita

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O artigo trata da suspensão da exigibilidade dos honorários advocatícios ao beneficiário da justiça gratuita.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que o beneficiário da justiça gratuita não faz jus à isenção das custas e dos honorários advocatícios, cuja exigibilidade ficará suspensa, nos termos do art. 98, §§ 2° e 3°, do Código de Processo Civil - CPC[1].

Esse entendimento está apontado no julgado: “[...] 1. Os efeitos da concessão da gratuidade judiciária não incluem a isenção da responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários decorrentes da sua sucumbência, apenas a sua exigibilidade ficando suspensa por cinco anos, contados do trânsito em julgado, e condicionada à demonstração pelo credor de que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos. Inteligência do art. 98, §§ 2.º e 3.º, do CPC/2015. 2. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes. [...][2].”

Os benefícios da justiça gratuita, previstos no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, representem um dos instrumentos mais eficientes da inafastabiliade da jurisdição e do acesso à justiça. 

O princípio da inafastabiliddade está essencialmente relacionado do acesso à justiça. Previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o princípio da inafastabilidade garante que a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito[3].

Apesar da proximidade entre ambos, é importante destacar que o princípio da inafastabilidade não se confunde com o princípio da indeclinabilidade, segundo o qual o juiz deve necessariamente se manifestar sobre as pretensões dos jurisdicionados, ainda que seja para declarar-se incompetente ou  para extinguir o processo sem análise do mérito. O princípio da indeclinabilidade informa, em síntese, que o juiz não poderá eximir-se de julgar. Os destinatários do princípio da inafastabilidade são mais numerosos que os destinatários do princípio da indeclinabilidade. Nesse sentido, enquanto os comandos do princípio da inafastabilidade se dirigem a todos, inclusive ao Estado, o princípio da indeclinabilidade se dirige exclusivamente ao juiz.

A mencionada garantia fundamental da inafastabilidade é reafirmada no artigo 3º do Código de Processo Civil, onde se estipula que não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. Nesse mesmo compasso, o art. 8º, do Código de Processo Civil, prevê que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. A celeridade processual também está ligada à garantia de acesso à justiça, vale dizer, o direito de acesso à justiça corresponde também ao direito de receber uma prestação jurisdicional célere.

O princípio da inafastabilidade e a garantia do acesso à justiça[4] têm ampla abrangência e se projetam sobre todas as instituições estatais que de certa forma sejam responsáveis pela efetivação de direitos, além do próprio Poder Judiciário[5]. Aliás, o Poder Judiciário deve ser considerado não só como agente de aplicação do direito, mas como espaço destinado à interpretações normativas que confiram mais efetividade aos direitos e garantias fundamentais[6].

Nesse sentido, a dignidade humana é concretizada, entre outros, no direito de assistência judiciária gratuita. Essa correlação entre a gratuidade da justiça e a dignidade da pessoa humana já foi reiteradamente reafirmada pelas Cortes Superiores. Assentado nessa premissa, ao discutir a possibilidade de superação da coisa julgada em ação de investigação de paternidade o Supremo Tribunal Federal decretou a extinção do processo original sem julgamento do mérito e permitiu o trâmite da ação de investigação de paternidade. RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 2-6-2011, Plenário, Informativo 629, com repercussão geral.) Consta do julgamento que “genitora do autor não possuía, à época, condições financeiras para custear exame de DNA. Reconheceu -se a repercussão geral da questão discutida, haja vista o conflito entre o princípio da segurança jurídica, consubstanciado na coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI), de um lado; e a dignidade humana, concretizada no direito à assistência jurídica gratuita (CF, art. 5º, LXXIV) e no dever de paternidade responsável (CF, art. 226, § 7º), de outro. O Min. Luiz Fux salientou o aspecto de carência material da parte – para produção da prova extraída a partir do exame de DNA – como intrínseco à repercussão geral da matéria, tendo em vista a possibilidade, em determinados casos, de o proponente optar por não satisfazer o ônus da prova, independentemente de sua condição socioeconômica, considerado entendimento jurisprudencial no sentido de se presumir a paternidade do réu nas hipóteses de não realização da prova pericial[7].”

A concessão da gratuidade, contudo, não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência, conforme preconizado no §2º, do art. 98, do Código de Processo Civil.

A exigibilidade dessas despesas, contudo, ficará suspensa por determinado período. Conforme indicado no §3º, do art. 98, do CPC, vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão com a exigibilidade suspensa, até que cessem as causas que justificaram a concessão do benefício. Cessadas essas causas, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão concessiva do benefício, o credor poderá pretender a cobrança dos mencionados valores, provando a cessação da condição de pobreza. Esgotado o prazo de 5 (cinco) anos, contudo, serão extintas definitivamente as obrigações do beneficiário.

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[1] Jurisprudência em Teses – Edição nº 148.

[2] EDcl no AREsp 1422681/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019.

[3] “Com efeito, não basta que se permita apenas o acesso, é necessário que todos tenham um acesso igualitário, que durante o processo possam isonomicamente demonstrarem e sustentarem suas pretensões. Caso contrário, ainda que franqueado o acesso à parte hipossuficiente e carente de recurso, essa não poderia usufruir plenamente da prestação jurisdicional, pois ver-se-ia limitada diante dos valores cobrados pelo desenvolvimento do processo. E mais, não só a isenção de custas processuais para as propositura e instrução do processo devem ser garantidas, sendo necessário que mesmo a necessidade de depósito ou pagamento de valores para recorrer sejam abrangidos pela gratuidade processual, v.g. nos casos previstos no artigo 488, II do CPC ou nos depósitos recursais do processo do trabalho. Entender de outro modo é aceitar uma discriminação em relação àqueles que se sentissem prejudicados em relação a sentença. ” PORTANOVA, Ruy. Princípios do Processo Civil. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

[4] “A temática do “Acesso à Justiça” não é de hoje que vem sendo analisada e pesquisada pelos estudiosos. Mauro Cappelletti debruçou sobre o tema, de forma acentuadamente exaustiva. Segundo ele: “A expressão “acesso à Justiça” [...] serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.”. RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-1/principio-do-acesso-justica

[5] Limitando a própria legislador e o absolutismo da lei, o princípio permite que o judiciário seja um revisor da própria legislação, alijando as normas que não se coadunam com a realidade social do seu tempo e os anseios de seu povo, instrumentalizando-se contra leis anacrônicas que tisnam valores anteriormente não protegidos pelo direito.

[6] Poder-se-á dizer que o acesso ao judiciário serve verdadeiramente de elemento de adaptação aos tempos democráticos.

[7] RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento 7-4-2011, Plenário, Informativo 622, com repercussão geral.

*A assistência jurídica integral e gratuita, prevista no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal é gênero que compreende as espécies assistência judiciária e justiça gratuita. A assistência judiciária gratuita corresponde ao direito de representação em juízo por procurador com capacidade postulatória, integrante ou não dos quadros da Defensoria Pública. A justiça gratuita (ou gratuidade judicial), por outro lado, corresponde à dispensa do pagamento de todas as despesas, em sentido amplo, do processo. Não obstante essa classificação, neste texto as expressões assistência judiciária, assistência jurídica, gratuidade  da justiça etc. são utilizadas de maneira metonímica, sem a correspondente precisão semântica.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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