Segundo o art. 98, do Código de Processo Civil, o direito à gratuidade da justiça será reconhecido tanto à pessoa natural como à pessoa jurídica, desde que demonstrada a insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.
A alegação de insuficiência de recursos feita por pessoa natural gozará de presunção relativa de veracidade, ao contrário da alegação de pobreza feita por pessoa jurídica, cuja presunção de veracidade não milita a seu favor. Assim, a declaração de insuficiência de recursos das pessoas jurídicas deverá vir acompanhada das correspondentes provas, considerando que o legislador não atribuiu presunção de veracidade para esses casos, conforme se denota do §3º, do art. 99, do Código de Processo Civil.
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que “[...] Ao contrário do que ocorre relativamente às pessoas naturais, não basta a pessoa jurídica asseverar a insuficiência de recursos, devendo comprovar, isto sim, o fato de se encontrar em situação inviabilizadora da assunção dos ônus decorrentes do ingresso em juízo[1].”
Os empresários são sujeitos de direito que exercem empresa, atividade econômica que se destina à produção ou circulação de bens e serviços com o fim de lucro. [2]
A empresa pode ser exercida por empresário pessoa física (empresário individual), empresário pessoa jurídica (EIRELI e demais espécies de sociedades empresárias) ou por empresário sem personalidade jurídica (sociedade em comum e sociedade em conta de participação). Aplica-se às sociedades empresárias com personalidade jurídica, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.[3]
Nos termos do art. 44 do Código Civil, são pessoas jurídicas de direito privado as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI).
Sociedades são pessoas jurídicas de direito privado, formadas por outras pessoas, que se aproximam para exercer uma atividade com fins lucrativos.[5] Nesse ponto, as sociedades são diferentes das associações, pessoas jurídicas de direito privado, também formada a partir da reunião de outras pessoas, mas sem propósitos lucrativos.
O benefício da justiça gratuita pode ser concedido às pessoas jurídicas, ainda que tenham fins lucrativos, como é o caso das sociedades empresárias.
Ainda que os empresários exercem atividades econômicas organizadas para obtenção de lucros, nem sempre essas atividades são bem-sucedidas. Quando isso ocorre é possível que os empresários enfrentem crises econômico-financeiras e precisem usufruir da gratuidade processual para buscar tutela jurídica do Poder Judiciário.
A concessão dos benefícios da justiça gratuita aos empresários ganha mais importância com a crise sanitária do Covid-19, cujos efeitos afetaram significativamente muitos agentes econômicos. Logo, inúmeros empresários atingidos pela crise geral do mercado provocado pela pandemia do Covid-19 precisarão buscar tutela jurídica de direitos no âmbito processual. Muitos desses agentes econômicos pretenderão os benefícios da justiça gratuita, se os quais certamente não conseguirão o efetivo acesso à justiça[6].
Considerando que a pandemia do Covid-19 certamente promoverá aumento significativo do número de pedidos de processamento de recuperações empresariais e falências nos próximos meses, é indispensável que o Poder Judiciário esteja preparado para atender adequadamente a essa demanda. Sensível ao problema, o Poder Judiciário, sobretudo através do Conselho Nacional de Justiça, apresentou inúmeras sugestões para ampliar a eficiência da prestação jurisdicional, a exemplo da recomendação número nº 63, na qual se orientou que os juízes dêem atenção especial aos processos de recuperação empresarial e falência, objetivando minimizar os impactos negativos da crise e alcançar os melhores resultados possíveis diante do cenário atual.
A superação de conflitos, envolvendo pessoas jurídicas, pelo emprego de métodos autocompositivos também é também uma das formas de acesso à justiça, frequentemente mais barata, mais célere e mais eficiente.
Nesse sentido, antes mesmo da pandemia do Covid-19, a recomendação nº 58/2019 do Conselho Nacional de Justiça sugeriu que todos os magistrados responsáveis pelos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, promovessem, sempre que possível, nos termos da Lei nº 13.105/2015 e da Lei nº 13.140/2015, a composição consensual, pela utilização de métodos consensuais de solução de conflito. A utilização dos referidos métodos deverá servir para a resolução de todo e qualquer conflito que envolva o empresário, em recuperação ou falido, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo. No nosso entendimento a expressão mediação, para os fins da recomendação nº 58/2019, há de ser compreendida em sentido amplo, abrangendo qualquer método de solução consensual de controvérsia, a exemplo da negociação e outros meios inominados para a Resolução Apropriada de Disputas (RAD’s). De acordo com a mencionada recomendação, as ferramentas para a superação consensual de controvérsias podem ser utilizadas em diversas situações, como nos incidentes de verificação de crédito, nas modificações do plano de recuperação judicial, ou mesmo nas discussões relativas aos efeitos da consolidação processual e substancial.
Ivan Aparecido Ruiz, nesse ponto, lembra que não é correto compreender que o acesso à justiça só possa ocorrer por meio da jurisdição estatal, pelo Poder Judiciário. A superação de controvérsias pelos meios jurisdicionais tradicionais, segundo o referido autor, só deve ocorrer nas hipóteses de jurisdição necessária, vale dizer, quando a intervenção do Estado for indispensável à pacificação social. Isso acontece nas “situações em que os valores fundamentais e essenciais da sociedade são protegidos pelo Estado, seja com relação as pessoas, por se tratar de direitos tão íntimos, e, também, de certas instituições (família, fundações, registros públicos), de certos bens, estes, por ser tratar de interesse público, social, coletivo, ultrapassa a esfera individual, merecendo a especificamente, intervenção estatal, v. g., no caso da chamada indisponibilidade objetiva, quando a matéria ingressa no contexto da ordem pública.[7]”
Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça já concluiu que a pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos, tem direito ao benefício da justiça gratuita, desde que demonstre a impossibilidade de arcar com os encargos processuais. Nesse sentido é a Súmula nº 481/STJ[8].
Essa conclusão foi adotada no seguinte julgamento: “[...] 1. Controvérsia de fundo acerca da cobrança de saldo devedor decorrente de leilão extrajudicial do bem alienado fiduciariamente. 2. Ausência de indicação da questão federal objeto de divergência jurisprudencial, fazendo-se incidir o óbice da Súmula 284/STF. 3. Nos termos da Súmula 481/STJ: "Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais". 4. Caso concreto em que a pessoa jurídica ora agravante não apresentou demonstração de insuficiência financeira, não fazendo jus, portanto, ao benefício da gratuidade da justiça. 5. Caráter manifestamente improcedente e protelatório do presente agravo interno, sendo de rigor a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.[...].[9]”
*A assistência jurídica integral e gratuita, prevista no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal é gênero que compreende as espécies assistência judiciária e justiça gratuita. A assistência judiciária gratuita corresponde ao direito de representação em juízo por procurador com capacidade postulatória, integrante ou não dos quadros da Defensoria Pública. A justiça gratuita (ou gratuidade judicial), por outro lado, corresponde à dispensa do pagamento de todas as despesas, em sentido amplo, do processo. Não obstante essa classificação, neste texto as expressões assistência judiciária, assistência jurídica, gratuidade da justiça etc. são utilizadas de maneira metonímica, sem a correspondente precisão semântica.
[1] Rcl 1.905 ED-AgR, rel. min. Marco Aurélio, j. 15-8-2002, P, DJ de 20-9-2002.
[2] NETTO, Antonio Evangelista de Souza. Elementos Essenciais do Direito Empresarial: Teoria Geral. Amazon, 2019.
[3] Art. 52 do Código Civil.
[4]“A affectio societates é referida, tradicionalmente, como uma especial modalidade de consentimento aplicada aos contratos associativos, caracterizada pela intenção das partes de se tratarem como iguais e de buscarem um objetivo comum, diferenciando-se do consentimento comum (isto é, aquele aplicável aos contratos em geral) por exigir-se uma intenção duradoura de permanecer associado, um estado de ânimo continuativo de conviver em sociedade com outrem. BOTREL, Sérgio. Ato constitutivo das sociedades. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 1: Introdução ao Direito Comercial e Teoria Geral das Sociedades. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 348.
[5] “Somente há sociedade se a finalidade do ajuste é econômica: produção e auferimento de vantagens com expressão pecuniária. [...] não se confunda, contudo, finalidade econômica com lucratividade. O lucro guarda correspondência direta com a ideia de investimento: lucro é a remuneração do capital investido. [...] há finalidade econômica mesmo quando o saldo positivo não caracteriza lucro, não se verificando remuneração pelo capital investido; é o que se passa nas sociedades cooperativas, nas quais se remunera o trabalho de cada cooperado e não o investimento que é feito. Nas cooperativas não há lucro, mas saldo positivo; mas há finalidade econômica, razão pela qual está caracterizada a sociedade.”MAMEDE, Gladston. Conceitos fundamentais do Direito Empresarial. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 1: Introdução ao Direito Comercial e Teoria Geral das Sociedades. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 51.
[6] Sobre acesso à justiça, confira: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.
[7] RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-1/principio-do-acesso-justica.
[8] Jurisprudência em Teses – Edição nº 148.
[9] AgInt no REsp 1839758/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2020, DJe 05/06/2020.