Fogos de artifício no STF: os crimes possivelmente cometidos

14/06/2020 às 23:57
Leia nesta página:

Diante do lançamento de fogos na sede do STF, além de insultos a chefes de estado proferidos pelos apoiadores de Bolsonaro, é necessária a analise do ocorrido.

INTRODUÇÃO 

Há pouco tempo, um grupo de apoiadores do Presidente da República, Jair Bolsonaro, soltou fogos de artifício contra a sede do Supremo Tribunal Federal. Na ação foram proferidos diversos xingamentos a Ministros da Corte, além de palavras em tom ofensivo que também foram direcionadas ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Ocorre que, as condutas realizadas pelo grupo que apoia o Presidente da República, pode estar incidindo em vários tipos penais como presentes na legislação brasileira. Logo, é imperiosa a análise da conduta dos envolvidos no ocorrido, para o questionamento do fato.

1 - DOS FOGOS NO STF

No último dia 14/06, um grupo de apoio ao Presidente Jair Bolsonaro lançou fogos de artifício em direção a sede do Supremo Tribunal Federal[1], que é tombada como patrimônio histórico federal. A ação durou cerca de cinco minutos e foi realizada por um grupo de mais ou menos trinta pessoas. Foram proferidos xingamentos e palavras ofensivas, contra os ministros da Corte e contra o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que os desalojou do acampamento que realizaram na Esplanada dos Ministérios. O grupo já participara de manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, além de pregar a intervenção militar.

Durante a queima de fogos, os manifestantes chamaram os ministros do Supremo de "bandidos" e diziam que aquilo era um "recado"[2]. Um deles repetiu a frase "acabou, porra", falada por Bolsonaro para criticar uma operação ordenada pelo STF no inquérito das fake news e ataques contra a o Supremo Tribunal Federal. Uma outra pessoa, não identificada, afirmou que os ministros vão "cair" e que o grupo irá "derrubar" eles.  O ministro e presidente da Corte, Dias Toffoli, foi chamado de "bandido", o mesmo ocorreu como ministro Gilmar Mendes. Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber também foram xingados pelos manifestantes. Em nota, o ministro Dias Toffoli afirmou:

“Infelizmente, na noite de sábado, o Brasil vivenciou mais um ataque ao Supremo Tribunal Federal, que também simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas.

Financiadas ilegalmente, essas atitudes têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado, apesar da tentativa de diálogo que o Supremo Tribunal Federal tenta estabelecer com todos - Poderes, instituições e sociedade civil, em prol do progresso da nação brasileira.

O Supremo jamais se sujeitará, como não se sujeitou em toda a sua história, a nenhum tipo de ameaça, seja velada, indireta ou direta e continuará cumprindo a sua missão. “

Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal repudia tais condutas e se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus Ministros e da democracia brasileira. “

2 - DOS CRIMES CONTRA A HONRA

Os crimes contra a honra, estabelecidos pelo Código Penal em seus artigos 138 (calúnia), 139 (difamação) e 140 (injúria), tutelam os bens imateriais da pessoa humana, no caso, a honra. Assim, conforme é estabelecido pela Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso X, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, é observado então que o patrimônio moral também é passível de proteção moral.

2.1 - DIFAMAÇÃO

O delito de difamação, estabelecido no artigo 139 do Código Penal, é crime que ofende a honra objetiva da vítima, assim, depende da imputação de um fato a alguém, não necessitando ser atribuição criminosa, bastando ter capacidade para macular a honra objetiva do sujeito. Ademais, o jurista Cleber Masson estabelece o núcleo do tipo do delito:

“Difamar é imputar a alguém um fato ofensivo à sua reputação. Consiste, pois, em desacreditar publicamente uma pessoa, maculando os atributos que a tornam merecedora de respeito no convívio social. E, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a ocorrência do delito de difamação “dá-se a partir da imputação deliberada de fato ofensivo à reputação da vítima, não sendo suficiente a descrição de situações meramente inconvenientes ou negativas”.

Veja-se que, ao contrário do que ocorre na calúnia, não existe o elemento normativo do tipo “falsamente”. Portanto, subsiste o crime de difamação ainda que seja verdadeira a imputação (salvo quando o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções), desde que dirigida a ofender a honra alheia. Buscou o legislador deixar nítido que as pessoas não devem fazer comentários desairosos sobre a vida alheia. Agiu bem ao proceder dessa forma, pois não se pode permitir, em nenhuma hipótese, o desnecessário ataque à honra alheia.

Nada obstante o Código Penal não descreva em seu art. 139 a conduta de “propalar”, aquele que assim age pratica nova difamação, pois lhe é vedado levar uma difamação adiante, depois de tomar conhecimento acerca dela. ” (Masson 2018, Pág 212)

Assim conforme é estabelecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“Inquérito. Crimes contra a honra. (...) Havendo imputação ao querelante da prática de fato típico, tem-se por consumado o crime de calúnia. Inocorrência do crime de difamação, que pressupõe, para sua concretização, a presença de fato certo e determinado a macular a honra objetiva do querelante. Pretensão, alternativa, de tipificação do crime de injúria. Impossibilidade, ante a prescrição da pretensão punitiva quanto a esse crime. (...) Queixa-crime recebida pelo delito de calúnia. [3]

2.2 - INJÚRIA

Diferente dos crimes de calúnia e difamação, o delito de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal, protege a honra subjetiva do sujeito, ou seja, o sentimento que a própria pessoa tem sobre seus atributos morais. É destacado por Capez exemplos do crime de injúria:

“A injúria, ao contrário da difamação, não se consubstancia na imputação de fato concreto, determinado, mas, sim, na atribuição de qualidades negativas ou de defeitos. Consiste ela em uma opinião pessoal do agente sobre o sujeito passivo, desacompanhada de qualquer dado concreto. São os insultos, xingamentos (p. ex., ladrão, vagabundo, corcunda, estúpido, grosseiro, incompetente, caloteiro etc.). Ressalve-se que, ainda que a qualidade negativa seja verdadeira, isso não retira o cunho injurioso da manifestação. “ (Capez 2019, Pág 451)

O Superior Tribunal de Justiça, em sua jurisprudência, também trata do delito:

“...Na presente hipótese, a conduta atribuída à querelada é aparentemente típica, pois houve demonstração, no campo hipotético e indiciário, da intenção deliberada de injuriar, denegrir, macular ou de atingir a honra do querelante, devendo ser apreciada a efetiva existência do especial fim de agir exigido pelo art. 140 do CP no curso da instrução criminal. 10. Queixa-crime recebida. [4]

3 - DA LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998

A Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 trata sobre a proteção do meio ambiente e de outros patrimônios. Dessa maneira, entre os artigos 62 e 65 da referida legislação, estãa prevista a defesa do ordenamento urbano e do patrimônio cultural. Especificamente, nos artigos 62 e 65, é tratado sobre deteriorar, conspurcar, destruir e inutilizar de patrimônios culturais:

“Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.[5]

Art. 65.  Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§ 1° Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa...”

Na mesma toada, o jurista Terence Trennepohl afirma que:

Assim, destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; ou, então, arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, é punível com reclusão, de um a três anos, e multa. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

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Por fim, pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano é punível com detenção, de três meses a um ano, e multa. Destaque-se que se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa (art. 65). (Trennepohl 2020, Pág 297)

4 - DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

“A Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, estabelece os crimes contra a segurança nacional a ordem política e social, estabelece o processo e julgamento dos referidos delitos, além de outras determinações. Ademais, em seu artigo 26 a Lei de Segurança Nacional trata dos crimes de calúnia e difamação contra Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal:

“Art. 26 - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.

Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.[6]

5 - CONCLUSÃO

As legislações expostas nesse artigo tratam de maneira objetiva os referidos crimes. De modo que o crime de calúnia consiste na ofensa à honra objetiva, ou seja, a visão que a sociedade tem sobre o sujeito. O delito de injúria afeta a honra subjetiva, que é o sentimento que a pessoa tem sobre si própria. Logo, é perceptível que a ofensa de bandido a ministros do Supremo Tribunal Federal pode incorrer no ilícito penal de injúria. Quanto ao crime de difamação, pode ter ocorrido diante dos xingamentos e ofensas proferidos aos ministros do Supremo e ao Governador do Distrito Federal.

Os insultos ao Presidente do STF, Dias Toffoli, são abordados na Lei de Segurança Nacional, que em seu artigo 26, trata do crime de calúnia e difamação para o Presidente do STF e presidentes dos outros poderes. Além disso, diante do uso de fogos na sede do Supremo Tribunal Federal, caso confirmada a danificação do patrimônio histórico, o grupo poderá ter praticado os ilícitos previstos na Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. É cabido então aos órgãos responsáveis a investigação dos possíveis delitos, para que se cumpra a forma da lei.

Referências

AÇÃO PENAL Nº 895 - DF - MINISTRA NANCY ANDRIGHI - CORTE ESPECIAL - 15 de Maio de 2019. (s.d.).

Capez, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial : arts. 121 a 212. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7170.htm. s.d.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm. s.d.

https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/14/grupo-de-apoiadores-de-bolsonaro-lanca-fogos-de-artificio-contra-o-predio-do-stf.ghtml. s.d.

https://oglobo.globo.com/brasil/manifestantes-jogam-fogos-de-artificio-contra-stf-24479185. s.d.

Masson, Cleber. Direito penal: parte especial: arts. 121 a 212. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

Trennepohl, Terence. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.


[1] (https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/14/grupo-de-apoiadores-de-bolsonaro-lanca-fogos-de-artificio-contra-o-predio-do-stf.ghtml s.d.)

[2] (https://oglobo.globo.com/brasil/manifestantes-jogam-fogos-de-artificio-contra-stf-24479185 s.d.)

[3] (Inq 2.503, rel. min. Eros Grau, j. 24-3-2010, P, DJE de 21-5-2010. s.d.)

[4] (AÇÃO PENAL Nº 895 - DF - MINISTRA NANCY ANDRIGHI - CORTE ESPECIAL - 15 de Maio de 2019 s.d.)

[5] (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm s.d.)

[6] (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7170.htm s.d.)

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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