Conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça o patrocínio da causa por Núcleo de Prática Jurídica não implica, automaticamente, a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, sendo indispensável o preenchimento dos requisitos previstos em lei (Jurisprudência em Teses – Edição nº 149).
O art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, assegura a prestação de assistência jurídica integral e gratuita a todos que comprovem insuficiência de recursos.
O art. 134, da Constituição Federal, por outro lado, prevê que “a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.”
A despeito do direito de representação por advogado e da gratuidade das despesas processuais, os cidadãos que necessitam do amparo estatal para acesso à justiça nem sempre são representados pela Defensoria Pública. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, inclusive, que a Defensoria Pública não detém a exclusividade da prestação de assistência jurídica gratuita dos sujeitos carentes de meios financeiros para contratar advogado.[1]
Não há dúvidas de que o Estado deve promover a estruturação das Defensorias Públicas, em todos os níveis, para que a assistência judiciária gratuita seja efetivamente prestada a todos os que dela necessitem. Segundo o art. 24, inciso XIII, da Constituição Federal, as unidades federativas (União, Estados e Distrito Federal) podem legislar concorrentemente sobre assistência jurídica e Defensoria Pública.
Considerando que a estruturação da Defensoria Pública pressupõe efetivação da garantia do acesso à justiça, Ivan Aparecido Ruiz adverte que para que ocorra o efetivo acesso à justiça o processo deve trazer uma “[...] resposta tempestiva e adequada ao conflito de interesses. Ingressa Mauro Cappelletti[2], nesse momento da análise, aos fatores que podem constituir obstáculos a esse “Acesso à Justiça”. A presença desses obstáculos, que são muitos, podem e, necessariamente, levam a negativa de acesso à justiça. Destaca-se, aqui, exemplificativamente, como um dos obstáculos ao acesso à justiça, o custo do processo. Devido ao custo do processo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no tópico dos direitos e garantias fundamentais, no inciso LXXIV do art. 5°, assegurou que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, cuidando mais adiante, quando do tratamento das funções essenciais à justiça, no art. 134, da Defensoria Pública, como instituição estatal permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados. Diante desse quadro, para que se possa efetivar concretamente esses serviços aos necessitados, a fim de que essa garantia não fique numa vã promessa solene constitucional, é indispensável que as autoridades governamentais implementem a Defensoria Pública na realidade dos fatos[3]”
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a implantação da Defensoria Pública não é faculdade do Estado, mas dever constitucionalmente vinculante: “Defensoria Pública. Implantação. Omissão estatal que compromete e frustra direitos fundamentais de pessoas necessitadas. Situação constitucionalmente intolerável. O reconhecimento, em favor de populações carentes e desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do "direito a ter direitos" como pressuposto de acesso aos demais direitos, liberdades e garantias. Intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, LXXIV, e art. 134). Legitimidade dessa atuação dos juízes e tribunais. O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo poder público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao Estado. A teoria das "restrições das restrições" (ou da "limitação das limitações"). Controle jurisdicional de legitimidade sobre a omissão do Estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proibição insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes. A função constitucional da Defensoria Pública e a essencialidade dessa instituição da República. Thema decidendum que se restringe ao pleito deduzido na inicial, cujo objeto consiste, unicamente, na "criação, implantação e estruturação da Defensoria Pública da Comarca de Apucarana”[...]”[4].
Diante da ausência de número suficientes de Defensores Públicos concursados para promover integralmente a missão da Defensoria no Brasil, parte da defesa e representação processual dos necessitados é realizada por Advogados privados, ligados aos Núcleos de Prática Jurídica das Universiades ou a organizações não-governamentais.[5]
A Lei nº 1.060/1950 trata da nomeação de advogados privados para patrocínio dos necessitados nos casos em que não existam defensores públicos concursados. Conforme previsto no art. 5º, da Lei nº 1.060/1950, deferido o pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de dois dias úteis, o advogado que patrocinará a causa do necessitado. (art. 5º, §1º). Caso não exista serviço de assistência judiciária mantido pelo Estado, a Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou Subseções Municipais, deverá fazer a indicação (art. 5º, § 3º). Nos municípios em que não existirem subseções da Ordem dos Advogados do Brasil, o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado, preferindo-se o advogado indicado pelo interessado e que tenha concordado com a nomeação (art. 5º, §§ 3º e 4º). Nos Estado onde a Assistência Judiciária seja organizada e mantida por ele, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos (art. 5º, §5º).
Não obstante a tolerância da realização de convênios com universidades e mesmo com a Ordem dos Advogados do Brasil para a prestação de assistência judiciária, a falta de órgão próprio para desempenho das atividades da Defensoria configura grave violação da garantia do acesso à justiça e, consequentemente, da dignidade humana. O Supremo já decidiu nesse sentido: “Art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina. LC estadual 155/1997. Convênio com a seccional da OAB/SC para prestação de serviço de "defensoria pública dativa". Inexistência, no Estado de Santa Catarina, de órgão estatal destinado à orientação jurídica e à defesa dos necessitados. Situação institucional que configura severo ataque à dignidade do ser humano. Violação do inciso LXXIV do art. 5º e do art. 134, caput, da redação originária da Constituição de 1988. Ações diretas julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade do art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina e da LC estadual 155/1997 e admitir a continuidade dos serviços atualmente prestados pelo Estado de Santa Catarina mediante convênio com a OAB/SC pelo prazo máximo de um ano da data do julgamento da presente ação, ao fim do qual deverá estar em funcionamento órgão estadual de defensoria pública estruturado de acordo com a Constituição de 1988 e em estrita observância à legislação complementar nacional (LC 80/1994)”[6]
Do mesmo modo, confira o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal: “Defensoria Pública. Implantação. Omissão estatal que compromete e frustra direitos fundamentais de pessoas necessitadas. Situação constitucionalmente intolerável. O reconhecimento, em favor de populações carentes e desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do "direito a ter direitos" como pressuposto de acesso aos demais direitos, liberdades e garantias. Intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, LXXIV, e art. 134). Legitimidade dessa atuação dos juízes e tribunais. O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo poder público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao Estado. A teoria das "restrições das restrições" (ou da "limitação das limitações"). Controle jurisdicional de legitimidade sobre a omissão do Estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proibição insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes. A função constitucional da Defensoria Pública e a essencialidade dessa instituição da República. Thema decidendum que se restringe ao pleito deduzido na inicial, cujo objeto consiste, unicamente, na "criação, implantação e estruturação da Defensoria Pública da Comarca de Apucarana". Recurso de agravo provido, em parte.[7]”
A despeito dessas ponderações, o patrocínio da causa por advogado de Núcleo de Prática Jurídica ou por Defensor Público não implica presunção absoluta de pobreza e, consequentemente, o deferimento automático do pedido de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. Assim, sempre será indispensável o preenchimento dos requisitos previstos em lei.
*A assistência jurídica integral e gratuita, prevista no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal é gênero que compreende as espécies assistência judiciária e justiça gratuita. A assistência judiciária gratuita corresponde ao direito de representação em juízo por procurador com capacidade postulatória, integrante ou não dos quadros da Defensoria Pública. A justiça gratuita (ou gratuidade judicial), por outro lado, corresponde à dispensa do pagamento de todas as despesas, em sentido amplo, do processo. Não obstante essa classificação, neste texto as expressões assistência judiciária, assistência jurídica, gratuidade da justiça etc. são utilizadas de maneira metonímica, sem a correspondente precisão semântica.
[1] De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a Defensoria Pública não detém a exclusividade da prestação de assistência jurídica gratuita sujeitos carentes de meios financeiros para contratar advogado. Da mesma forma, foi reconhecido que não existe direito subjetivo de o acusado ser defendido pela Defensoria Pública. Jurisprudência em Teses – Edição nº 148.
[2] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.
[3] RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-1/principio-do-acesso-justica.
[4] AI 598.212 ED, rel. min. Celso de Mello, j. 25-3-2014, 2ª T, DJE de 24-4-2014.
[5] “A Defensoria Pública é a instituição que presta serviços de assistência jurídica gratuita para a população que não possui condições financeiras para arcar com as despesas de um advogado particular. Ela atua na prestação de serviços para a garantia e efetivação de direitos da população de baixa renda. A Defensoria Pública, além da sua atuação direta, faz convênios com outras instituições, pois a procura da população pelos serviços prestados é muito maior que o número de defensores para realizarem o trabalho. Essa parceria ou convênio se dá com escritórios modelos de universidades, organizações não-governamentais.” LIBÓRIO, Daniela Campos, SAULE JÚNIOR, Nelson. Direito à cidade e institutos de proteção dos territórios urbanos de grupos sociais vulneráveis. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/66/edicao-1/direito-a-cidade-e-institutos-de-protecao-dos-territorios-urbanos-de-grupos-sociais-vulneraveis
[6] ).”ADI 3.892 e ADI 4.270, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 14-3-2012, P, DJE de 25-9-2012.] Vide ARE 767.615 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 5-11-2013, 2ª T, DJE de 11-11-2013.
[7] AI 598.212 ED, rel. min. Celso de Mello, j. 25-3-2014, 2ª T, DJE de 24-4-2014.