A APLICAÇÃO DA SÚMULA 74 DO STJ

15/06/2020 às 09:36
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A APLICAÇÃO DA SÚMULA 74 DO STJ.

A APLICAÇÃO DA SÚMULA 74 DO STJ

Rogério Tadeu Romano

Em julgamento de recurso repetitivo durante sessão virtual, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, para fins de condenação por corrupção de menores ou aumento da pena por envolvimento de menor no tráfico de drogas, a comprovação da menoridade deve ter por base algum documento oficial, não bastando declaração dada à polícia.

O assunto foi cadastrado no sistema de repetitivos como Tema 1.052. A tese fixada pelos ministros é a seguinte:

"Para ensejar a aplicação de causa de aumento de pena prevista no artigo 40, VI, da Lei 11.343/2006 ou a condenação pela prática do crime previsto no artigo 244-B da Lei 8.069/1990, a qualificação do menor, constante do boletim de ocorrência, deve trazer dados indicativos de consulta a documento hábil – como o número do documento de identidade, do CPF ou de outro registro formal, tal como a certidão de nascimento."

O caso foi objeto de discussão no REsp 1619265.

A matéria já se encontrava disciplinada pela Súmula 74 do STJ:

Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil. Referência:CP, art. 115.Precedentes:REsp 658-SP (5ª T, 18.04.1990 – DJ 30.04.1990)REsp 1.039-SP (5ª T, 14.02.1990 – DJ 05.03.1990)REsp 1.730-SP (5ª T, 13.06.1990 – DJ 20.08.1990)REsp 1.856-SP (5ª T, 09.05.1990 – DJ 28.05.1990)REsp 2.924-MG (6ª T, 29.06.1990 – DJ 13.08.1990)REsp 5.290-SP (6ª T, 23.10.1990 – DJ 12.11.1990)RHC 2.056-SP (6ª T, 10.08.1992 – DJ 31.08.1992)Terceira Seção, em 15.04.1993DJ 20.04.1993, p. 6.769.

No julgamento do REsp n. 2.081/SP (Rel. Ministro William Patterson, DJ 4/6/1990), a Sexta Turma desta Corte Superior considerou que "a menoridade, para fins de prescrição da pena, deve ser comprovada por meio de documento, não bastando, para isso, a simples alegação contida no termo de interrogatório".

Segundo o artigo 115 do Código Penal, a pena reduz-se à metade se o réu tiver menos de 21 anos à data do delito. Para esse benefício será necessário prova cabal.

No passado, diversos julgamentos do  Supremo Tribunal Federal afirmavam que para reconhecer-se a menoridade, com vistas à redução do prazo prescricional, era preciso comprovação documental, não bastando, para caracterizá-la, simples alegação da parte - RE n. 80.298-SP, Rel. Min. Leitão de Abreu, in RTJ 78/227, e HC n. 53.862-SP, Rel. Min. Cunha Peixoto, in RTJ 79/74; ou ainda que, para tanto, exige-se certidão do registro civil ou outra prova hábil - RE n. 93.113-9-SP, Rel. Min. Soares Muñoz, in DJ de 06.02.1981, e RE n. 106.458-7-PR, Rel. Min. Carlos Madeira, in DJ de 14.03.1986 - fl s. 176-180.

A prova da menoridade do réu deve ser feita com base no Registro Geral, na certidão de nascimento.

Destaco ainda alguns julgamentos do STJ na matéria:

A exigência de comprovação documental, para fins de redução do prazo prescricional, é identificada também em julgados posteriores à edição da súmula. A propósito (todos grifados por mim): [...] 1. Em tema de prescrição da ação penal, a simples declaração de menoridade é insuficiente para determinar a aplicação da norma do art. 115 do CP, sendo necessária a apresentação da certidão de nascimento ou documento idôneo. 2. Ordem denegada. (HC n. 4.730/SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 6ª T., DJ 3/3/1997) [...] Estando documentalmente comprovada a menoridade relativa (cf. 155 do CPP c/c a Súmula nº 74-STJ), incide a redução estabelecida no art. 115 do CP, restando, pelo decurso de tempo, extinta a punibilidade pela prescrição superveniente e prejudicado o recurso. Declarada extinta a punibilidade e prejudicado o recurso. (REsp n. 398.066/PA, Rel. Ministro Felix Fischer, 5ª T., DJ 24/3/2003) [...] 1. Para o reconhecimento da redução do prazo prescricional pela metade, nos termos do art. 115 do Código Penal, seria necessário a juntada de documentos hábeis para a comprovação da menoridade do Réu ao tempo do fato criminoso. 2. Embargos rejeitados. (EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp n. 945.311/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJe 17/11/2008)

Não basta, pois, a simples alegação.

Por outro lado, em diversos julgados, o STJ aceitou, para a condenação pelo crime de corrupção de menores ou para a aplicação da causa de aumento de pena da Lei de Drogas, a informação do boletim de ocorrência baseada exclusivamente em declaração do suposto adolescente.

No julgamento dos EREsp n. 1.763.471/DF (Rel. Ministra Laurita Vaz, 3ª S., DJe 26/8/2019), a Terceira Seção desta Corte Superior sinalizou a impossibilidade de que a prova da idade da criança ou adolescente supostamente envolvido em prática criminosa ou vítima do delito de corrupção de menores ser atestada exclusivamente pelo registro de sua data de nascimento, em boletim de ocorrência, sem referência a um documento oficial do qual foi extraída tal informação (como certidão de nascimento, CPF, RG, ou outro).

O ministro Schietti afirmou que, embora já tenha acompanhado, por respeito aos precedentes, a posição dos que dispensam a comprovação por documento, esse entendimento deve ser rediscutido, "pois soa ilógico que, para aplicar medidas favoráveis ao réu ou que visam ao resguardo da dignidade sexual da vítima, por exemplo, se exija comprovação documental e, para agravar a situação do acusado – ou até mesmo para justificar a própria condenação –, se flexibilizem os requisitos para a demonstração da idade".

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Essa foi a posição da Terceira Seção no julgamento dos EREsp 1.763.471 – relatados pela ministra Laurita Vaz em 2019 –, no qual os ministros afirmaram a exigência de que a prova da idade do menor envolvido em crime ou vítima do delito de corrupção de menores tivesse referência a documento oficial.

A respeito do tema, registra-se a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho (Código de Processo Penal comentado: volumes 1 e 2. 15 ed., revista e de acordo com a Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 568-569):

“Vigorando no Processo Penal o princípio da verdade real, é corolário não deva haver qualquer limitação ou restrição à prova. Apesar disso, o legislador, por razões várias, estabelece algumas limitações. A lei civil não admite que determinados fatos sejam demonstrados por qualquer meio de prova. Assim, por exemplo, o testemunho de menores, de pessoas de má reputação; às vezes, exige que certo fato seja provado deste ou daquele modo. Pois bem: o Código de Processo Penal não acata essas restrições, salvo quando se tratar daquelas limitações impostas à prova do estado civil das pessoas. O casamento se prova com a respectiva certidão, diz a lei civil. Pois bem: se no processo penal houver necessidade de provar que o agente é casado, de nada valerão depoimentos e declarações. E indispensável a certidão. Nesse sentido: [...]. Evidente que se não for possível a exibição do registro, em virtude de extravio, incêndio, revolução, guerra, admitem-se provas supletórias, nos termos do parágrafo único do art. 1.543 do Código Civil. No que tange à prova da menoridade, porque ligada ao estado das pessoas, a situação é a mesma: obedece-se à lei civil. [...] Quando se trata de verificação de idade (e muitas e muitas vezes há necessidade de saber a idade da pessoa para fins penais), o normal é a prova por meio de certidão, uma vez que o art. 9º do CC exige o registro do nascimento. Mas sabemos todos que no Brasil a evasão ao registro atinge proporções alarmantes. Em face disso, quando houver necessidade de se proceder à verificação de idade (ante a falta de registro), haverá uma perícia médica que se baseia na análise dos ossos (normalmente pela radiografia), dentes, caracteres sexuais secundários, pele e peso. Assim, o núcleo do crescimento dos ossos (até os 20 anos), nos dentes definitivos há certa ordem na sua irrupção (há tabelas indicando a época dessas irrupções), pelos axilares e pubianos, menarca (primeira menstruação) etc.”

O Código Civil fixa, em seu art. 9º, a obrigatoriedade de registro, em assentamento público, dos seguintes acontecimentos:

I - os nascimentos, casamentos e óbitos; II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa; IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.

 Ao comentarem o dispositivo legal em questão, José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas de Araújo destacam que "o registro civil é o repositório oficial das informações essenciais, que distinguem as pessoas naturais e jurídicas, e que fornece o direito à percepção sobre o estado da pessoa". Consideram que tal assentamento "exerce papel fundamental na sociedade moderna como meio de identificar o sujeito de direito no meio social" ( Código civil comentado: com súmulas, julgados selecionados e enunciados das jornadas do CJF. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2018, ambos à p. 51).

Portanto, pois, nada mais justo que se reafirmar a aplicação da Súmula 74 do STJ que se notabiliza por ser de melhor direito e por ser atual.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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