INTRODUÇÃO
O benefício do auxílio emergencial foi criado para atender um grupo específico de trabalhadores diante da pandemia ocasionada pelo Covid-19. Assim sendo, as duas primeiras parcelas no valor de R$ 600,00 do benefício já foram pagas pelo Governo Federal. Contudo, o Brasil é hoje o epicentro do coronavírus no mundo e provavelmente, a doença vai demorar para sair do País. Logo, estão sendo discutidas as próximas parcelas do auxílio, onde o Presidente da República avisou que caso a Câmara proponha que o valor atual continue sendo pago, ele vetará.
Porém, o princípio constitucional do mínimo existencial estabelece que o estado deve garantir o mínimo para que o seu cidadão possa ter uma vida digna, em razão da dignidade da pessoa humana. É necessário abordar também o princípio da reserva do possível, que se contrapõe ao mínimo existencial, tratando sobre os limites financeiros do Estado e a sua não aplicabilidade no referido caso diante de condutas realizadas pelo Governo.
1 - DO AUXÍLIO EMERGENCIAL E PRORROGAÇÃO
A pandemia do coronavírus fez com que diversas famílias de baixa renda perdessem empregos e ficassem mais vulneráveis para a doença. Em razão disso, o Governo Federal criou o auxílio emergencial, benefício que atende aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, que tenham famílias onde a renda mensal por pessoa não ultrapasse meio salário mínimo R$ 522,50, ou que a renda familiar total seja de até três salários mínimos R$ 3.135,00[1].
Em poucos meses, o benefício contemplou diversas famílias e as duas primeiras parcelas já estão garantidas e sendo pagas pelo Governo. Contudo, o Brasil hoje é o epicentro do Covid-19 no mundo e é possível afirmar que a vida não voltará ao normal tão rápido. Por esse motivo, existe a necessidade da prorrogação do auxílio emergencial, para a proteção de famílias de baixa renda que necessitam do benefício no momento atual.
Apesar disso, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que caso o auxílio emergencial continue no mesmo valor, ele vetará. O Ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia afirmado que o governo pagaria mais duas parcelas do benefício, porém ambas no valor de R$ 300,00. Em relação a extensão do auxílio, Bolsonaro afirmou que:
"Na Câmara por exemplo, vamos supor que chegue uma proposta de duas [parcelas] de R$ 300. Se a Câmara quiser passar para R$ 400, R$ 500, ou voltar para R$ 600, qual vai ser a decisão minha? Para que o Brasil não quebre? Se pagar mais duas de R$ 600, vamos ter uma dívida cada vez mais impagável. É o veto[2]"
2 - DO REMANEJAMENTO DE RECURSOS DO BOLSA FAMÍLIA
No início do mês de junho do ano atual, o Governo estabeleceu a Portaria nº 13.474, que deslocou R$ 83,9 milhões, que seriam destinados para o pagamento do Bolsa Família da região nordeste, como pode ser observado[3]:
“PORTARIA Nº 13.474, DE 2 DE JUNHO DE 2020
Abre ao Orçamento Fiscal da União, em favor da Presidência da República, crédito suplementar no valor de R$ 83.904.162,00, para reforço de dotação constante da Lei Orçamentária vigente.
O SECRETÁRIO ESPECIAL DE FAZENDA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA, no uso da competência que lhe foi subdelegada pelo art. 1º, inciso I, da Portaria GM/ME nº 42, de 3 de fevereiro de 2020, e tendo em vista a autorização constante do art. 4º, caput, inciso V, da Lei nº 13.978, de 17 de janeiro de 2020, resolve:
Art. 1º Abrir ao Orçamento Fiscal da União (Lei nº 13.978, de 17 de janeiro de 2020), em favor da Presidência da República, crédito suplementar no valor de R$ 83.904.162,00 (oitenta e três milhões, novecentos e quatro mil, cento e sessenta e dois reais), para atender à programação constante do Anexo I.
Art. 2º Os recursos necessários à abertura do crédito de que trata o art. 1º decorrem de anulação de dotação orçamentária conforme indicado no Anexo II.
Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. “
As verbas que iriam para o Bolsa Família foram remanejadas para a comunicação institucional do Palácio do Planalto. O Ministério da Economia[4] afirmou que nenhum beneficiário será prejudicado, diante do auxílio emergencial, que concedeu pagamento superior para as famílias de baixa renda.
“Importante destacar que nenhum beneficiário do Programa Bolsa Família foi prejudicado no recebimento de seu benefício e, com a instituição do Auxílio Emergencial, a maioria teve benefícios superiores”, afirmou o Ministério da Economia. “
3 - DO PRINCÍPIO DO MINIMO EXISTENCIAL E DA RESERVA DO POSSÍVEL
O princípio do mínimo existencial é estabelecido pela doutrina como o mínimo necessário para o ser humano viver com dignidade, materializando a dignidade da pessoa humana. O Estado então, como garantidor dos direitos fundamentais, deve proporcionar uma vida digna para seus cidadãos. É estabelecido pelo doutrinador Ingo Sarlet, que a adaptação da prestação social do Estado diante das transformações da sociedade não justifica a supressão de direitos mínimos:
“Destaque-se, aliás, que o conjunto de prestações básicas, especialmente aquelas que densificam o princípio da dignidade da pessoa humana e correspondem ao mínimo existencial, não poderá ser suprimido nem reduzido, mesmo se ressalvados os direitos adquiridos, já que a violação de medidas de concretização do núcleo essencial da dignidade humana é injustificável sob o ponto de vista da ordem jurídica e social.
A necessidade de adaptação dos sistemas de prestações sociais às constantes transformações da realidade não justifica o descompasso entre os níveis de proteção já alcançados às prestações que compõem o mínimo existencial e a legislação reguladora superveniente que os comprometa, suprimindo ou reduzindo posições sociais existentes, pois, em sendo este o caso, poderá ser considerada inconstitucional, vindo a ser assim declarada pelo Poder Judiciário. Nesse contexto, como um dos critérios a ser manejado para avaliar a ocorrência de um retrocesso, portanto, de uma restrição constitucionalmente ilegítima de direitos sociais, é possível agregar a necessária demonstração da ocorrência – numa perspectiva coletiva (atrelada à dimensão objetiva dos direitos) de efetivo e significativo risco social, não suscetível de ser compensado por outras medidas. ” (Ingo Wolfgang Sarlet 2019, Pág 918)
Na mesma toada, em contraposição ao mínimo existencial, existe o princípio da reserva do possível, que trata do limite da prestação de serviços estatais, diante de sua restrição financeira. O surgimento da reserva do possível remete a um julgamento ocorrido na Alemanha, que versou sobre a quantidade de vagas em universidade. O Tribunal Constitucional Federal alemão decidiu então que os pressupostos fáticos para o exercício do direito estão submetidos ao princípio da reserva do possível, conforme aborda Gilmar Mendes:
“A reserva do financeiramente possível (Vorbehalt des finanziell Möglichen) está ligada à famosa decisão numerus clausus do Tribunal Constitucional Federal alemão (Numerus-claususUrteil), que versou sobre o número de vagas nas Universidades do país e o fato de a liberdade de escolha de profissão ficar sem valor caso inexistentes as condições fáticas para sua efetiva fruição. Assentou-se, então, que pretensões destinadas a criar os pressupostos fáticos necessários para o exercício de determinado direito estão submetidas à reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen), enquanto elemento externo à estrutura dos direitos fundamentais. (Gilmar Ferreira Mendes 2018, Pág 1024-1025)
4 - CONCLUSÃO
Conforme estabelecido pelo princípio do mínimo existencial, o Estado tem o dever de garantir o mínimo para que a sociedade viva com dignidade. No entanto, na contramão do mínimo existencial, existe o princípio da reserva do possível, onde é afirmado que o estado tem um limite financeiro, onde não há a possibilidade de garantir todos os direitos fundamentais caso não haja recursos financeiros para tal. Logo, é imperiosa a ponderação nos dois princípios para a materialização da dignidade humana, que é fundamental para o Estado Democrático de Direito.
Por conseguinte, o ocorrido com o auxílio emergencial, onde o Bolsonaro afirmou que vetaria o benefício com o mesmo valor das primeiras parcelas, pode ferir o princípio do mínimo existencial. Isso ocorre pois, diante do ocorrido com a transferência de recursos do bolsa família, o governo mostra não estar carente de recursos financeiros para auxiliar a população, restando incompatível com a reserva do possível. Assim sendo, é preciso uma observância ao princípio da dignidade da pessoa humana por parte do Estado, que é garantidor dos direitos fundamentais.
Referências
Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
http://www.caixa.gov.br/auxilio/PAGINAS/DEFAULT2.ASPX. s.d.
http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-13.474-de-2-de-junho-de-2020-260078555. s.d.
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/04/governo-transfere-r-839-milhoes-do-bolsa-familia-para-a-secretaria-de-comunicacao.ghtml. s.d.
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/11/bolsonaro-diz-que-vetara-extensao-do-auxilio-emergencial-se-congresso-fixar-valor-em-r-600.ghtml. s.d.
Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. Curso de direito constituciona. São Paulo: Saraiva, 2019.
[1] (http://www.caixa.gov.br/auxilio/PAGINAS/DEFAULT2.ASPX s.d.)
[2] (https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/11/bolsonaro-diz-que-vetara-extensao-do-auxilio-emergencial-se-congresso-fixar-valor-em-r-600.ghtml s.d.)
[3] (http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-13.474-de-2-de-junho-de-2020-260078555 s.d.)
[4] (https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/04/governo-transfere-r-839-milhoes-do-bolsa-familia-para-a-secretaria-de-comunicacao.ghtml s.d.)