George Floyd, ADPF 594 e a Atuação Policial No Rio De Janeiro

16/06/2020 às 15:16
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Os movimentos contra o racismo nos EUA representam uma realidade também existente no Brasil, tornando-se imprescindível a análise quanto a política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, que atua de forma ilegal sob o comando do Witzel.

1- Introdução

No dia 25 de maio do ano de 2020, em Minnesota-EUA, um homem negro de 46 anos foi morto em ato desumano imposto pelo policial, Derek Chauvin, que o asfixiou pressionando o joelho sobre o seu pescoço. A morte de George Floyd representa um evento cruel, e põe em voga o racismo e a crítica que deve ser feira em face à atuação da polícia.

Esse triste acontecimento gerou uma grande onda de manifestações nos Estados Unidos, em protestos contrários ao racismo e à violência policial. Movimentos como Black Lives Matter (vidas negras importam), fundado em 2013, recebeu maior repercussão no combate a atos de violência do Estado e suas instituições contra a população negra, e na missão de erradicar a supremacia branca.

Dentro desse debate, nos deparamos no Brasil com uma realidade parecida, com críticas direcionadas à atuação da polícia militar, do judiciário e das demais instituições que, de algum modo, contribuem para esse movimento de estigmatização da população negra.

Nesse diapasão, críticas são feitas ao Governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, sobretudo com relação à sua política de segurança pública que estimula, cada vez mais, o conflito armado. O que levou à propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 594 e 635, para a avaliação do tema, que está totalmente equiparado aos casos de racismo e de violência policial à semelhança daquele que causou a morte do George Floyd.

2- ADPF 594 e 635

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 594 foi apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a 635, foi proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Em suma, ambas ações visam a questionar os atos adotados pelo Governador do Rio de Janeiro em razão da mudança na política de segurança pública do Estado.

O Governador Witzel continua atuando de forma questionável, emanando as mesmas falas irresponsáveis que afirmara durante o período das eleições. Afirmando condutas agressivas que deveriam ser acatadas pela polícia, incitando o ódio e a violência generalizada. É possível observar a gravidade desse tema ao analisar uma de suas falas públicas onde afirmou que “a polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... fogo! Para não ter erro"[1] em um exemplo lúcido de sua atuação, ao impor a violência generalizada como forma de resolução da problemática do crime organizado, o que, por outro lado, põe em risco toda a sociedade e a vida dos próprios policiais que atuam nessas organizações.

Em entrevista ao Jornal O Globo, o Governador inclusive afirmou que já havia posto em prática o uso de snipers, reiterando a sua fala transcrita anteriormente, e que não haveria divulgação desse uso. [2] O que representa uma ilegalidade gritante, de forma contrária a toda a nossa legislação em âmbito de Direito Penal e segurança pública

2.2- Da Legitima Defesa

As ilegalidades na fala do Governador se substanciam pois inexiste na legislação brasileira a permissão para que o policial possa fazer execução de algum indivíduo. A previsão expressa no nosso Código Penal diz respeito somente a sua atuação em legítima defesa, desde que se utilize de meios necessários e moderados para repelir a uma injusta agressão.

O que poderia levar o policial ao cometimento de um homicídio diante da situação fática para proteger a sua própria vida ou de outrem, o que certamente deveria ser devidamente analisado pelo Poder Judiciário de acordo com cada caso concreto para averiguação se houve ou não legitima defesa e se esta foi proporcional a injusta agressão sofrida.

Situação que é reconhecida no ramo do Direito Penal como uma Excludente de Ilicitude, onde um agente comete um crime, um fato típico, mas que por previsão legal torna-se lícito por expressa previsão legal do artigo 25 do CP, e desse modo aquele agente não seria incriminado pela aquela conduta. Segundo o Doutrinador Cleber Masson, a previsão da legitima defesa é inerente ao direito natural que todo individuo possui de se proteger quando injustamente agredido por outrem, fazendo a seguinte análise

“De fato, o Estado avocou para si a função jurisdicional, proibindo as pessoas de exercerem a autotutela, impedindo-as de fazerem justiça pelas próprias mãos. Seus agentes não podem, contudo, estar presentes simultaneamente em todos os lugares, razão pela qual o Estado autoriza os indivíduos a defenderem direitos em sua ausência, pois não seria correto deles exigir a instantânea submissão a um ato injusto para, somente depois, buscar a reparação do dano perante o Poder Judiciário.”

Logo essa atuação do policial possui respaldo na sua própria defesa, o que não permitiria o uso de snipers para o cometimento de homicídios, pois nesse caso inexistiria a injusta agressão que fundamenta o uso da legítima defesa. Esse uso de snipers somente é autorizado pela Polícia Civil e Militar quando existe o eminente risco da morte de um refém, somente nesta possibilidade. Qualquer outra opção apresentada pelo Governador com base nesse uso, torna-se totalmente ilegal, visto que mesmo se existisse pena de morte no país, esta deveria ser precedida de um devido processo legal para a apuração da infração cometida e não da forma ilegal conforme fora apresentada.

Diante disto, a legitima defesa deve ter como base a proporcionalidade, a necessidade e moderação. Em prol da segurança e incolumidade das pessoas e sobretudo em garantia ao direito a vida e garantias fundamentais que todo custodiado deve receber.

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2.3- Aumento no Número de Mortos

Essa atitude do Governador sobre as políticas públicas apresenta influência direta sobre como a Polícia Militar deve atuar e representa grandes danos para a população do Rio de Janeiro. Segundo dados coletados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), só de janeiro até abril do corrente ano, já houveram 606 mortes por intervenção de agentes do Estado.[3] Um número alarmante que está correlacionado a política apresentada pelo Governador. O que representa que 2020 já é o ano recorde de homicídios cometidos pela polícia no Rio.

 Tornando realidade as afirmações de Witzel e prol da criação de uma guerra total contra os criminosos. Essa violência longe de acabar com o tráfico armado, serve para reiterar uma guerra, “o ciclo de violência leva muitas crianças que crescem nas favelas a nutrir um ódio profundo pela polícia, um sentimento duramente refletido em pichações que pedem a morte de policiais” conforme salientou Ernesto Londoño em matéria para o The New York Times. [4]

3-Conclusão

O homicídio George Floyd representa o racismo institucional existente tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, proveniente da origem escravocrata presente nos dois países. Oque contribuiu para a criação de políticas racistas e discriminatórias, mesmo que de forma velada, para o aumentando considerável do racismo presente na sociedade até os dias atuais.

Políticas públicas para garantia do direito de igualdade e não discriminação, bem como o ensinamento com relação o combate ao racismo são medidas escassas no país, o que representa um entrave ao direito a isonomia em vista da clara segregação existente, o que representa o ato ilícito cometido diante da omissão do Estado, embora ainda existam na sociedade setores que afirmem a não existência do racismo.

Diante deste cenário, no Rio de Janeiro, o Governador Wilson Witzel com seu discurso inflamado e com a imposição de modificações nas políticas públicas de segurança do Estado, impondo o uso da força policial, inclusive mediante snipers para o cometimento de homicídios daqueles que fossem considerados “bandidos”. Como se cada policial fosse um magistrado com competência penal para analisar e sentenciar a inconstitucional pena de morte em um mesmo momento.

Sendo válido o destaque de que a atuação policial apontada pelo Governador, não é direcionada para os ditos criminosos de forma geral. E sim direcionada a um local específico: as favelas do Rio de Janeiro, onde ocorre o maior número de operações. O que põe em risco a grande parte dessa população que em sua grande maioria é formada por pessoas negras e pardas.  E é por esse motivo, que se percebe o racismo institucional, presente nessa política de segurança pública, que prende e julga de acordo com o tom da pele e pelo local de residência do acusado, e não de forma igualitária. O que leva ao fato de que a população negra é predominante nos presídios dos EUA e do Brasil, reiterando o racismo presente na sociedade.

Por isso essas atuações policiais que visam o cometimento de homicídios são inviáveis em um Estado Democrático de Direito. Independente do crime imputado, todo indivíduo possui direito a um julgamento justo de acordo com todas as garantias constitucionais e por isso foram propostas as ADPF 594 e 635. E o cometimento de homicídios pela polícia, fora das hipóteses de excludente de ilicitude constitui crime. Desse modo, todo agente do estado deve se utilizar dos meios necessários e adequados para a sua proteção e para resguardar os cidadãos, sob pena de incorrer em condenação por homicídio, ou responsabilização pelo excesso empregado para repelir a injusta agressão. E compreender que essa política de segurança pública põe em risco, além dos demais cidadãos, também a integridade desses agentes do Estado.

Referências Bibliográficas

[1]https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2018/11/01/a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo-afirma-wilson-witzel.htm

[2]https://oglobo.globo.com/rio/

snipers-ja-estao-sendo-usados-so-nao-ha-divulgacao-diz-witzel-sobre-acao-da-policia-23563388

[3] http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/RelPorArea.html

[4] https://www.nytimes.com/pt/2020/05/18/world/americas/rio-abuso-policial.html

Sobre o autor
Matheus Rodrigues dos Santos

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós-graduando em Direito Civil Constitucional (UERJ). contato:[email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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