Os filtros sociais e raciais do Judiciário e Ministério Público durante seleção de seus membros.

Até onde a alta incidência de membros brancos no Judiciário e Ministério Público do Brasil, que vivem em restrito e fechado grupo sócio-econômico, pode influenciar na qualidade e isonomia social de serviços jurídicos?

18/06/2020 às 11:08
Leia nesta página:

Racismo estruturado existe no Brasil ou só existe o preconceito social contra pobres? O que isso impacta na Justiça Brasileira?

É notório e indiscutível a forte presença do racismo estrutural e camuflado no Brasil, na minha opinião, ainda pior que aquele pregado pelos supremacistas brancos que ao menos têm a coragem de se assumirem como são, ainda que portadores de deplorável sentimento.

No Brasil, o misto de xenofobia, cooperativismo e nepotismo impera em setores chaves da República, não podendo excluir o Judiciário e Ministério Público. É patente que no Brasil, algo está muito errado nesta área.

Nossa Constituição Federal em seu texto adocicado prega em seu famoso artigo quinto:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)

Entretanto, a realidade é bem outra desde antes de 1988; recentemente recorrendo aos dados estatísticos mais recentes do CNJ; não obstante, 26 Estados com 26 Tribunais (fora o DF) e mais de 1000 faculdades de Direito no país; se pode constatar a uma carência de informações sobre a etnia dos magistrados; a pesquisa mais recente data de 2018 e aponta que apenas cerca de 16% dos magistrados brasileiros são negros; o que não é bom levando-se em consideração temerária realidade da massiva presença de componentes brancos que decidem o rumo de mais de 90% dos processos judiciais, muitas vezes, cruciais para a vida de milhões de brasileiros negros e pardos que respondem por mais de 50% da população.

Evidentemente, não se está pondo em cheque a capacidade técnica e laborativa dos juízes, desembargadores e ministros brancos dos tribunais superiores, pois decerto, se não tivessem capacidade técnica, em tese, não estariam ocupando tais cargos. Tampouco, se está defendendo a inclusão de cotas raciais para acesso a tais cargos, afinal, o negro, cientificamente comprovado, é tão capaz intelectualmente quanto um branco, o simples fatos de haverem 16% de magistrados negros é prova cabal disso.

A preocupação advém mesmo é do grau de sensibilidade social e capacidade de avaliação social e antropológica que essas autoridades têm para discernir acerca da natureza, condições e demais peculiaridades da população negra e parda e também mais pobre, independentemente de cor; muito distintas das suas.

Imagine o exemplo: um juiz branco e rico habituado desde a faculdade, a morar em condomínio fechado, viagens para o exterior, carros novos, roupas de grife e festas luxuosas, ter que julgar uma ação judicial em que litigantes negros e favelados hipossuficientes discutem a guarda e pensão a ser paga para os filhos menores do casal? Pergunta-se: o que esse juiz do exemplo, sabe sobre mercado de trabalho para negros, racismo, morar de aluguel, desemprego, andar de ônibus, repressão policial, etc.?

A questão que preocupa são os editais de certames para a contratação de tais profissionais, os quais, em regra, não exigem exames que apurem como qualificação, o grau de conscientização e engajamento social, ou mesmo, que de forma análoga à exigência de títulos para classificação do postulante ao cargo de promotor ou juiz; considere certificados válidos como pontos, a atuação e colaboração em causas humanitárias e de assistência social à população mais pobre do país por parte de entidades sérias e reconhecidas como UNICEF, Fundação Palmares, Abrinq, etc..

Não é defeito ou problema algum ser branco, rico e culto num país como o Brasil, quando se visa ser autoridade pública paga com recursos públicos. É defeito e temerário somar à isso, condutas reprováveis como xenofobismo e racismo, que na imensa maioria das vezes, infelizmente, foi ensinado em casa e desponta disfarçado e camuflado na forma de despachos e ordens discutíveis e sem embasamento jurídico. E dada a precariedade e omissão dos certames, não é filtrada, possibilitando a existência de magistrados e promotores, que independente do cargo, agem com intolerância, autoritarismo, xenofobia, racismo, assédio moral e sexual, importe ou não, a raça de suas vítimas.

É obrigação do Judiciário e Ministério Público zelarem pela isonomia na seleção de seus membros, mas também, zelar pela prevenção e descarte de membros "doentes" com racismo, xenofobia e propensos à corrupção.

Quando os magistrados e promotores, não importe a cor, terem menos "medo" de negros e pardos, e saberem diferenciar respeito de arrogância de autoritarismo, decerto, a Justiça Brasileira num todo, dará um salto de qualidade e mudará a imagem que possui perante a maioria dos advogados e jurisdicionados, marcada por indícios do favorecimento de parentes, colegas e pessoas abastadas do seu seleto grupo social.

Sobre o autor
Rodrigo Reis Ribeiro

Advogado, sócio-gerente da firma de advocacia Costa e Reis Advogados e Associados com sede em Porto Velho-RO, professor, empresário, escritor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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