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Análise de personagem: Joe Goldberg (You, 2018)

19/06/2020 às 10:30
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Análise comportamental, traumas e perfil psicológico do personagem ficcional Joe Goldberg, das duas primeiras temporadas da série "You" (Você).

Joe Goldberg (Penn Badgley), protagonista e narrador da série “You” (Você), apresenta comportamentos obsessivos e controladores com algumas mulheres, seguindo certos padrões: perseguição – em redes sociais, nas ruas, conhecendo-as de fato para agir como se fosse ideal para a vítima; o namorado perfeito –, sedução – entrando em suas vidas, tornando-se parte dela – e reação – quando algo sai de seu controle.

Na linha cronológica do Joe é identificada primeiramente sua ruptura, na qual ocorre o gatilho para suas obsessões e isolamento do que é considerado normal ética e moralmente. Foi filho único criado em uma família disfuncional, na qual o pai apresentava comportamentos abusivos contra Joe e sua mãe, e ela frequentemente o deixava em lugares públicos para sair com outros homens contando com o sigilo de Joe, que era torturado pelo pai para confessar a infidelidade da mãe. E então, com uma arma de fogo guardada no armário onde se escondia, no momento de uma das brigas motivadas pela deslealdade da mulher, Joe, com apenas nove anos de idade, cometeu seu primeiro assassinato atirando no pai para proteger sua mãe. Primeiramente com um olhar reprovador, atenuando-se logo depois, sua mãe diz que ele é um bom garoto e que nunca machucaria alguém. A dor da separação é representada em um momento posterior, no qual sua mãe o entrega a um internato de garotos alegando que estar com ela não era o melhor para ele.

Aos quinze anos foi amparado pelo Sr. Mooney (Mark Blum), um guarda soviético aposentado que na época era dono de uma livraria, na qual Joe começou a trabalhar. Mooney cuidou dele e o ensinou muito do que ele sabe, como restaurar e conservar os livros e cuidar da livraria. Mas, ao mesmo tempo, era abusivo e agressivo com Joe, ao ponto que, para moldá-lo da forma que queria, chegava a trancá-lo numa jaula de vidro, a qual posteriormente seria projetada no imaginário do Joe como forma de conter suas vítimas.

O que foi apresentado até agora são apenas eventos passados, que evidenciam seu sofrimento, seus traumas, dores, e basicamente tudo que desencadeou o comportamento narcisista, obsessivo e controlador, manifestado no desespero – devidamente controlado – por um amor que o aceite como é, que o permita manipular – ou, como ele diz, proteger – cada aspecto de sua vida.

Até onde se sabe, sua primeira vítima, na qual se definiu o modus operandi perseguição-sedução-reação, foi Candace Stone (Ambyr Childers), musicista, desaparecida sem deixar rastros. Apesar de não serem dados muitos detalhes de como era relação entre eles antes, fica fácil deduzir que Joe a perseguiu em redes sociais e controlou seus aparelhos; é sabido que Candace traiu Joe com um produtor musical e mais tarde, após ser descoberta, pôs fim ao relacionamento, dizendo que nunca o amou. Joe, tentando restaurar o que fora perdido, sequestrou-a e a levou para um lugar remoto, na qual ele tenta convencê-la que eles devem continuar. Quando Candace corre, fugindo, Joe a alcança e, violentamente, bate sua cabeça no chão, deixando-a desacordada. Acreditando que a matou, ele a enterra viva e constrói uma história que apague seus feitos.

Não muito tempo depois, Guinevere Beck (Elizabeth Lail), escritora, entra na livraria do Joe e conquista sua atenção. O sentimento de interesse é mútuo, porém o de Joe é mais sombrio. Tomando vantagem de vários acontecimentos, Joe consegue ter acesso a seu aparelho celular, seu computador, sua rotina e pessoas com quem convive e, a partir disso, molda seu novo perfil: amante de livros e romântico à moda antiga. Ele se aproxima de forma aparentemente casual e começa a construir sua relação entre ele, Beck e as amigas dela, deixando transparecer que ele é o namorado perfeito para ela. Mas Beck era complicada, e tinha relacionamentos complicados, a começar por Benji (Lou Taylor Pucci): um “namorado” casual e a primeira reação a algo que, por enquanto, estava fora do controle do Joe. Essa é a primeira vez que a série apresenta a jaula de vidro como uma prisão feita para controlar as pessoas. Benji eventualmente é morto e Joe faz parecer, nas redes sociais, que ele está apenas viajando; sendo essa uma das formas que ele encontrou para distanciar e anular o interesse que Beck ainda sentia. Supostamente ela seria apenas dele agora.

A segunda reação foi contra uma das amigas de Beck, Peach Salinger (Shay Mitchell), a qual possuía sentimentos por Beck, exprimidos de forma obsessiva, manipuladora e controladora, frequentemente sabotando e desencorajando o trabalho de Beck, e ao mesmo tempo desconfiando das intenções de Joe. No confronto entre Peach e Joe ela atira nele e ele se defende, fatalmente. Beck fica especialmente fragilizada após o suicídio – como Joe fez parecer – da melhor amiga e procura ajuda na terapia. É quando a bola de neve de ciúmes aumenta criticamente, e Joe começa a desconfiar do relacionamento entre Beck e seu terapeuta. Ele cria um novo papel para interpretar na terapia, a fim de conhecer melhor seu atual empecilho, o Dr. Nicky (John Stamos). Simultaneamente, Beck encontra a “caixa de recordações” com espólios das vítimas de Joe: celulares, roupas íntimas, entre outros, incluindo pertences dela.

Beck, aterrorizada, não o aceita, e esta é a terceira reação defensiva do Joe. Ele novamente reagiu ao amor não correspondido diante do seu poder, mas precisava tentar reparar o afeto entre eles. Com Beck presa na jaula de vidro muitas verdades vieram à tona, como a descoberta de que a relação entre sua amada e o terapeuta realmente era mais que psicólogo-paciente e ela o estava, sim, traindo. Enquanto estava presa, pensando em formas de convencer Joe a soltá-la, Beck escreveu sobre como o psicótico Dr. Nicky a fez refém em uma jaula de vidro, pois esse seria o álibi para Joe. Mas ela tentou escapar novamente e, na mente controladora dele, não havia alternativa exceto eliminar essa complicação. De qualquer forma, sua defesa já estava escrita.

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No início Joe fantasiava sobre Beck, observava e controlava seus encontros, suas conversas, seus trabalhos. O sofrimento que o segue desde a infância, quando sua mãe – seu lar – o deixou no internato por causa de um relacionamento abusivo, reflete-se na sua própria busca por amor, que acaba se tornando abusiva para quem ele escolhe amar. Joe obsessivamente procura mulheres que possam suprir sua necessidade de amor, ou de sua ideia de amor, e tenta com todos os meios necessários concretizar esse sentimento.

Joe abandonou tudo em Nova Iorque para recomeçar, prometendo a si mesmo que dessa vez não iria se apaixonar e não haveria obsessões; mas ele conhece Love Quinn (Victoria Pedretti), gerente de produção, independente, habilidosa cozinheira e viúva, acaba fazendo com que Joe se apaixone e aceite construir um relacionamento com ela. Joe realmente tentou ser melhor: evitou fantasiar sobre Love, não a seguia constantemente ou tinha acesso a seus meios de comunicação, também não matou o irmão dela quando sentiu vontade por que sabia que ele significava muito para Love – o que pode ser uma demonstração de empatia. Mas, numa virada de eventos, Love se revela tão mentalmente perturbada quanto Joe. Assim como ele, buscava o que fora desaparecido, a resolução de uma situação inacabada: uma família. Mas ele só queria alguém que o aceitasse, não alguém que fosse como ele. Quando Love conta que está grávida coloca tudo em perspectiva, pois Joe não quer que sua filha cresça com um péssimo exemplo de paternidade como aconteceu com ele.

Paralelamente a toda a história, ainda sobre a falta da paternidade e o impacto causado nele, é identificável uma projeção do Joe aos nove anos, quando se sentia inseguro e sem poder, representada por Paco, seu vizinho na segunda temporada, vítima de um ambiente familiar abusivo assim como acontecia com Joe; e Ellie, vizinha na segunda temporada, que também precisava de proteção por ser alvo de um comediante famoso que assediava menores de idade. Joe sempre agiu empaticamente, os ajudou quando possível e eliminou as duas ameaças – o padrasto agressivo e o comediante molestador.

Algumas pesquisas de nomes como Pamela Rutlege, Kelly Scott, Nacional Institutes of Health (parte do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA) e Ramani Durvasula indicam que Joe talvez não sofra realmente com psicopatia, visto que é um termo muito usado para descrever, no geral, uma pessoa à qual o comportamento vai contra as normas convencionais do certo e errado. É apontado que Joe apresenta características de transtorno de personalidade narcisista, distúrbio de apego relacionado a trauma na infância ou transtorno de personalidade antissocial.

Porém, de qualquer forma, levando em consideração que Joe Goldberg é um personagem construído para ficção, não é possível que seja diagnosticado precisamente. Ele apresenta, sim, características de psicopatia, tanto nos traumas do passado quanto nas ações decorrentes no presente. Assim como é possível observar elementos obsessivo compulsivos, narcisistas – no carisma ao se livrar dos problemas e convencer o telespectador –, no apego incessável ao sentimento que não pode ter na infância ou na empatia mostrada em algumas cenas.


Referências

INSIDER INC. “You” Fans Think Joe Is A Psycopath, But Mental Health Experts Say They´re Wrong. New York City, 2020. Disponível em: <https://www.insider.com/is-joe-from-you-psychopath-mental-health-experts-say-no-2020-1>. Acesso em: 15 fev. 2020.

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