1. Introdução
O objetivo desse trabalho é demonstrar o avanço pretendido pela Lei nº 12.441/11, no tocante a desnecessidade de pluralidade de sócios para constituição de uma empresa, colocando fim à figura do sócio de fachada. Trata da questão da separação dos patrimônios pessoal e empresarial, mantido o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, em caso de abuso ou desvio de finalidade, ou mesmo pela ocorrência de confusão patrimonial.
Também, aborda alguns aspectos considerados retrocesso, discutidos na ADI 4637, questionados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que foram rebatidos pela Procuradoria Geral da União, Advocacia Geral da República, Ministério Público e encontram-se em vigor, como a imposição de um limite mínimo do capital social a ser integralizado, novidade que veio na contramão dos apelos dos micro e pequenos empreendedores, pois restringe o acesso a formalização de sua atividade. Discute a vedação da participação do sócio de uma EIRELI em outras empresas de mesma modalidade societária, ou seja, outra EIRELI, o que diminui a abrangência da modalidade. Aborda a questão da vinculação do salário mínimo ao estipular o capital social a ser integralizado, dentre outros. Foram utilizadas, para o desenvolvimento do trabalho, referências legislativas, principalmente a Constituição Federal Brasileira, o Código Civil Brasileiro, pareceres, bem como doutrinas especializadas.
A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), instituída pela Lei nº 12.441/11, publicada em 12 de julho desse ano e que entrou em vigor em 09 de janeiro de 2012, é aquela cujo capital social é de titularidade de apenas uma única pessoa. O empresário não responde com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa devido à autonomia patrimonial desta, evidenciando a responsabilidade limitada daquele que constitui uma EIRELI.
A Lei nº 12.441/11 promoveu mudanças no Código Civil através da modificação do art. 44 adicionando o inciso VI sobre a inclusão da empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI - como espécie do gênero das pessoas jurídicas de direito privado. Também incluiu o art. 980-A que regulamenta a EIRELI e alterou o parágrafo único do art. 1.033 para definir a exceção à dissolução da sociedade em virtude da ausência da pluralidade de sócios, permitindo ao sócio remanescente converter a sociedade existente em empresário individual ou empresa individual de responsabilidade limitada.
Redação do Artigo 44 do Código Civil com inclusão do inciso VI pela Lei nº 12.441/2011:
“São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações.
II - as sociedades.
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas.
V - os partidos políticos.
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.”
Além de possuir apenas um único sócio a constituição de uma empresa individual de responsabilidade limitada deve observar outros três requisitos que foram estabelecidos pelo novo artigo 980-A do Código Civil: o limite mínimo para o capital social a ser integralizado deve ser de 100 salários mínimos; deve ser incluída a expressão “EIRELI” ao nome empresarial; é vedada a participação do sócio de uma EIRELI em outras empresas de mesma modalidade societária (EIRELI) porém não é limitada sua participação em outras empresas individuais ou de outras espécies.
Apesar de ser uma pessoa jurídica, a EIRELI não é uma sociedade empresária, mas sim uma forma diferenciada de constituição de empresário individual que, ao contrário daquela, é pessoa natural. Note-se que a EIRELI também pode se beneficiar do regime tributário das microempresas (ME), do SIMPLES e das empresas de pequeno porte (EPP), bastando que se enquadre como uma delas conforme artigo 3º da lei complementar nº 123/2006, alterado pela lei complementar nº 139/2011. Estas são classificações para fins tributários e não se tratam de modalidades de sociedades empresárias.
A empresa individual de responsabilidade limitada, além dos quatro requisitos estabelecidos pelo art. 980-A do Código Civil, observará, como expressado em seu parágrafo 6º, no que couber, as normas gerais aplicáveis às sociedades limitadas (artigos 966 a 1.195 do Código Civil) inclusive estará também sujeita à desconsideração da personalidade jurídica, atingindo o patrimônio do empresário nas hipóteses previstas no artigo 50 do Código Civil. No ensejo, convém afirmar que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem sido usado muitas vezes de forma excessiva, expondo o patrimônio pessoal dos empresários inadequadamente em especial na Justiça Trabalhista.
2. O contexto do surgimento da Lei nº 12.441/2011
Breve Histórico
Até a promulgação da Lei nº 12.441/2011 a classe empresarial almejava a possibilidade de exercer de forma individual a atividade comercial com limitação de responsabilidade. Esta limitação somente era possível nas sociedades empresariais constituídas pela pluralidade de sócios, o que deu origem às conhecidas sociedades de fachada, fictícias, onde um destes geralmente figurava no contrato social com percentual simbólico das cotas do capital social a fim de caracterizar a pluralidade de pessoas sem que os sócios quisessem exercer coletivamente a atividade empresarial mas que por fim a atividade era exercida por apenas um dos sócios. Tal arranjo era desenhado para que se pudesse gozar dos benefícios legais da limitação de responsabilidade.
Desnecessário dizer sobre os riscos envolvidos nesta operação de inclusão de um sócio fictício para permitir a criação de uma sociedade limitada e garantir, assim, uma proteção para o patrimônio particular do sócio de fato contra os riscos do negócio. Não raras as vezes em que os problemas com o sócio figurante - fraudes e irregularidades - sobrepujavam a proteção alcançada para o patrimônio pessoal.
Neste cenário o empresário individual não possuía personalidade jurídica, ele exercia sua atividade empresarial como pessoa natural e assim não era possível a diferenciação do seu patrimônio pessoal do patrimônio da sua empresa. Dessa forma era necessário que sua responsabilidade fosse ilimitada, ou seja, as dívidas empresariais incidindo sobre a totalidade de seu patrimônio. Com a EIRELI foi possível a separação destes patrimônios, pois com sua criação surge a diferenciação entre a pessoa natural do empresário e a pessoa jurídica da empresa.
Anteriormente, na ocorrência da falta da pluralidade de sócios, seja por falecimento de um deles ou por outro motivo, o sócio remanescente dispunha de apenas 180 dias, conforme o art. 1.033, inciso IV, do Código Civil, para encontrar novo sócio e restaurar a pluralidade sob pena de extinção da sociedade. O aspecto positivo da nova lei nº 12.441/2011 é que, neste caso, a sociedade limitada poderá ser transformada em uma EIRELI como disposto no parágrafo 3º do artigo 890-A do Código Civil.
Devemos salientar também aqueles que não optaram por tornarem-se empresários individuais ilimitadamente responsáveis, nem por contrair sociedade de fachada, e preferiram o caminho da informalidade. O legislador buscou também regularizar a situação do empresário individual que exerce suas atividades empresariais à margem da lei pelos motivos expostos.
3. Debates que precederam a Lei 12.441/2011
Sócio de Fachada
Patrimônio Pessoal e Social
Por vários anos, desde a década de 80 discutia-se a necessidade de se criar a modalidade de sociedade composta por uma única pessoa, a sociedade unipessoal. Acreditava-se que essa demanda seria atendida com o estatuto da microempresa que era amplamente debatido na época, mas essa regulação não foi tratada na ocasião. Durante os anos 90, a Comunidade Europeia uniformizou as regras sobre sociedades pessoais em toda a Europa. Novamente, no Brasil, aventou-se a possibilidade de incluir o assunto no Código Civil de 2002 porém prevaleceu o instituto da pessoa jurídica constituída por dois ou mais sócios como a única forma de o empresário limitar sua responsabilidade em relação às obrigações assumidas pela pessoa jurídica. Era notório que muitos empreendedores utilizavam-se da figura de um sócio de fachada, com ínfima participação nas cotas do capital social, unicamente para que não fosse necessário colocar em risco a totalidade de seu patrimônio pessoal, vez que somente as sociedades compostas é que gozavam da separação patrimonial entre pessoa jurídica e o sócio.
Mais uma vez, então, com a promulgação do estatuto da micro empresa (Lei Complementar 123/2006) a regulação da sociedade individual ficou de fora.
Foi o Projeto de Lei 4.605/2009 que motivou a criação dessa nova modalidade societária ao introduzir o conceito da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRL, como foi então denominada). O Projeto de Lei 4.605/2009 de autoria do Deputado Federal Marcos Montes representou grande avanço para proporcionar condições mais favoráveis ao exercício da atividade para o micro e pequeno empresário pois tinha como objetivo atender a necessidade de regulamentar a sociedade constituída por uma única pessoa.
Após dois anos de trâmite moroso entre as casas legislativas, o projeto foi aprovado na câmara dos deputados, recebeu o número 18/2011 no Senado Federal e foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Depois da aprovação pelo Congresso Nacional, o projeto foi sancionado pela presidência da República em 12 de julho de 2011.
4. Formação do Nome Empresarial
Conforme dispõe o artigo 1.155 do CC, atualmente o nome empresarial pode ser formado por duas espécies: firma ou denominação. A formação do nome empresarial da EIRELI poderá ocorrer como firma ou denominação, sendo que se deve acrescer a sigla EIRELI, nos termos do parágrafo 1º do artigo 980-A do Código Civil.
Assim, a EIRELI poderá adotar qualquer um dos tipos previstos para formação do nome empresarial, apenas acrescendo a expressão “EIRELI” ao final da firma ou da denominação, que obedecerá as regras aplicáveis a uma ou outra previstas nos artigos 1.155 e seguintes do Código Civil.
5. Vantagens da EIRELI
Limitação da Responsabilidade
Desconsideração da Personalidade Jurídica
ADI 4637
Destacamos que a maior vantagem obtida com a criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI - é a possibilidade do exercício individual de empresário como pessoa jurídica com responsabilidade limitada, tornando possível a separação entre o patrimônio da empresa e o patrimônio pessoal do empresário, diferentemente do que ocorre com o empresário individual tradicional onde, por não possuir personalidade jurídica, sua atividade comercial é exercida como pessoa natural e não há distinção entre os patrimônios pessoal e empresarial.
De acordo com Frederico Garcia Pinheiro, Empresa individual de responsabilidade limitada, 2011:
“Essa limitação da responsabilidade é possibilitada pela separação ou afetação do patrimônio relacionado à referida pessoa jurídica, que com a criação desta não mais será confundido com o patrimônio próprio da pessoa criadora. A criação da pessoa jurídica, automaticamente, promove a separação dos patrimônios. Ao contrário do vetado art. 69 da Lei Complementar 123/2006, que tentou instituir a figura do “empreendedor individual de responsabilidade limitada”, mas sem lhe atribuir personalidade jurídica, o art. 980-A do Código Civil é louvável porque torna mais fácil a identificação de qual o patrimônio afetado à empresa, já que deverá estar vinculado a pessoa jurídica distinta e autônoma.”
Pinheiro salienta que o parágrafo 5º do artigo 980-A do Código Civil “autoriza a constituição de EIRELI para a prestação de serviços que envolvam a exploração da rentabilidade de direitos autorais, regulados pela Lei 9.610/1998, cedidos ou que sejam do próprio autor-instituidor”. Segue o texto:
Artigo 980-A, parágrafo 5º, do Código Civil “Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional”.
Pinheiro prossegue afirmando que “é totalmente criticável a autorização específica contida no § 5º do art. 980-A, porque sem sentido prático, haja vista que já existente em termos genéricos no parágrafo único do art. 966, também do Código Civil. É que o parágrafo único do art. 966 do Código Civil, a princípio, exclui as atividades intelectuais, que podem ser de natureza científica, artística ou literária, do regime do Direito de Empresa. Porém, o mesmo dispositivo autoriza a submissão ao Direito de Empresa quando tais atividades intelectuais forem exercidas como “elemento de empresa””. Para tanto cita o artigo 966 do Código Civil:
Código Civil Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Por fim Pinheiro conclui:
““Independentemente da caracterização fática do “elemento de empresa”, é interessante notar que basta a mera declaração de que a atividade intelectual é exercida com esses contornos para sujeitá-la ao regime do Direito de Empresa. Nesse exato sentido, o Enunciado 54 das Jornadas de Direito Civil, organizadas pelo Conselho da Justiça Federal, dispõe que: “É caracterizador do elemento empresa a declaração da atividade-fim, assim como a prática de atos empresariais”.”
“Portanto, quem exerce atividade intelectual, seja de natureza científica, artística ou literária, incluindo atividades relacionadas à exploração econômica de direitos autorais regulados pela Lei 9.610/1998, pode se registrar na Junta Comercial como empresário individual, sociedade empresária ou EIRELI, independentemente da demonstração da efetiva existência do “elemento de empresa”. A única exceção feita a essa regra é quanto ao exercício da advocacia, em razão da vedação legal extraída de diversos dispositivos da Lei 8.906/1994 (Estatuto de Advocacia da OAB). Assim, afigura-se totalmente inócua a autorização do § 5º do art. 980-A do Código Civil.”
“Na prática, à exceção do advogado, o profissional liberal que exerce atividade intelectual (de natureza científica, artística ou literária) poderá optar pela afetação patrimonial mediante a criação de pessoa jurídica autônoma, da espécie EIRELI.”
Originalmente a Lei 11.441/2011 previa a inclusão do parágrafo 4º do artigo 980-A do Código Civil:
“Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.”
Este parágrafo foi vetado pela presidência da República após a manifestação do Ministério do Trabalho e Emprego ter alegado que a expressão “em qualquer situação” poderia “gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil” mencionando que “por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio".
Note-se que este artigo imprimia o caráter limitado à responsabilidade daquele que constitui uma empresa individual de responsabilidade limitada, evidenciando a sua autonomia patrimonial.
O termo “em qualquer situação”, conforme o parecer do Ministério do Trabalho e Emprego,podia ampliar muito as garantias da EIRELI quanto à limitação de sua responsabilidade. E isso a consideraria como exceção frente às demais modalidades empresariais quanto ao alcance do patrimônio da pessoa natural proprietária da EIRELI nos casos de desconsideração da personalidade jurídica. E foi decisivo para a aplicação do veto presidencial.
A desconsideração da personalidade jurídica, conforme descrita no artigo 50 do Código Civil prevê os casos de abuso da personalidade jurídica, evidenciado pelo desvio de finalidade, ou pela ocorrência de confusão patrimonial. Na eventualidade destes casos, o instrumento faculta ao juiz que os bens pessoais dos sócios da pessoa jurídica respondam pelas obrigações da empresa.
Artigo 50 do Código Civil. “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
O parágrafo 4º, vetado pela Presidência da República, expressava justamente o estabelecimento da responsabilidade limitada da EIRELI. Com sua supressão, o Código Civil ficou sem um dispositivo expresso específico que estabelecesse a responsabilidade limitada da EIRELI. No entanto, essa ausência pode ser suprida através da sujeição da empresa individual de responsabilidade limitada às disposições cabíveis às sociedades limitadas, conforme disposto no parágrafo 6º do artigo 980-A do Código Civil.
6. Como Fica o Registro de EIRELI
Não propriamente um ponto negativo, porém uma limitação da empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI - trazida pela Lei 12.441/2011 é o fato da pessoa natural que a constituir somente poder figurar em uma única empresa dessa modalidade. Isto diminui a abrangência da modalidade.
Também nesse sentido o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) editou as Instruções Normativas números 116, 117, 118 de 22 de novembro de 2011.
A Instrução Normativa 116, entre outras coisas, dispõe sobre a nomenclatura “EIRELI” a ser incluída ao nome empresarial. A IN 117 gerou certa polêmica por estabelecer a vedação à permanência e constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Lei 12.441/2011 não menciona tal vedação e, além disso, antes de sua promulgação, teve seu texto modificado para suprimir a expressão “pessoa natural” deixando óbvia abertura do legislador à possibilidade de sua constituição por pessoa jurídica. Portanto, conforme a IN DNRC nº 117/11, as Juntas Comerciais não permitem o registro de EIRELI cujo titular seja pessoa jurídica.
A IN 118 trata da possibilidade de transformação de registro de empresário individual em sociedade empresária, contratual, ou empresa individual de responsabilidade limitada, excluindo da abrangência da Lei 12.441/2011 as sociedades por ações e sociedades simples.
7. ADI 4637/2011
Tratando ainda de suas limitações, é inegável considerar que a principal delas é a exigência de capital social mínimo de 100 vezes o salário mínimo vigente no país, imposta pelo caput do artigo 980-A do Código Civil. Esse dispositivo se apresenta em oposição ao intuito de promover uma diminuição da informalidade na classe empresarial, um dos principais objetivos da EIRELI, pois restringe o acesso de pequenos empreendedores a essa modalidade empresarial. Entende-se que tal exigência busca dar proteção ao credor da EIRELI, definindo um piso para o capital social justamente por causa da limitação da responsabilidade de seu proprietário. Porém canaliza para a utilização desta modalidade aquelas atividades que se situam no estrato mais privilegiado economicamente, deixando de fora aquelas do pequeno ou microempresário que poderiam ser beneficiadas.
Opina nesse sentido Paulo Roberto Bastos Pedro, Curso de Direito Empresarial (2011):
“A princípio, entendemos ter a legislação aspectos inconstitucionais, no que se refere à fixação de valor do capital social do empresário, pois trata o empresário individual com responsabilidade limitada de maneira diferente dos demais empresários que, de modo livre, fixam o valor do capital social. Temos que o valor do capital [...] consiste no montante de recursos necessários para o início e também exercício de atividade empresarial. Sendo assim, o próprio empresário é que saberá o seu verdadeiro e mais adequado valor, não podendo o Estado determinar um valor para este capital.”
A Lei 12.441/11, especificamente quanto a esta exigência dos 100 salários mínimos como piso para o capital social da EIRELI, foi alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), de número 4637, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS). Nessa ADI foi exposta a contradição entre a Lei 12.441/2011 e o princípio constitucional da livre iniciativa garantido pelo artigo 1º, inc. IV e artigo 170, caput da Constituição Federal.
Segundo a ADI nº 4637, piso de 100 salários mínimos para a abertura desse tipo de empresa impediria “a eventual constituição de pessoas jurídicas individuais de responsabilidade limitada por pequenos empreendedores, causando desnecessário embaraço a uma efetiva oportunidade de desenvolvimento econômico do país”.
A nova norma foi editada com a “finalidade de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país, retirando o micro e o pequeno empreendedor do submundo da informalidade”, porém, “acabou impondo uma limitação que não é apenas inconstitucional, mas também “incompreensível””.
Outra inconstitucionalidade apontada na Ação Direta de Inconstitucionalidade é a proibição da vinculação do salário mínimo para qualquer fim, disposta no artigo 7º, inciso IV da Constituição Federal.
Na referida ADI alegou-se que “o salário mínimo não pode ser utilizado como critério de indexação para a determinação do capital mínimo necessário para a abertura de empresas individuais de responsabilidade limitada” pois “tal exigência esbarra na notória vedação de vinculação do salário mínimo para qualquer fim, prevista no inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal”.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer pela improcedência da ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 4637) proposta pelo Partido Popular Socialista, manifestando-se no sentido de que norma (Lei 12.441/2011) não viola o inciso IV do artigo 7º porquanto menciona apenas vedação no que tange a vinculação do salário mínimo como indexador, no entendimento que não fere a Constituição.
Nesse mister, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal já havia se manifestado, sobre o mesmo tema do uso do salário mínimo como referência, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3934, cujo Relator figurava o Ministro Ricardo Lewandowski, no Tribunal Pleno, julgado em 27 de maio de 2009, de que a CRFB/88 veda a vinculação ao salário mínimo como indexador de prestações periódicas, e não como parâmetro de indenizações ou condenações.
Tampouco quanto ao princípio da livre iniciativa, em nada o fere, tendo em vista que “os requisitos são forma de garantia ao princípio da segurança jurídica, impedindo que surjam empresas fictícias, e ainda, que deve haver um patrimônio como garantia”.
A Vice Procuradora Geral da República, Deborah Duprat, que também assina o parecer, explica que “o requisito relativo ao montante de capital social integralizado atende ao princípio da segurança jurídica, na medida em que impede o nascimento de sociedades fictícias e deixa claro para as pessoas que transacionam com esse modelo de empresa que há um patrimônio a suportá-la”.
A Advocacia Geral da União (AGU) também se manifestou pela improcedência da ADI nº 4637/2011, devendo ser, segundo seu parecer, declarada a constitucionalidade da expressão "que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País", constante da parte final do caput do artigo 980-A do Código Civil, concluindo que "o princípio da livre iniciativa não se confunde com liberdade absoluta, de modo que não afronta o Texto Constitucional a imposição, mediante lei federal, de requisitos a serem observados na constituição de empresas, tais como a fixação de um capital social mínimo a ser integralizado". Alegou também que o empresário individual de responsabilidade limitada "não responde pelas dívidas e obrigações da empresa com seu patrimônio pessoal, restando sua responsabilidade restrita ao capital social (...), revela-se adequada a fixação de um capital social mínimo para a constituição dessa espécie de empresa, a fim de reduzir os riscos suportados pelas pessoas que com ela mantenham relações comerciais".
A respeito da vedação constitucional relativa ao uso do salário mínimo como indexador, a AGU aponta a existência de outras previsões legais que utilizam o salário mínimo meramente como referência constatando que existe compatibilidade com o disposto no artigo 7º, inciso IV da Constituição Federal.
Alguns doutrinadores oferecem alternativas que teriam atingido os objetivos da Lei 12.441/2011 sem a necessidade da criação de uma nova modalidade societária. Segundo André Luiz Santa Cruz Ramos - Direito Empresarial Esquematizado (2012):
“...o legislador deveria ter optado por duas figuras jurídicas: (i) empresário individual de responsabilidade limitada ou (ii) sociedade limitada unipessoal.
No primeiro caso, o empresário individual, pessoa física, ao iniciar o exercício de uma atividade empresarial, constituiria para tanto um patrimônio de afetação, que não se confundiria com seu patrimônio pessoal, e o registraria na Junta Comercial. Assim, as dívidas que contraísse em função do exercício de sua atividade empresarial, em princípio, não poderiam ser executadas no seu patrimônio pessoal.
No segundo caso, seria suprimida a exigência de pluralidade de sócios para a constituição de sociedade limitada, o que permitiria que uma pessoa, sozinha, fosse titular de 100% das quotas do seu capital social. Assim, o patrimônio social não se confundiria com o patrimônio pessoal do sócio, o qual não poderia, em princípio, ser executado para garantia de dívidas sociais.
Em ambos os casos, o objetivo seria o mesmo: permitir que um determinado empreendedor, individualmente, exercesse atividade empresarial limitando sua responsabilidade, em princípio, ao capital investido no empreendimento, ficando os seus bens particulares resguardados. Isso funcionaria como um estímulo ao empreendedorismo e acabaria com a prática, tão comum no Brasil, de constituição de sociedades limitadas em que um dos sócios tem percentual ínfimo do capital social (geralmente 1%) e nenhuma participação na gestão dos negócios sociais.”
Conclui André Luiz Santa Cruz Ramos afirmando que “vale frisar que em ambos os casos seria possível a execução dos bens pessoais do empreendedor que utilizasse qualquer uma dessas figuras jurídicas.” Através do dispositivo previsto no artigo 50 do Código Civil, fazendo uso da desconsideração da personalidade jurídica “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”, o juiz poderia determinar que a execução alcançasse o patrimônio pessoal do empresário individual de responsabilidade limitada ou do sócio da sociedade limitada unipessoal.
8. Considerações Finais
Como vimos, EIRELI é uma pessoa jurídica unipessoal, com capital social de no mínimo cem salários mínimos vigentes do país, integralizados no ato da constituição. O nome empresarial poderá ser firma ou denominação, devendo se acrescentar a sigla EIRELI ao final do nome. A responsabilidade da EIRELI se equipara a da sociedade limitada, sendo que as obrigações do titular da empresa se limitam ao seu patrimônio constituído. Somente em casos excepcionais é que a responsabilidade se estenderá ao patrimônio pessoal do empresário.
Apesar de haver entendimento contrário, vários estudiosos e doutrinadores, incluindo os representantes da Advocacia Geral da União e do Ministério Público Federal que apresentaram parecer na ADI 4637/2011, processo 9953198-93.2011.1.00.0000, que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal, têm o entendimento de que a limitação em cem salários mínimos para constituição da EIRELI visa garantir a segurança do negócio jurídico, e que não há violação do princípio da livre iniciativa, podendo o Estado limitar a liberdade empresarial.
9. Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 53. ed. Saraiva, 2012.
Código Civil Brasileiro – Lei nº 10.406/2002.
Lei nº 12.441 de 11 de julho de 2011.
MONTES, Marcos. Projeto de Lei nº 4.605/2009.
PEDRO, Paulo Roberto Bastos. Curso de Direito Empresarial. São Paulo. REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2011.
PINHEIRO, Frederico Garcia. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, 2011.
PPS – Partido Popular Socialista, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), nº 4637, 2012.
Advocacia Geral da República – parecer sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4637, 2012.
Procuradoria Geral da República – parecer sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4637, 2012.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2012.