Terceiro Setor no âmbito do direito administrativo

23/06/2020 às 16:14
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Este artigo visa, de maneira sucinta, apresentar um panorama geral acerca do Terceiro Setor no âmbito do direito administrativo, apresentando conceitos doutrinários, bem como demonstrando quais as entidades que fazem parte deste setor e como funcionam.

O Terceiro Setor no direito administrativo é um tema que suporta grande variação de entendimentos e interpretações, é um campo e um conceito relativamente recentes, razão pela qual há muita divergência doutrinária e inúmeras discussões. Inclusive, existem doutrinas renomadas que sequer trazem a denominação, como a de Hely Lopes Meirelles, por exemplo.

Para grande parte dos doutrinadores do direito administrativo, o Terceiro Setor é formado por pessoas jurídicas de direito privado, que não compõem a administração pública, que não buscam fins lucrativos, e que colaboram com o Estado, prestando serviços públicos, pelo que podem receber incentivos.

É chamado Terceiro Setor, pois nesta divisão o Estado é apontado como o primeiro setor e o mercado é considerado o segundo setor.

Assim elucida Alexandre Mazza:

O nome “terceiro setor” designa atividades que não são, nem governamentais (primeiro setor), nem empresariais e econômicas (segundo setor). Desse modo, o terceiro setor é composto por entidades privadas da sociedade civil que exercem atividades de interesse público sem finalidade lucrativa.

O regime jurídico aplicável a tais entidades é predominantemente privado, parcialmente derrogado por normas de Direito Público. (2012).

José dos Santos Carvalho Filho também conceitua o Terceiro Setor, pontuando um certo hibridismo desses entes:

Referidas entidades que, sem dúvida, se apresentam com certo hibridismo, na medida em que, sendo privadas, desempenham função pública, têm sido denominadas de entidades do terceiro setor, a indicar que não se trata nem dos entes federativos nem das pessoas que executam a administração indireta e descentralizada daqueles, mas simplesmente compõem um tertium genus, ou seja, um agrupamento de entidades responsáveis pelo desenvolvimento de novas formas de prestação dos serviços públicos.

Em última análise, o terceiro setor resulta de iniciativas da sociedade civil, através de pessoas de atuação voluntária, associações e organizações não governamentais, para a execução de funções eminentemente sociais, sem alvejar resultados lucrativos, como as pessoas empresariais em geral. (2010)

Também Maria da Glória Marcondes Gohn examina a heterogeneidade presente entre essas entidades:

O terceiro setor é um tipo de ‘Frankenstein’: grande, heterogêneo, construído de pedaços, desajeitado, com múltiplas facetas. É contraditório, pois inclui tanto entidades progressistas como conservadoras. Abrange programas e projetos sociais que objetivam tanto a emancipação dos setores populares e a construção de uma sociedade mais justa, igualitária, com justiça social, como programas meramente assistenciais, compensatórios, estruturados segundo ações estratégico-racionais, pautadas pela lógica de mercado. Um ponto em comum: todos falam em nome da cidadania. (2000).

Rodrigo Mendes Pereira apresenta o Terceiro Setor com enfoque no objetivo das instituições:

Terceiro Setor é o espaço ocupado pelas organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos ou econômicos, de interesse social, e que não possuem finalidade, natureza ou legislação específicas; assim como pelos projetos, ações e atividades de interesse social desenvolvidos por indivíduos, empresas e governo, normalmente por meio de grupos, movimentos ou alianças (parcerias) intersetoriais, com o objetivo de fomentar, apoiar ou complementar a atuação das organizações formalmente constituídas e acima caracterizadas.

Fazem parte do terceiro setor os serviços sociais autônomos, as fundações de apoio, as organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP).

Serviços Sociais Autônomos são pessoas jurídicas de direito privado, não visam lucro, tem fins assistenciais ou de ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, são mantidas por dotação orçamentárias ou por contribuições parafiscais.

Esclarece-se que há ainda muita divergência entre os doutrinadores acerca da classificação das sociedades sociais autônomas como pertencentes ao Terceiro Setor, uma vez que frequentemente é classificada como entidade paraestatal, entes de cooperação governamental, entre outros.

É importante frisar que ao receberem recursos públicos, estes entes são fiscalizados pelos Tribunais de Contas, tem obrigação de realizar licitação e seus servidores são equiparados a servidores públicos para fins de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa e do Código Penal.

Neste sentido, o Ilustre Hely Lopes Meirelles esclarece:

Assim, os serviços sociais autônomos, como entes de cooperação, vicejam ao lado do Estado e sob seu amparo, mas sem subordinação hierárquica a qualquer autoridade pública, ficando apenas vinculados ao órgão estatal mais relacionado com suas atividades, para fins de controle finalístico e prestação de contas dos dinheiros públicos recebidos para sua manutenção (Lei 2.613/55, arts. 11 e 13; Dec.-lei 200/67, art. 183; Decs. 74.000/74 e 74.296/74; CF, art. 70, parágrafo único). Esse controle finalístico também é exercido pelo TCU (RE 789.974, com repercussão geral). (2016)

As Fundações de Apoio são pessoas jurídicas de direito privado, também não visam lucro, e destinam-se a colaborar com instituições de ensino e pesquisa.

É importante esclarecer que também há ainda muita divergência entre os doutrinadores acerca da classificação das fundações de apoio como pertencentes ao Terceiro Setor, sendo classificadas por alguns estudiosos como entidade da Administração Pública Indireta ou entidade com situação diferenciada.

A Lei n.º 8.958/94 trata das relações entre as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio.

Alexandre Mazza aclara acerca das características das fundações de apoio:

As fundações de apoio são pessoas jurídicas de direito privado, instituídas sob a forma de fundações privadas para auxiliar instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica. Sua atuação dá apoio a projetos de pesquisa, ensino, extensão e desenvolvimento institucional, científico e tecnológico (art. 1º da Lei n. 8.958/94).

As fundações de apoio submetem-se à fiscalização do Ministério Público, contratam em regime trabalhista e dependem de prévio registro e credenciamento no Ministério da Educação e do Desporto e no Ministério da Ciência e Tecnologia, renováveis bienalmente.

Podem ser contratadas por dispensa de licitação pelas instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica (art. 24, XIII, da Lei n. 8.666/93). (2012)

Acerca das Organizações Sociais, é fundamental apontar que a condição jurídica de organização social é uma qualificação ou título atribuído a certas pessoas jurídicas que não tem finalidade de lucro. Ou seja, não é um tipo específico de ente administrativo, sendo necessário pleitear a qualificação como organização social depois de constituída, a fim de receber determinados benefícios do poder público (dotações orçamentárias, isenções fiscais etc.).

A Lei n.º 9.637/98 prevê que o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, desde que sejam atendidos os requisitos previstos na referida lei.

E por derradeiro, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público ou OSCIP, que também consiste em “qualificação” atribuída pelo poder público (como as organizações sociais), e estão previstas na Lei n.º 9.790/99 e regulamentadas pelo Decreto n.º 3.100/99.

Podem ser qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas e se encontrem em funcionamento regular há, no mínimo, 03 (três) anos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos pela referida lei. 

Estas organizações desempenham serviços sociais não exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização pelo poder público, por meio de Termo de Parceria.

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As Oscips tem mais abrangência no campo de atuação, uma vez que a qualificação é conferida à pessoa jurídica cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das finalidades seguintes: promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação; promoção gratuita da saúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito a estas atividades mencionadas; estudos e pesquisas para o desenvolvimento, a disponibilização e a implementação de tecnologias voltadas à mobilidade de pessoas, por qualquer meio de transporte.

Assim, infere-se que o Terceiro Setor não pode ser desprezado, uma vez que se trata de setor autônomo, que possui características específicas e função importante na sociedade.

Referências:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

GOHN, Maria da Glória. Mídia, terceiro setor e MST: impacto sobre o futuro das cidades e do campo. Petrópolis: Vozes, 2000.

HORVATH, Miriam Vasconcelos Fiaux. Direito Administrativo. 1 ed. Barueri: Manole, 2011.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo : Malheiros, 2016.

OLIVO, Luiz Carlos Cancelier de. Direito Administrativo. 2. ed. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração / UFSC, 2012.

PEREIRA, Rodrigo Mendes. Terceiro Setor: identificando suas organizações e propondo um novo conceito. Disponível em < http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/gestoes-anteriores/direito-terceiro-setor/artigos/terceiro-setor-identificando-suas-organizacoes-e-propondo-um-novo-um-conceito-dr.-rodrigo-mendes-pereira> Acesso em 18/05/2020.

Sobre a autora
Taciane Borges

Advogada inscrita na OAB-MG; Bacharel em Direito- UEMG FRUTAL; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho- EPD; Pós-graduada em MBA de Direito do Trabalho e Previdenciário- Legale; Pós-graduanda em MBA em Direito do Trabalho e Previdenciário com ênfase em Acidente do Trabalho- Legale; Pós-graduanda em Direito Público- Legale. Atualmente atende no escritório Borges e Silveira Advocacia | Passos-MG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Este artigo visa, de maneira sucinta, apresentar um panorama geral acerca do Terceiro Setor no âmbito do direito administrativo, apresentando conceitos doutrinários, bem como demonstrando quais as entidades que fazem parte deste setor e como funcionam. Destaca-se que o presente artigo não tem pretensão de esgotar todo o conteúdo acerca do tema, uma vez que se trata de assunto com bastante divergência entre os doutrinadores.

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