Prazos Prescricionais na Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual

Da Correta Interpretação dos Artigos 205 e 206 do Código Civil – Das Divergências Doutrinárias – Pacificação pelo Superior Tribunal de Justiça

23/06/2020 às 21:00
Leia nesta página:

Após muitos anos de insegurança jurídica o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfim, pacificou entendimento sobre a incidência do prazo prescricional decenal na responsabilidade civil contratual, conforme previsto no artigo 205 do Código Civil.

 

Não há dúvidas, pois, que o todo o arcabouço jurídico, incluindo as decisões judiciais proferidas pelas instâncias primárias, bem como, os enunciados, precedentes e a jurisprudência dos tribunais superiores, envolvendo discussões acerca do instituto da prescrição é um dos mais importantes no ordenamento jurídico pátrio, senão o mais importante, face a sua inequívoca influência direta na efetivação do exercício do direito material do jurisdicionado, na busca da satisfação de sua pretensão.

Pois bem. O ilustre jurista e professor Nelson Rosenvald nos ensina que “a prescrição não elimina o direito subjetivo do credor e nem a pretensão. Cria uma exceção (substancial) de direito material, que paralisa e/ou neutraliza a pretensão, não a elimina”. Também nos ensina que “a cada direito corresponde uma pretensão e a cada pretensão correspondem várias ações. O que não quer dizer que a prescrição não possa ser discutida extrajudicialmente, como na arbitragem e/ou em consignação bancária”.

Neste sentir, importante destacar que o direito de ação é imprescritível, análise esta, vinculada ao tratar-se de direito subjetivo público em face do Estado. Ora, diferentemente da pretensão, esta, vinculada ao direito material.

Nesta senda, ao interpretarmos o teor do artigo 189 do Código Civil, ao realizarmos a sua exegese mais fidedigna a referido entendimento, deveremos substituir o termo ‘extingue’, por neutraliza. Deve haver, ainda, a conjugação aos artigos 191 e 882 do mesmo diploma civil, além da Súmula no 503 do STJ.

A prescrição é, em linhas gerais, apenas uma exceção ao direito material (defesa indireta de mérito), que pode ser alegada pela parte (discricionariedade), com a finalidade de neutralizar a pretensão. A prescrição reside no direito das obrigações, relacionando-se à perda da exigibilidade da pretensão. O CPC trouxe a prescrição como objeção processual, viabilizando um aceleramento processual, mas não para alterar a sua essência (instituto típico de direito material).

Pois bem. O artigo 206, parágrafo 3o, V, do Código Civil, em sua interpretação literal consigna o prazo prescricional de 3 (três) anos para a pretensão objeto de reparação civil. Lado outro, o artigo 205 do mesmo diploma civil revela-nos o prazo prescricional de 10 (dez) anos quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Nitidamente, ao cotejarmos ambas as disposições legais, configura-se uma notória insegurança jurídica decorrente de eventual e potencial contradição e/ou contra-senso, já que ambos são derivados da legislação civil, estando o prazo prescricional de dez anos ocupando uma posição topográfica anterior e superior ao prazo prescricional de três anos, de modo que, ainda haveria margem de questionamento se o prazo prescricional de três anos seria uniforme e aplicável em ambas as situações, sob justificativa de o legislador não ter realizado distinção sobre tratar-se de responsabilidade civil e/ou aquiliana.

Certo é que a doutrina e a jurisprudência por muitos anos, após a promulgação do Código Civil de 2002, não conseguiram chegar a um devido consenso sobre a inequívoca incidência deste ou daquele prazo prescricional, ambos afetos à responsabilidade civil, diante da necessária diferenciação da responsabilidade civil contratual e extracontratual.

Muito se discutia entre os juristas e julgadores sobre o prazo prescricional relacionado à responsabilidade civil contratual, se seria efetivamente o de três anos ou se este seria restrito às demandas que versassem apenas sobre responsabilidade civil extracontratual. Muitos entendiam que para a responsabilidade civil contratual o mais adequado seria o prazo prescricional de dez anos.

Interessantes ensinamentos advém ainda da interpretação de referida controvérsia, quando comparado ao prazo prescricional atinente ao direito do consumidor, vejamos:

Ainda no plano sistemático, não se pode deixar de notar que a opção por um prazo prescricional de dez anos para a responsabilidade contratual resultaria em um prazo equivalente ao dobro do prazo de cinco anos estipulado para a pretensão de reparação dos danos causados ao consumidor pelo fato do produto ou do serviço (CDC, artigo 27). Tal disparidade de tratamento, em desfavor do consumidor, afronta o dever fundamental do Estado à “defesa do consumidor” (CR, artigo 5º, XXXII) e, também, o princípio constitucional da isonomia substancial. Pretender conferir a um credor comum um prazo amplamente superior àquele atribuído ao consumidor (vulnerável) para a mesma pretensão de reparação de danos representa franco atentado às normas constitucionais. (Gustavo Tepedino, A prescrição trienal para a reparação civil, Disponível em: <https://bit.ly/2Mqfs4R>. Acesso em 20/06/2020 às 14h>).

Seguindo o posicionamento majoritário da discussão em tela, é de comungar do entendimento no sentido de que a discussão centra-se, preponderantemente, na controvérsia do prazo prescricional afeto à responsabilidade civil contratual, uma vez que, nos termos do já citado artigo 206, parágrafo 3o, V, do CC, não há dúvidas sobre a abrangência em seu teor da responsabilidade civil extracontratual.

Trata-se de uma importante discussão, na medida em que, naqueles contratos celebrados com uma prolongada duração, os contratantes por vezes aguardam o término de sua vigência para então ingressar com discussões judiciais. Entretanto, nos ditames do artigo 189 do Código Civil tal não seria necessário, já que o início do prazo deve coincidir no momento da configuração da violação a direito, independentemente da continuidade da relação contratual.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ora, no próprio âmbito do STJ sequer havia esta convergência de entendimento. Veja-se que, o Superior Tribunal de Justiça por muito tempo, em sua maioria de turmas recursais e seções, entendia sobre a incidência do prazo prescricional de dez anos para a responsabilidade civil contratual, proferindo, lado outro, também decisões no sentido de aplicar o prazo prescricional de três anos em algumas espécies de contratos.

Até houve um movimento para a pacificação da discussão no âmbito da responsabilidade civil contratual e extracontratual, por meio da edição de Enunciado no 419 da V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2011, cujo objetivo era uniformizar o prazo prescricional de três anos para ambos os casos. Mas não houve efetividade, tendo sido mantida a divergência de posicionamentos.

Enfim, em 2016 a notória e notável divergência instaurou-se no âmbito da Corte Superior, decorrente de julgamento do Recurso Especial no 1.281.594/SP, havendo modificação de entendimento pela 03a Turma do STJ, no tocante a passar a aplicar o prazo prescricional de três anos à responsabilidade civil contratual.

Após, em 2018, a 02a Seção do STJ em julgamento de Embargos de Divergência opostos no Recurso Especial no 1.280.825/SP, diversamente, decidiu sobre a aplicação do prazo prescricional de dez anos.

Mais do que comprovado, portanto, que ambos julgamentos totalmente divergentes no âmbito do próprio STJ configuraram extrema insegurança jurídica aos jurisdicionados e inclusive, muitos questionamentos mantiveram-se aos julgadores das instâncias e tribunais inferiores, de modo a ocasionar todo um movimento que culminou no julgamento por parte da Corte Especial no STJ, em sede de Embargos de Divergência no Recurso Especial no 1.281.594/SP, em 2019, entendendo pela incidência e aplicação do prazo prescricional de dez anos.

O Ministro decano do STJ ‘Felix Fischer’ ao proferir voto-vista divergente, que prevaleceu no citado julgamento, assim referiu:

A partir do exame do Código Civil é possível se inferir que o termo ‘reparação civil empregado no artigo 206, parágrafo 3o, V, somente se repete no título 9 do livro 1o do mesmo diploma, o qual se debruça sobre a responsabilidade civil extracontratual” (Disponível em <https://www.migalhas.com.br/quentes/302390/stj-fixa-dez-anos-para-prescricao-de-reparacao-civil-contratual>. Acesso em 20/06/2020 às 14h10).

Diante de todo o amplamente exposto, pública e notória a excelência da mais recente decisão do STJ, ao se considerar, inclusive, o teor do artigo 927, V, do CPC, tratando-se de decisão que constitui precedente com efeitos vinculantes, a ser seguida não só pelos Ministros do próprio STJ, mas pelos julgadores e turmas recursais no âmbito das instâncias inferiores. Destaque-se que, o CPC vigente foi elaborado visando a aplicação da principiologia e segurança jurídica atribuída ao chamado “common law”, regime jurídico instituído nas Cortes norte-americanas e canadenses, onde é privilegiado o julgamento colegiado e os precedentes instituídos, para servirem de observância obrigatória ao julgamento de situações semelhantes, sem necessidade de sujeição a um novo e amplo processo de conhecimento.

Senão vejamos, recente julgamento do TJ/SP nos autos n. 1002021.71-2017.8.26.0248, de relatoria da Desembargadora Dra. Maria Lúcia Pizzoti, Data de Julgamento: 05/06/2019: 30a Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/06/2019, “ementa para citação”:

APELAÇÃO – AÇÃO DE COBRANÇA – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS – PRESCRIÇÃO DECENAL – RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO AFASTADO. - O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que o prazo trienal do art. 206, parágrafo 3o, inciso V, do Código Civil (“reparação de danos”), aplica-se tão somente para casos de responsabilidade extracontratual. Diante da ausência de previsão específica, para os casos de responsabilidade contratual deve ser aplicado o prazo geral de dez anos, do art. 205 do código Civil; - O valor cobrado pela autora refere-se aos honorários sucubenciais fixados em favor do réu (10% sobre o valor da condenação – R$ 679,21) – logo, não há nenhuma quantia a ser recebida pela autora. RECURSO IMPROVIDO. (Disponível em <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/718433923/apelacao-civel-ac-10020217120178260248-sp-1002021-7120178260248?ref=serp>. Acesso em 20/06/2020 às 14h21).

Ora, diante da divergência, enfim, superada, após longos anos de debates, questionamentos, decisões monocráticas, decisões colegiadas e recursos infindáveis, entende-se sobre a vinculação da mais recente decisão do STJ também no âmbito dos tribunais arbitrais, com o objetivo de garantir de forma eficaz e eficiente, isonomia e segurança jurídica aos contratantes litigantes, sendo descabidas, novas divergências, agora, neste sentido.

Sobre o autor
Lucas Ballardini Beraldo

Advogado Empresarial, Trabalhista e Previdenciário, Especializado em Governança Corporativa e Executiva Ética, Avaliação e Gestão de Riscos e Compliance pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV), pela Escola Superior de Advocacia de São Paulo (ESA OAB/SP) e pela Legal, Ethics & Compliance (LEC), com Consolidada Atuação Corporativa - Consultiva e Contenciosa no Segmento Automotivo. Graduado em 2015 pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP. Pós-graduado em 2018 pela Faculdade IBMEC São Paulo e Instituto Damásio de Direito, com Especialização em Direito e Processo do Trabalho. Pós-graduando em Direito Civil e Empresarial, em Direito Tributário e em Direito Previdenciário e Processo Previdenciário pela Faculdade IBMEC São Paulo e Instituto Damásio de Direito, com dupla certificação (internacional) pela Universidade de Santiago de Compostela/ESPANHA, com conclusão em 2021.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos