A garantia legal, contratual e estendida no CDC: prescrição e decadência

24/06/2020 às 14:04
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Neste artigo procuramos abordar os três tipos de garantia sobre produtos e serviços previstas no CDC quais sejam: a garantia legal, a contratual e a estendida, procurando destacar as peculiaridades de cada uma delas.

Sumário: 1. Da garantia legal, contratual e estendida no CDC. 2. Da diferença entre prescrição e decadência. 3. Da prescrição no CDC. 4. Quanto à decadência. 5. Bibliografia.

 

1. Da garantia legal, contratual e estendida no CDC

 

Cumpre destacar inicialmente que existem no mercado consumerista, três tipos de garantia sobre produtos e serviços quais sejam: a garantia legal, a contratual e a estendida, vejamos as peculiaridades de cada uma delas.

A garantia legal estabelecida no Código de Defesa do Consumidor prevê que para os produtos e serviços não duráveis esse prazo será de 30 (trinta) dias e, quando tratar-se de produtos ou serviços duráveis, o prazo passa a ser de 90 (noventa) dias. Estes prazos não estão expresso na lei, porém uma leitura combinada dos artigos 18 e 26 da Lei n° 8.078/90 nos permite chegar a esta conclusão. Significa dizer que quando o fornecedor entrega o termo de garantia informando que o produto (durável, por exemplo) é garantido pelo prazo de um ano, a este prazo deverá ser adicionado o prazo de garantia legal de três meses, de tal sorte que o produto estará garantido pelo período de um ano e três meses.

A lei consumerista explicita, claramente, que a garantia contratual é completar à legal e será conferida mediante termos escrito (art. 50), de tal sorte a afirmar que esta garantia nunca poderá ser excluída, mesmo a pretexto de que o fornecedor estaria fornecendo outro tipo de garantia. Se o fornecedor ofertar garantia convencional, estará oferecendo um plus ao consumidor que terá direito à garantia legal, somada à garantia contratual.[1]

Esclareça-se por oportuno, que produtos não duráveis são aqueles que são consumidos com uma única utilização ou que se vai consumindo com as utilizações sucessivas. Já os produtos duráveis, são aqueles que têm uma vida útil mais duradoura, ou seja, cuja utilização, mesmo que continuada, não deteriora suas qualidade, característica e utilização.

Há um dever a ser cumprido pelo fornecedor de produtos ou serviços que implica na obrigação de somente “colocar no mercado de consumo produtos ou serviços de boa qualidade, vale dizer, sem vícios ou defeitos que os tornem impróprios ao uso e consumo ou lhes diminuam o valor”.[2]

Nesse norte é importante esclarecer o que seja defeito e vício. Assim, o produto é defeituoso quando não oferecer a segurança que legitimidade dele se espera no que diz respeito à sua apresentação, uso e riscos que razoavelmente dele se espera e a época em que foi colocado no mercado de consumo (art. 12, § 1°, I a II). Será considerado viciado o produto que apresente disparidade no que diz respeito à qualidade e a quantidade e também aqueles que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e, mais importante, que lhes diminuam o valor (art. 18, caput). Temos que desta forma, defeituoso será o produto ou serviço que, de alguma maneira possa oferecer perigo à incolumidade físico-psíquico do consumidor ou do utente (bystander). De outro lado, será viciado o produto ou serviço que oferecer riscos de causar um dano exclusivamente material, isto é econômico, ao consumidor adquirente em face da frustração quanto a expectativa de uso, com relação à qualidade, a quantidade ou a diminuição de seu valor.

Quando o Código de Defesa do Consumidor estabelece que a garantia legal independe de termo expresso (art. 24) quer dizer que, independentemente do fornecedor entregar ou não o certificado de garantia, o consumidor tem a proteção legal da garantia, pelo prazo mínimo assegurada pela legislação. Tanto é assim que nossos Tribunais têm decidido que a garantia quando oferecida pelo fornecedor, soma-se à garantia legal, isto é, ela é complementar, em perfeita consonância com o prescrito na legislação consumerista (Lei 8.078/90, arts. 4°, II, ‘d’, 8° ao 24 e 50).

Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento consolidado no sentido de que a garantia legal é obrigatória, dela não podendo se esquivar o fornecedor. Paralelamente a ela, porém, pode o fornecedor oferecer uma garantia contratual, alargando o prazo ou o alcance da garantia legal. A lei não fixa expressamente um prazo de garantia legal, porém uma interpretação teleológica e sistemática do CDC permite integrar analogicamente a regra relativa à garantia contratual, estendendo-lhe os prazos de reclamação atinentes à garantia legal, ou seja, a partir do término da garantia contratual, o consumidor terá 30 (trinta) dias quando tratar-se de bens não duráveis ou 90 (noventa) dias quando tratar-se de bens duráveis, para reclamar por vícios de adequação surgidos no decorrer do período desta garantia.[3]

Para o mestre Riazzato Nunes, esse prazo deve ter seu início contado a partir da entrega efetiva do produto ou com o término da execução do serviço, leitura feita a partir do previsto no art. 26, § 1°, da lei consumerista, porém faz a ressalva de que se o fornecedor ofertou garantia contratual de um ou dois anos, o direito de reclamar se estende por até 30 ou 90 dias após o término dessa garantia que foi ofertada.[4]

No que diz respeito a garantia estendida devemos deixar claro que esta é uma prática de mercado que se assemelha mais a um seguro do que a uma garantia propriamente dito. Quer dizer, o adquirente vai pagar um valor adicional para ter garantia por um prazo maior do que aquele que regularmente seria oferecido. Significa dizer que o consumidor firmará dois contratos: um de aquisição do produto ou serviço; e, outro referente a garantia estendida.

A garantia estendida começa a vigorar após o término do prazo da garantia contratual do produto ou serviço.

Advirta-se por fim que a contratação deste seguro não é obrigatória, portanto é facultativa. Se o fornecedor condicionar a venda do produto ou serviço à aquisição da garantia estendida, estaremos diante de uma venda casada, o que é vedado pela lei consumerista (art. 39, I).

 

2. Da diferença entre prescrição e decadência

Com relação à prescrição e a decadência, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu regras próprias, de maneira simples, porém objetiva. Pela sistemática que o Código adotou, a prescrição se circunscreve aos acidentes de consumo (arts. 12 a 14), enquanto que a decadência se aplicaria aos casos de vícios de produtos (arts. 18 a 22). Assim, toda vez que se estiver frente a uma indenização decorrente de acidente de consumo, utilizar-se-ia da prescrição insculpida no art. 27. Se de outro lado, o problema for de vício de produto, aplica-se a regra da decadência inserta no art. 26.[5]

Distinguir prescrição de decadência é algo, no mais das vezes, tormentoso porquanto institutos assemelhados, porém de resultados práticos diversos. Para não fugirmos à regra, tentaremos de maneira sucinta, esclarecer ambos os conceitos. Poderíamos dizer que prescrição é a causa de extinção temporal da pretensão de ver condenado o violador de um direito à sua justa reparação; enquanto que a decadência é a extinção de um direito não reclamado no prazo assinalado. Assim, a prescrição fulmina o direito de ação em dada situação regulamentada, nada impedindo que se exerça o mesmo direito por outro modo assegurado na legislação, enquanto que a decadência fulmina de morte o próprio direito, impedindo que o seu detentor possa formular pedido com base neste direito extinto. 

 

3. Da prescrição no CDC

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados por acidente no fornecimento de produtos ou serviço, esclarecendo ainda que os prazos iniciam-se a partir do conhecimento do dano e de sua autoria (art. 27).

Veja-se que o Código conjuga dois fatores, quais sejam: a) o conhecimento do dano e, b) o conhecimento da autoria. Contudo, há outro elemento que deve ser reconhecido anteriormente: que este dano tenha sido causado por um defeito no produto ou serviço ofertado ao consumidor.

Explica-se facilmente o fato de a norma estabelecer as duas condições. É perfeitamente possível acontecer de o consumidor sofrer um dano e não conseguir de imediato identificar o responsável pela atividade ou pelo produto. Nesta situação, não haveria lógica para que o prazo prescricional estivesse a correr porquanto isto poderia ser extremamente prejudicial ao consumidor.  Somente depois do conhecimento do responsável pelo serviço ou produto causador do dano é que começará a correr o prazo prescricional, solução que se afigura mais justa.

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A doutrina majoritária, senão em sua totalidade, considera que a prescrição disciplinada no artigo citado se aplica exclusivamente aos casos de acidentes de consumo, em razão de o Código ter sido taxativo ao afirmar que a prescrição refere-se aos acidentes de consumo previstos na seção II (da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço), do capítulo que trata da qualidade de produtos e serviços e da reparação dos danos. Por essa ótica, todas as demais ações que sejam originárias das relações de consumo, deverão utilizar-se dos prazos prescricionais do Código Civil, especialmente os prazos do art. 206.[6]

Finalmente, aspecto que releva comentar é que as causas que suspendem ou interrompem a prescrição devem ser as enumeradas no Código Civil na exata medida em que não existe no Código de Defesa do Consumidor nenhuma causa obstativa da prescrição. Assim, nas relações de consumo, aplica-se, subsidiariamente, as normas do Código Civil no que diz respeito à suspensão e a interrupção da prescrição.

 

4. Quanto à decadência

O instituto da decadência está exclusivamente ligado à questão da garantia de tal sorte que, mesmo nos casos de vícios de produtos, se o prejuízo do consumidor se materializou, seja moral ou material, a questão deverá ser vista sob a ótica da prescrição porque estaremos frente a um dano, conforme já tivemos oportunidade de registrar.

Ao tratar dos vícios de produtos, o Código fixou o prazo de 30 (trinta) dias para que o fornecedor, após notificado, sane o vício apontado no produto (Lei n° 8.078/90, art. 18), sob o risco de não o fazendo, autorizar o consumidor a promover a correspondente ação, visando, alternativamente, a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso (I); a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos (II); ou o abatimento proporcional do preço (III).

Este prazo é decadencial e regula-se pelo art. 26 que estabelece que o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em 30 (trinta) dias, em se tratando de fornecimento de serviço e de produto não duráveis (I); e de 90 (noventa) dias, quando tratar-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis (II).

Estes prazos contam-se a partir da entrega efetiva do bem ou do término da execução do serviço (art. 26, § 1°), excetuando-se os vícios ocultos, cujo prazo prescricional contar-se-á do momento em que ficar evidenciado o defeito (art. 26, § 3°).

Diferentemente da prescrição, neste caso, o Código do Consumidor definiu expressamente as causas que obstam a decadência, nas seguintes condições: a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca (art. 26, § 2°, I), e a instauração do inquérito civil, até seu encerramento (art. 26, III).

 

5. Bibliografia

DENARI, Zelmo et all. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor - Comentado pelos autores do anteprojeto, 4a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.

MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral nas relações de consumo, 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

NERY JUNIOR, Nelson et all. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor - Comentado pelos autores do anteprojeto, 4a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Curso de direito do consumidor, 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

SANTANA, Héctor Valverde. Prescrição e decadência nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

SENISE LISBOA, Roberto.  Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

 

 

 

 

 


[1] Ver Nelson Nery Júnior in Código comentado pelos autores do anteprojeto, p. 335.

[2] DENARI, Zelmo. Código comentado pelos autores do anteprojeto, p. 144.

[3] STJ - REsp: 967623 RJ 2007/0159609-6, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 16/04/2009, T3 - Terceira Turma, Data de Publicação: 20090629, DJe 29/06/2009.

[4] RIAZZATO NUNES, Luiz Antonio. Curso de direito do consumidor, p. 353 e 363.

[5] MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral nas relações de consumo, 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 154.

[6] Nesse sentido ver Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, p. 277 e Héctor Valverde Santana, Prescrição e decadência nas relações de consumo, p. 77, dentre outros.

 

Sobre o autor
Nehemias Domingos de Melo

Advogado em São Paulo, palestrante e conferencista. Professor de Direito Civil, Processual Civil e Direitos Difusos nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Paulista (UNIP). Professor convidado nos cursos de Pós-Graduação em Direito na Universidade Metropolitanas Unidas (FMU), Escola Superior da Advocacia (ESA), Escola Paulista de Direito (EPD), Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Faculdade de Direito de SBCampo, Instituo Jamil Sales (Belém) e de diversos outros cursos de Pós-Graduação. Cursou Doutorado em Direito Civil e Mestrado em Direitos Difusos e Coletivos, É Pós-Graduado em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos do Consumidor. Tem atuação destacada na Ordem dos Advogados Seccional de São Paulo (OAB/SP) onde, além de palestrante, já ocupou os cargos membro da Comissão de Defesa do Consumidor; Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição; Comissão da Criança e do Adolescente; e, Examinador da Comissão de Exame da Ordem. É membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Ed.IOB – São Paulo) e também foi do Conselho Editorial da extinta Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor (ed. Magister – Porto Alegre). Autor de 18 livros jurídicos publicados pelas Editoras Saraiva, Atlas, Juarez de Oliveira e Rumo Legal e, dentre os quais, cabe destacar que o seu livro “Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum”, foi adotada pela The University of Texas School of Law (Austin,Texas/USA) e encontra-se disponível na Tarlton Law Library, como referência bibliográfica indicada para o estudo do “dano moral” no Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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