1. Da Citação do Réu
I – Conforme regra inviolável de Direito Natural, ninguém pode ser condenado sem que primeiro se ouça de sua justiça([1]).
De tal eminência é este preceito, que insignes autores costumam remontar sua origem aos primórdios da Criação: Deus, “antes de condenar Caim, vocavit eum, isto é, chamou-o”([2]). Ainda: “a citação é tão essencial que nem o Príncipe a pode dispensar”([3]).
Segundo a letra do art. 351 do Código de Processo Penal, “a citação inicial far-se-á por mandado”. No caso porém que o réu não seja encontrado — reza o art. 361 do referido diploma legal —, “será citado por edital, com o prazo de quinze dias”([4]). Mas, à citação por éditos([5]), é entendimento jurisprudencial uniforme dos Tribunais de Justiça do País que não se deve recorrer, exceto depois de o encarregado das diligências haver dado todas as providências que lhe estavam nas mãos para citar o réu em sua própria pessoa.
O que bem se explica por duas razões forçosas:
a) como “a citação é o princípio e o fundamento do juízo”([6]), dela se não pode prescindir sem que a um tempo se mortifique a mesma relação processual;
b) a não ser o réu citado “in faciem”, ter-se-á por ineficaz outra forma do chamamento a juízo, pois que, ainda quando afixado o edital no átrio do fórum, ou publicado pela imprensa, dificilmente seu teor literal lhe chega à notícia([7]).
Donde haverem os Tribunais encarecido sempre ao oficial de justiça a máxima exação no cumprimento do mandado citatório.
Sua primeira cautela será, portanto, procurar o réu em todos os endereços constantes nos autos, primeiro que certifique não o haver encontrado, porque algum defeito ou balda que haja aqui poderá fulminar de nulidade irremediável toda a ação penal([8]).
II – O conhecido rigor com que a Superior Instância tem versado o ponto da citação do réu claramente se mostra das ementas seguintes:
a) “É nula a citação por edital, quando desprezadas as cautelas habituais para apurar o paradeiro do acusado” (Rev. Forense, vol. 161, p. 349);
b) “A certidão de achar-se o acusado em lugar incerto e não sabido deve ser lançada pelo oficial depois de esgotadas todas as tentativas na pesquisa do paradeiro do citando” (Ibidem, vol. 147, p. 444);
c) “Representando a citação-edital uma exceção, é imperativo da Justiça esgotar todos os meios ao seu alcance, com os elementos constantes dos autos, para positivar o paradeiro do réu” (Ibidem, vol. 186, p. 331).
Cumpre-nos referir, porém (e gratamente o fazemos), que, dos atos processuais, é a citação, sobre todos, o em cuja realização mais se têm distinguido e acreditado, pelo zelo funcional e pela consciência do dever, abnegados servidores da Justiça. Raros, mui raros são os casos em que o Tribunal se vê na contingência de decretar, por defeito de citação, nulidade de processo-crime!
O que é matéria de não pequeno consolo, pois que, fundamento da ordem judicial, a citação válida constitui igualmente o primeiro estádio da busca da verdade, escopo e alma de todo processo.
2. Édito ou Edito?
Alguma dúvida costuma haver quanto à exata acepção e pronúncia destes vocábulos, de uso corrente no meio forense; não será, portanto, fora de propósito aduzir ligeiras observações a tal respeito.
Édito (palavra proparoxítona) significa edital, proclama; edito (palavra paroxítona) é o mesmo que decreto, sentença. Esta é a lição de graves autores.
Napoleão Mendes de Almeida, insigne mestre da língua portuguesa, ensinou em uma de suas conhecidas e bem reputadas obras:
“Edito, édito. Não devem ser confundidas estas palavras. Edito, que também se grafa edicto, é a lei, o decreto, ou parte da lei, em que alguma coisa se preceitua: o edito de Nantes. O edito pode ser revogado.
Édito é o edital, a simples publicação de um aviso, de uma ordem dimanada de câmara municipal, é o traslado de ordem oficial destinado ao conhecimento de todos e afixado em lugares públicos ou anunciados na imprensa periódica” (Dicionário de Questões Vernáculas, 1a. ed., p. 91).
Tal distinção também consta do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (1a. ed.): edito — “qualquer preceito legal”; édito — “ordem de autoridade superior ou judicial que se divulga através de anúncios ditos editais, afixados em locais públicos ou publicados nos meios de comunicação de massa; edital” (cf. verbete édito).
Isto mesmo traz o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa (Caldas Aulete e Santos Valente, 2a. ed.):
Edito — “decreto, ordem, mandado”; édito — “ordem, mandado da autoridade ou citação do juiz, que se afixa nos lugares públicos para que chegue à notícia de todos”.
De igual parecer é De Plácido e Silva:
“Edito. Exprimindo o preceito que é contido na lei ou no decreto, é aplicado no mesmo sentido de lei e decreto.
Édito. É mais propriamente indicado para significar a ordem, o mandado, a citação, que se contém num edital” (Vocabulário Jurídico, 1973, vol. II, p. 575).
Numa palavra, edito é sinônimo de decreto, sentença, decisão; ao passo que a voz édito inculca a ideia de edital, proclama (outrora: bando ou banho).
Escreve-se edito nestes casos:
I – “E aconteceu naqueles dias que saiu um edito — isto é, um decreto — emanado de César Augusto para que fosse alistado todo o mundo” (Lc 2,1; trad. Antônio Pereira de Figueiredo).
II – O edito absolutório do réu — isto é, a sentença — vale por brasão de glória do ilustre magistrado que o subscreveu.
III – O edito de pronúncia — isto é, a sentença, decisão ou despacho — remeteu o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Empregar-se-á todavia édito na seguinte hipótese:
I – Como o réu estava em lugar não sabido, mandou-o citar o juiz por édito (isto é, por edital).
II – A lista geral dos jurados foi divulgada por éditos (isto é, por editais), afixados no átrio do edifício do fórum.
À derradeira, faz ao intento a advertência de Eliasar Rosa, advogado e exímio cultor do vernáculo:
“Até agora, nossa profissão é essencialmente verbal e tem por instrumento básico a linguagem.
Advogado, se não fala, escreve.
Isto significa que estará sempre em risco seu bom êxito na profissão, se ele não falar e escrever bem” (Glossário Forense,1a. ed., p. 8).
Notas
([1]) É o clássico aforismo jurídico: “Nemo inauditus damnari potest”.
([2]) Cf. Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro; v. citação. Pelo mesmo teor, a lição de Alexandre Caetano Gomes: “E já Deus, Senhor nosso, no primeiro processo que julgou no mundo, quando quis punir a primeira culpa, usou da citação em Adão delinquente: Ubi es, Adam? Gên., cap. 3º” (Manual Prático Judicial Civil e Criminal, 1820, p. 4).
([3]) Cons. Ramalho, Postilas de Prática, 1872, p. 71.
([4]) Quando não o encontra para citar, costuma o meirinho certificar que o réu está em lugar incerto e não sabido. Faz ao caso, por isso, a lição do mui douto Geraldo Amaral Arruda: “Há contrassenso em dizer lugar incerto e não sabido. Nenhum lugar pode ser incerto e, ao mesmo tempo, não sabido” (A Linguagem do Juiz, 1996, p. 10).
([5]) São vocábulos que se empregam distintamente: édito e edito. Édito significa “ordem judicial publicada por anúncios ou editais” (Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a. ed.); edito (sem acento) é o mesmo que decreto, lei e, por extensão, sentença, decisão, etc. Ex. edito condenatório, edito de absolvição, etc. (Ver, adiante, o artigo “Édito ou Edito?”).
([6]) Cons. Ramalho, op. cit., p. 71.
([7]) A respeito da publicação do édito no órgão da imprensa oficial, vêm a talho de foice estas palavras do Conde de Afonso Celso: “Verdade é que, segundo Ferreira Viana, quem quisesse guardar um segredo devia dá-lo à estampa nesse diário” (Oito Anos de Parlamento, 1981, p. 80).
([8]) A certidão do oficial de justiça, conforme a tradição doutrinária, passa por artigo de fé: seu teor vale como ato autêntico; suas afirmações têm por si a presunção de veracidade. Trata-se, porém, de presunção “juris tantum”: prevalece até prova em contrário.
Carlos Biasotti