Antecedentes Criminais

24/06/2020 às 16:50
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I. Apresentação

            Não se passa, de um salto, da vida honesta para o crime, sentenciou o profundo Malatesta([1]). É que, de regra, antes de incorrer na sanção do Direito Penal, o réu já fizera algum tirocínio nas esferas da delinquência.

            Tal fato, porém, pode não constituir mau antecedente, ainda que sirva a compor o perfil moral do réu (pois, segundo a máxima vulgar, “o homem é o que foi”).

            Em verdade, como escreveu Cícero([2]), não podemos mudar o passado, sem embargo dos benéficos efeitos do instituto da reabilitação criminal (art. 743 do Cód. Proc. Penal).

            Maus antecedentes, nos melhores de direito, são fatos reveladores “de uma hostilidade franca, ou militante incompatibilidade em relação à ordem jurídico-social”([3]).

            Todavia, por amor do princípio constitucional do estado de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), não se consideram maus antecedentes inquéritos (ou processos) em andamento e sentença condenatória sem trânsito em julgado.

            Por último, nisto de antecedentes, aproveita sempre o brocardo latino: “Quilibet praesumitur bonus, donec contrarium probetur”. Todos se presumem bons, até prova em contrário.

II. Maus antecedentes: conceito

1)   Crime e castigo. Ao conhecer da causa-crime e proferir decisão condenatória, o juiz, para fixar ao réu sua pena, atenderá ao ponto dos antecedentes. É a dicção do art. 59 do Código Penal.

            Que coisa, porém, à face da Justiça Criminal, é isto dos antecedentes?

            Os mais dos autores têm para si (e o mesmo étimo está a persuadi-lo) que antecedentes significam os fatos pretéritos da vida de alguém.

            Não só os fatos anteriores bons, também os maus (sobretudo estes, pois que irão agravar a sorte do condenado) caem na conta do julgador. Destarte, importa saber o que se entende, para os efeitos da lei penal, por maus antecedentes. Geralmente falando, são os fatos concretos do currículo da vida pregressa do acusado, reveladores “de uma hostilidade franca, ou militante incompatibilidade em relação à ordem jurídico-social”([4]).

2)   Maus antecedentes. Lição da doutrina. Nem todo fato antissocial, entretanto, há de averbar-se de mau antecedente; só o que for a “expressão de uma personalidade predisposta para o crime”([5]). Esta, a razão por que nossos Tribunais, seja por advertirem na conveniência de se oporem temperamentos à repressão das “infrações penais de menor potencial ofensivo”([6]), seja por lhes parecer que, avaliando com extremos de rigor as ações humanas, antes estariam servindo à iniquidade que à Justiça, têm ultimamente expungido o caráter de maus antecedentes a certos episódios e acontecimentos da vida pretérita do indivíduo.

            Demonstram-no julgados sem conto, que o saudoso penalista Celso Delmanto e seu diligente irmão Roberto deram a lume em livro prestantíssimo([7]). “Exempli gratia”: mercê do estado de inocência doréu, princípio que nossa Carta Magna recebeu como garantia fundamental([8]), a increpação de portador de maus antecedentes já não pode prevalecer com respeito àquele que, por desventura, tenha contra si processo ou inquérito policial em andamento. Com maioria de razão, se absolvido, ou arquivado o inquérito.

3)   Jurisprudência. Acórdão notável. Tal liberalidade no conceituar maus antecedentes, no entanto, chegou a mais. Deveras, ainda que anteriormente condenado, não se reputa de maus antecedentes o réu se já decorrido o quinquênio depurador (art. 64, nº II, do Cód. Penal). É que, segundo ponderou em memorável julgamento o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, “o estigma da sanção criminal não é perene. Limita-se no tempo”([9]).

            Fora injúria grande aos preceitos lógicos, em verdade, não desaparecessem com a reincidência também os maus antecedentes que a pressupunham (“sublata causa, tollitur effectus”). Volvidos cinco anos, a condenação anterior já não opera o efeito da reincidência; esta desaparece, e com ela os maus antecedentes.

            Tal doutrina, conquanto se afigure assaz indulgente com o infrator, não discrepa do sistema filosófico sob cuja inspiração o legislador da parte geral do Código criou as circunstâncias atenuantes inominadas (art. 66), como a lembrar a todos os que julgam que o réu, não podendo ser um relicário de virtudes, nem por isso houvera de ser um filho bastardo de Belzebu.

III. Acórdão do TJ-SP

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA – SEÇÃO CRIMINAL

Apelação Criminal nº 993.03.061197-8

Comarca:      São Paulo

Apelantes:    Ministério Público, AB, FMCF, HDPF e RCS

Apelados:     Os mesmos

Voto nº 12.271

Relator

–“Esta Corte Federal Superior e o Excelso Supremo Tribunal Federal firmaram já entendimento no sentido da impossibilidade de se considerar como maus antecedentes, quando na fixação da pena-base, o fato de o réu responder a outros processos criminais” (STJ; REsp nº 281.450-0-RO; 6a. T.; j. 21.9.2004; Boletim do Superior Tribunal de Justiça, nº 1, p. 74).

–  A pena, segundo Garófalo, é o remédio para a falta de adaptação do réu (apud Fernando Nery, Lições de Direito Criminal, 1933, p. 355). A punição do infrator, portanto, não é outra coisa que a legítima reação da ordem social contra o crime.

–  O decurso do tempo apaga a memória do fato punível e a necessidade do exemplo desaparece (Abel do Vale; apud Ribeiro Pontes, Código Penal Brasileiro, 8a. ed., p. 154).

–  A prescrição intercorrente (art. 110, § 1º, do Cód. Penal) “constitui forma de prescrição da pretensão punitiva (da ação), que rescinde a própria sentença condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 358).

–  Decretada a extinção da punibilidade do apelante pela prescrição da pretensão punitiva estatal, já nenhuma outra matéria poderá ser objeto de exame ou deliberação.

1.        Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito da 16a. Vara Criminal da Comarca da Capital, condenando AB, FMCF, HDPF e RCS à pena de 1 ano de reclusão, no regime semiaberto, e 10 salários-‑mínimos de multa, por violação do art. 50, parág. único, ns. I e II, da Lei nº 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano), apelam para este Egrégio Tribunal, com o intuito de reformá-la, os réus e o ilustre representante do Ministério Público.

            Nas razões de recurso que lhes apresentou diligente patrono, alegam os réus que as provas reunidas nos autos não eram aptas a evidenciar-lhes a autoria delitiva.

            Acrescentam que, em todo o caso, não cometeram crime algum, pois não obraram com dolo.

            Requerem, por isso, à colenda Câmara que os absolva e mande em paz; subsidiariamente, pleiteiam a substituição da pena privativa de liberdade por medida alternativa (fls. 602/606).

            A Promotoria de Justiça, essa postula a exacerbação da pena aos réus, e reclama contra o regime prisional fixado que, a seu aviso, devia ser alterado para a modalidade fechada (fls. 515/520).

            Contrariados os recursos, opinou a douta Procuradoria-Geral de Justiça, preliminarmente, pela conversão do julgamento em diligência, baixando os autos à Vara de origem, em ordem a possibilitar a formulação de proposta de suspensão condicional do processo; no mérito, encarece o provimento parcial do recurso da Justiça Pública, improvido o da Defesa (fls. 258/261).

            É o relatório.

2.        Foram os réus chamados a dar contas à Justiça porque, no período entre os meses de janeiro a agosto de 1998, na Estrada da Cocaia (Jardim das Flores), nesta Capital, obrando em concurso e unidade de propósitos, efetuaram parcelamento, para fins urbanos, dos imóveis situados na Rua Major Lúcio Ramos (Jardim Cotia), nesta Capital, em área de proteção aos mananciais, por meio de desmatamento, abertura de vias de circulação, demarcação de quadras e de 204 lotes, e alienação de lotes, sem autorização e em desacordo com a legislação regulamentar.

            Instaurada a “persecutio criminis in judicio”, transcorreu o processo na forma da lei; ao cabo, a r. sentença de fls. 496/504 julgou procedente a denúncia para condená-los, por incursos nas sanções do art. 50, parág. único, ns. I e II, da Lei nº 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano).

            Inconformados, porém, com o êxito desfavorável da causa-crime, manifestaram as partes recurso para esta augusta Corte de Justiça.

3.        A despeito dos bons esforços de seu patrono, os elementos arrebanhados nos autos eram os que bastavam para legitimar o decreto de procedência da denúncia, dado que demonstraram, sem falta, a responsabilidade criminal dos réus.

            Com efeito, aos apelantes imputou o órgão do Ministério Público a prática de crime contra o parcelamento do solo urbano, definido e punido pelo art. 50, parág. único, ns. I e II, da Lei nº 6.766/79; por esse delito foi que a r. sentença os condenou, após minucioso e acurado exame dos fatos e suas circunstâncias, descritos, na denúncia, de forma inteligível e segundo o estilo do foro.

            A singela afirmação de que não obraram com dolo — o que impossibilitava a tipificação da conduta — não se afigura poderosa para eximir de culpa os apelantes.

            É que — e disse-o bem a r. sentença — “se houve, como enfatizado pela Defesa, um problema de cunho social, para este muito contribuíram os réus, pois ao deixarem de atender às leis em vigor, mesmo com possível regularização do loteamento, tal fato não os exime de responsabilidade criminal, como expressamente previsto por lei” (fl. 502).

            Assim, comprovadas a materialidade e a autoria do fato criminoso e a culpabilidade dos agentes, era-lhes inevitável a condenação.

            Cai a lanço a velha parêmia, que os romanos adotavam na apuração da autoria de um crime: aquele a quem o crime aproveita, esse o cometeu (“cui prodest scelus, is fecit”).

            É a lógica a melhor das provas!

            A condenação dos réus, portanto, atendeu ao exame crítico dos autos do processo e à vontade da lei.

4.        Ao fixar aos réus a pena em seu grau mínimo, a douta Magistrada não se afastou da letra nem do espírito da lei, como inculca a estrênua Promotoria de Justiça.

            Com efeito, embora estejam respondendo a outros processos (fls. 9, 23 e 26 do Apenso), não há prova nos autos de que tenham sido condenados em algum deles.

            Ora, processos em curso, conforme consagrada jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, não podem ser considerados maus antecedentes para prejudicar o réu:

“Esta Corte Federal Superior e o Excelso Supremo Tribunal Federal firmaram já entendimento no sentido da impossibilidade de se considerar como maus antecedentes, quando na fixação da pena-base, o fato de o réu responder a outros processos criminais” (STJ; REsp nº 281.450-0-RO; 6a. T.; j. 21.9.2004; Boletim do Superior Tribunal de Justiça, nº 1, p. 74).

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            Outro tanto, desde que reconhecida a primariedade dos réus — “não há prova material de reincidência nos autos” (fl. 105)­ —, “a regra é partir da pena-base no grau mínimo” (TRF da 1a. R.; Ap. nº 22.082; DJU 5.3.90, p. 3.233).

            Em vista de tudo o sobredito, as razões de apelação do Ministério Público, ainda que deduzidas com muito brilho e esmero, tenho-as por improcedentes, “data venia”.

            Embora grave a ação praticada pelos apelantes, nada lhes obstava a fixação do regime semiaberto para o cumprimento das penas.

            Algumas razões conspiravam para esta solução, dentre as quais a primariedade; além de que, não empregaram violência contra as vítimas.

            Entendimento é esse que se conforma com os superiores ditames de nossas Cortes de Justiça:

a)   “Se a pena imposta por um crime é maior do que 4 anos, mas não excede a 8, cabe, em tese, o cumprimento de pena em regime semiaberto, segundo se depreende da leitura do art. 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal, combinado com o seu § 3º, que remete às circunstâncias judiciais do art. 59 do mesmo Código; porém, o Juiz pode impor regime mais severo do que aquele em tese, mas para tanto, necessário é que apresente os parâmetros legais aplicáveis à espécie e as razões que o levaram a tal conclusão, não bastando apenas a gravidade do delito como justificativa para a imposição de regime mais gravoso, salvo se o crime for qualificado como hediondo” (STJ; Min. José Arnaldo da Fonseca; Rev. Tribs., vol. 769, p. 543);

b)   “Não encontra fundamento a imposição de regime fechado para execução da pena inferior ao limite máximo estabelecido no art. 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal, mesmo em se tratando de condenação por roubo duplamente qualificado, se foram reconhecidas a primariedade dos réus e a concorrência de circunstâncias judiciais favoráveis, previstas no art. 59 do mesmo Codex” (STF; Min. Octavio Gallotti; Rev. Tribs., vol. 770, p. 495);

c)    “Se o condenado preenche os requisitos para o cumprimento da pena em regime semiaberto, tendo em vista a quantidade de pena imposta e a ausência de reincidência e maus antecedentes, não cabe a imposição de regime mais gravoso com fundamento exclusivo na gravidade do delito praticado” (STJ; Min. Gilson Dipp; Rev. Tribs., vol. 779, p. 533).

5.        Mas, ainda que superior a toda a crítica a r. sentença condenatória, o decurso do tempo já não permite executar a pena dos réus.

            Com efeito, na expressão clássica de Abel do Vale, o decurso do tempo apaga a memória do fato punível e a necessidade do exemplo desaparece (apud Ribeiro Pontes, Código Penal Brasileiro, 8a. ed., p. 154).

            Já não tem o Estado o direito de puni-los, visto ocorreu, no caso, prescrição superveniente à sentença.

            Nos termos do art. 109, nº V, do Código Penal, a pena não superior a 2 anos prescreve em 4.

            Ora, desde a publicação da r. sentença — 13.5.2003 (fl. 505) —, até aqui decorreu lapso de tempo superior a 4 anos, suficiente ao reconhecimento da prescrição.

            Cumpre, de conseguinte, decretar a extinção da punibilidade do réu pela prescrição intercorrente, que “constitui forma de prescrição da pretensão punitiva (da ação), que rescinde a própria sentença condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 358).

            Realmente:

“Não tendo havido recurso da acusação, o prazo prescricional, a partir da publicação da sentença, é regulado pela pena imposta” (Damásio E. de Jesus, Prescrição Penal, 9a. ed., p. 49).

       Ainda:

“(…) a partir da publicação da decisão condenatória, aplicado exclusivamente o § 1º do art. 110, teremos a incidência da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva (ação penal). Não subsistem a sentença nem seus efeitos principais e acessórios. E o Tribunal não precisa apreciar o mérito, ficando prejudicada a apelação” (Idem, ibidem).

6.        Pelo exposto, nego provimento aos recursos e declaro, de ofício, extinta a punibilidade dos réus pela prescrição intercorrente da pretensão punitiva estatal, com fundamento nos arts. 107, nº IV, 109, nº V, e 110, § 1º, do Cód. Penal e 61 do Cód. Proc. Penal.

São Paulo, 17 de setembro de 2009

Des. Carlos Biasotti

Relator

IV. A identificação criminal do indiciado e o art. da Constituição Federal

             Tão logo tenha conhecimento da prática de infração penal, deve a autoridade policial ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, isto é, mediante a coleta de suas impressões digitais.

            Sem a identificação de quem seja o autor do fato delituoso, não há persecução penal, nem é possível a apuração da responsabilidade criminal do agente.

            Não sofre disputa, portanto, que o Estado, ao qual incumbe combater a criminalidade, tem não apenas o direito mas também o dever de identificar o delinquente.

            Tal providência, todavia, principalmente para aqueles que não foram antes indiciados em inquérito policial, representa violência moral insigne; o deixar alguém suas impressões digitais numa planilha, montara o mesmo que ser condenado! Tão forte abalo costuma causar o ato de identificação no ânimo do acusado, que até aqueles que já figuraram na clientela da jurisdição criminal têm-no por medida extremamente vexatória.

            Para conjurar tão cruel estigma, que marca a alma do indiciado (muita vez inocente) antes mesmo de averiguada sua culpa, autores abalizados na Ciência Penal propugnaram fosse a identificação criminal adotada só naqueles casos em que o suspeito de haver cometido algum crime ainda não estivesse identificado civilmente; do contrário, ficaria dispensado da formalidade.

            Por algum tempo vigorou esse entendimento no seio dos Tribunais; cedeu o passo, contudo, à orientação mais severa, consubstanciada na Súmula nº 568 da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “A identificação criminal do indiciado pelo processo datiloscópico não constitui constrangimento ilegal, ainda que já identificado civilmente”.

            Assim se praticou até à promulgação da Constituição Federal de 5.10.88, que, mercê do espírito liberal de seus legisladores, tratou por modo mais benigno e plausível a questão ao preceituar, no inciso LVIII de seu art. 5º, que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”.

            A nova Carta Magna, a mais abrangente e extensa de quantas houve entre nós, imprimiu grande relevo aos direitos e garantias individuais, sobretudo em matéria penal.

            Em pontos de identificação criminal, a fórmula que impôs assegura ao mesmo tempo a defesa do Estado contra os que violam a ordem jurídica e, ao indivíduo, as garantias contra o arbítrio daquele.

            Abolindo a identificação criminal quando já tiver o indiciado cédula de identidade, o legislador supremo revelou-se mui coerente com o princípio da presunção do estado de inocência, que consagrara no inciso LVII do referido artigo.

            De fato, se “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, seria contravir ao rigor da lógica jurídica submeter indivíduo a ato que, falando a verdade inteira, não fora menos infamante que a própria sentença condenatória!

            Nem vale, contra esta consequência irrecusável, a objeção de alguns, fundada em que, não havendo a recente Carta da República revogado o inciso VIII do art. 6º do Código de Processo Penal, será sempre exigível a identificação criminal pelo processo datiloscópico.

            Suposto impressione ao primeiro aspecto, esse raciocínio descobre no entanto fragilidade maior da marca, se apreciado mais de espaço, como o demonstrou, irrefutavelmente, o preclaro Juiz Oliveira Ribeiro, do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo:

            “(…) a regra processual penal em causa, ao impor um dever legal que a Constituição só admite em grau de especializada exceção, joga por terra todo o comando jurídico da norma constitucional que dispõe de modo diametralmente oposto ao que naquela regra de processo. Até e enquanto não surja no horizonte da República norma de direito comum estabelecendo as hipóteses de exceção ao mandamento proibitório, a exigência da identificação criminal, para todos aqueles acusados que estiverem identificados civilmente, não terá lugar” (Revista de Julgados e Doutrina, vol. I, p. 184).

            A identificação criminal, reservemo-la apenas àqueles casos em que o indiciado não foi ainda civilmente identificado, ou haja fundadas suspeitas de que falso o documento de identidade expedido pelo órgão oficial competente; que fique ela adstrita ao critério da necessidade, não venha a ferir gravemente o “status libertatis” do indivíduo.

            Aquele selo que Deus “pôs à mão de cada homem, para que o conheçam todos os homens” (Jó 37,7), não se transforme, facilmente, em ferrete de sua desgraça e ignomínia!

Notas


([1])        “(…) non si passa di balzo dalla vita onesta al reato” (Nicola Framarino dei Malatesta, La Logica delle Prove in Criminale, 1895, vol. I, p. 235).

([2])        “Praeterita mutare non possumus” (“In Pisonem”, XXV, 59). Há quem, forte em Santo Tomás de Aquino, deite a barra mais longe: Deus pode destruir uma cidade inteira; mas, com ser quem é, não pode fazer que ela nunca tenha existido (apud Rubem Ferraz de Oliveira, Procurador de Justiça; TJSP; Agravo em Execução nº 1.163.611-3/1-00-Araçatuba).

([3])        Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1951, vol. III, p. 83; Editora Forense; Rio de Janeiro.

([4])        Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1951, vol. III, p. 83.

([5])        José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, 1956, vol. III, p. 74.

([6])        Art. 98, nº I, da Constituição Federal. Faz muito ao caso o erudito artigo doutrinário de Luiz Flávio Gomes, tirado à luz na Revista Brasileira de Ciências Criminais (número especial de lançamento, pp. 88 a 109) sob o título: “Tendências político-criminais quanto à criminalidade de bagatela”.

([7])        Código Penal Comentado, 3a. ed., p. 92.

([8])        “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, nº LVII).

([9])        Tem esta substância a ementa oficial do venerando aresto: “O art. 64, nº I, do Cód. Penal determina que, para efeito de reincidência, não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior houver decorrido período superior a 5 (cinco) anos. O dispositivo se harmoniza com o Direito Penal e Criminologia modernos. O estigma da sanção criminal não é perene. Limita-se no tempo. Transcorrido o tempo referido, sem outro delito, evidencia-se ausência de periculosidade, denotando, em princípio, criminalidade ocasional. O condenado quita sua obrigação com a justiça penal. A conclusão é válida também para os antecedentes. Seria ilógico afastar expressamente a agravante e persistir genericamente para recrudescer a sanção aplicada” (STJ; RHC nº 2.227-2/MG; 6a. T.; rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro; j. 18.12.92; m.v.; DJU 29.3.93, p. 5.267).

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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