O que fazer quando a mulher vítima da agressão não quiser fazer a denúncia?
Em primeiro lugar, tenha ouvidos e tente compreender os motivos que levam a mulher se sujeitar às agressões e ameaças sem querer sair imediatamente da situação. Geralmente, essas mulheres possuem dependência econômica, profissional, psíquica, emocional e familiar (existência de filhos), que as impede de prosseguir com a denúncia da violência doméstica.
A palavra a partir de então será empatia. Tente se colocar no lugar da mulher, ser compreensivo e busque em conjunto à vítima soluções para a situação.
Há casos em que a vítima não precisa querer ir à delegacia com você.
No caso de lesão corporal, para o início da ação penal não é necessário o consentimento da vítima (é o que chamamos de ação penal pública incondicionada à representação da vítima), portanto, a ação penal em face do agressor prosseguirá independentemente da vontade da mulher agredida.
Em todos os casos, você poderá fazer a denúncia sem o acompanhamento ou autorização da vítima. A partir do momento que a mulher fizer a representação diante de qualquer autoridade, somente perante o juiz ela poderá renunciar à representação feita, o que dificulta que a mulher “volte atrás”, como geralmente ocorre devido ao que chamamos de “ciclo da violência” (que é uma repetição de condutas verificada na maioria dos casos de violência doméstica).
Caso você queira convencer a mulher que vem sofrendo agressões, seguem algumas dicas:
É bom evitar o termo “violência doméstica”, o que ainda gera um estereotipo de humilhação para estas mulheres. Tente fazê-la perceber e refletir sobre o que é e se ela está em um relacionamento abusivo.
Tente explicar para esta pessoa que todas as mulheres são vítimas de violência de gênero (aquela destinada à mulher simplesmente por ser mulher, como um padrão cultural) e a violência doméstica é apenas uma parte de violências sofridas diariamente por todas:
· julgaram você pela roupa que vestia;
· teve medo de sair desacompanhada em razão da cultura do estupro;
· insinuaram que não é decente ter desejo sexual;
· mediram sua honra pelo número de parceiros sexuais;
· pediram para você se cobrir enquanto amamentava em público;
· cobraram padrão ideal de beleza;
· exigiram que você fosse bonita ou inteligente – as duas coisas não dá!
· acusaram você de mandona ou histérica quando foi contundente na defesa dos seus argumentos;
· recebeu pagamento inferior pela mesma função exercida por um homem;
· disseram que seu lugar é na cozinha ou que um tanque de roupa suja resolve qualquer depressão;
· fizeram você acreditar que é a rainha do lar – daí você limpa e lava sozinha o que todo mundo suja;
· colocaram na sua cabeça que você não tem racionalidade para chefia;
· perguntaram se a sua irritação era TPM;
· esperaram que você resolvesse a discussão com lágrimas;
· sugeriram que você gosta é de dinheiro e que um cartão de crédito soluciona qualquer crise;
· convenceram você de ser incapaz de admirar e respeitar outra mulher;
· você notou a desproporcionalidade da representação feminina na atividade política?
· pediram para você segurar o seu homem, porque o mercado está difícil;
· avaliaram sua inaptidão feminina para negócios, números, ciência ou condução de veículo automotor;
· incutiram na sua cabeça que ciúme é sinal de amor;
· cantaram “um tapinha não dói”;
· juraram que sapo vira Príncipe Encantado se você tentar o suficiente;[1]
Explique para a mulher em situação de violência doméstica o que é ciclo da violência.
Estudando os inúmeros casos de violência doméstica e familiar, especialistas encontraram a repetição de padrões previsíveis no relacionamento:
1. Evolução da tensão (aumento do conflito, sentimento de culpa, negação, minimização)
2. Incidente de agressão (episódio de fúria)
3. Lua de mel (comportamento gentil e amoroso, com pedidos de perdão)
A mulher que sofre violência por seu companheiro, pode desenvolver a síndrome do desamparo aprendido (ou síndrome da mulher espancada), que é um transtorno do estresse pós-traumático a partir da repetição do ciclo da violência. A repetição das violências em ciclo causa paralisia psíquica, que torna a mulher incapaz de controlar o que acontece consigo, por acreditar que nada que faça afastará o domínio físico, emocional e patrimonial que o agressor tem sobre ela.
Você deve lembra-la que homens e mulheres são diferentes em diversos aspectos[1]:
· Educação e renda: Uma mulher com ensino superior completo ou mais, recebe 63,4% dos rendimentos de um homem com a mesma escolaridade.
· Trabalho doméstico: As mulheres dedicam 18,1 horas semanais em cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos. Os homens, apenas 10,5 horas
· Violência: 81,8% das vítimas de estupro no Brasil são mulheres. 4 meninas com menos de 13 anos são estupradas por hora. 88,8% dos feminicídios, foram cometidos por (ex) parceiros.
Ao inserir a vítima neste contexto de violência “generalizada” contra a mulher, você facilitará que não haja uma supervalorização da violência sofrida.
Depois, você conseguirá fazê-la refletir sobre o relacionamento abusivo, fazê-la compreender que neste contexto sistemático de violência, a culpa não é dela, e, finalmente, sobre formas de sair da situação de violência doméstica.
Sempre orientamos as mulheres em situação de violência doméstica a buscar um profissional especializado na área de proteção às mulheres em situação de vulnerabilidade. O acompanhamento interdisciplinar, com encaminhamento aos órgãos públicos e instituições privadas de proteção à mulher em violência doméstica, facilitará a mulher a sair do ciclo da violência.
[1] Cartilha Vire a Página, lançada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Acesse em http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/vire_a_pagina.pdf
[1] Cartilha Vire a Página, lançada pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul. Acesse em: https://www.mpms.mp.br/downloads/cartilha_148x210_web.pdf