Por Dra. Juliana Neves, Advogada do MLA – Miranda Lima Advogados
Quando, no fim de 2019 o mundo assistiu perplexo aos cidadãos chineses adoentados desmaiando pelas ruas das cidades, não era esperado que aquela doença se transformasse em um surto global, levando consigo a economia e a população dos países por onde passou.
A verdade é que alguns meses após os primeiros casos serem noticiados, a COVID-19 se tornou uma realidade nefasta a ser enfrentada pelas pessoas ao redor do mundo, exigindo mudanças de comportamentos e o afastamento social.
As mudanças a serem implementadas com uma urgência espantosa atingiram em cheio o comércio, principalmente as lojas físicas situadas nas ruas e nos Shopping Centers, que tiveram de fechar ou se adaptar ao novo cenário pandêmico.
Só se mantiveram em funcionamento, estabelecimentos considerados essenciais, ou seja, sem os quais a população não pode ficar sem – supermercados, farmácias e congêneres.
O Google realizou uma pesquisa on-line[1] com cerca de mil consumidores para tentar entender o impacto das mudanças no cotidiano dos brasileiros. Ficou esclarecido que as lojas físicas ainda são a principal fonte de compras da população, todavia, nota-se um paulatino deslocamento desses consumidores para plataformas on-line.
Segundo o referido estudo, para 59% (cinquenta e nove por cento) dos brasileiros, comprar ficou mais difícil. A principal dificuldade relatada foi o fechamento das lojas (35%), seguida por medo de contaminação dos produtos a serem comprados (33%) e produtos esgotados (31%).
Até mesmo o comércio eletrônico, ou como é mais conhecido, o e-commerce, sofreu impactos da nova forma de viver exigida pelo alastramento da COVID-19. Algumas mudanças se mostraram positivas – como o crescimento exponencial do consumo on-line –, contudo, outras mudanças surgiram como um desafio para essa parte do varejo.
Estima-se que nos meses de fevereiro e março, quando começaram as restrições de circulação pelo Brasil, as vendas on-line tenham crescido mais de 100% (cem por cento) em comparação com o ano passado[2]. Os bens de consumo mais procurados foram máscaras, sabonetes e álcool em gel. Outros produtos não relacionados à saúde e higiene cresceram em vendas cerca de 40% (quarenta por cento).
As entregas dos produtos adquiridos nas plataformas on-line têm feito surgir demandas dos consumidores por reduções no tempo de entrega. Tais reduções se configuram um obstáculo a ser enfrentado pelos varejistas.
Então como ficam as entregas e os prazos nesse momento de pandemia?
Tendo em vista que as empresas que vendem on-line utilizam preferencialmente entregadores independentes (empresas de logística), a dinâmica das entregas dos produtos fica ainda mais desafiadora.
Ao fornecedor é vedado “deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério”, conforme o artigo 39, XII do Código de Defesa do Consumidor.
Alguns sites e marketplaces têm informado aos consumidores os prazos das entregas das mercadorias e a possibilidade de atraso nas entregas por conta da COVID-19 e as medidas de afastamento social.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) protege o consumidor e define que as mercadorias solicitadas pelos consumidores deverão ser entregues dentro do prazo assinalado pelo fornecedor, e, caso o produto ou serviço não seja entregue no prazo, o consumidor poderá ou forçar o cumprimento da obrigação avençada, ou exigir a devolução do produto, recebendo de volta o que pagou, conforme o que reza o artigo 35 da referida lei.
Certo é que, pela pandemia ter se tornado fato notoriamente problemático, e, portanto, imprevisível para ambas as partes – fornecedor e consumidor –, deve-se tratar qualquer atraso com parcimônia e bom senso.
Em caso de atraso na entrega de mercadorias compradas on-line, o consumidor deve tentar contato com a empresa, a fim de entender e tentar compor amigavelmente a entrega o mais breve possível.
Para esse entendimento, é importante frisar que, por força do artigo 6º, III, CDC, caberá ao fornecedor disponibilizar ao consumidor, ampla possibilidade de comunicação, tais como telefone, e-mail, site, etc., haja vista que a limitação ao atendimento configure violação a um direito do consumidor.
Dito isso, diante do cenário improvável que enfrentamos, e, apesar do dever legal imposto ao fornecedor quanto ao prazo de fornecimento, qualquer negociação acerca das entregas das mercadorias deverá ser guiada pelos princípios da boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade e, sobretudo, transparência, sendo de suma importância o equilíbrio e sensatez no trato entre consumidores e fornecedores.
[1] Fonte: https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/impacto-lojas-fechadas-consumidores/
[2] Fonte: https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/bens-de-consumo-imediatos-coronavirus/