O Supremo Tribunal Federal, finalmente, julgou o RE nº 634.764, sob a égide de Repercussão Geral, em que se discutia a incidência ou não do ISS sobre as vendas de “pules”. O imposto vinha sendo exigido pelo Município do Rio de Janeiro e contestado pelo Jockey Club Brasileiro, sob o fundamento de que tal cobrança configura tributação da renda de competência impositiva da União.
O Jockey Clube Brasileiro sustentava que o ISS só poderá incidir sobre o preço de venda do ingresso às suas dependências.
Em 2014, o Ministro Gilmar Mendes, Relator do Recurso Extraordinário, havia concedido a liminar ao recorrente para suspender a execução fiscal relativa à cobrança de ISS sobre as essas “pules”.
No julgamento do Plenário virtual realizado no dia 8-6-2020 foi proferida a seguinte decisão:
“Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 700 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Em seguida, por maioria, foi fixada a seguinte tese: "É constitucional a incidência de ISS sobre serviços de distribuição e venda de bilhetes e demais produtos de loteria, bingos, cartões, pules ou cupons de apostas, sorteios e prêmios (item 19 da Lista de Serviços Anexa à Lei Complementar 116/2003). Nesta situação, a base de cálculo do ISS é o valor a ser remunerado pela prestação do serviço, independentemente da cobrança de ingresso, não podendo corresponder ao valor total da aposta", vencido o Ministro Marco Aurélio. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 29.5.2020.
Para o Ministro Gilmar Mendes, os serviços de distribuição e venda de bilhetes e demais produtos de loteria, bingos, cartões, pules ou cupons de apostas se enquadram na clássica definição de serviços, posto que são atividades humanas prestadas com finalidade econômica. Há, portanto, um esforço humano dirigido à produção.
Serviço “é produto da atividade humana destinado à satisfação de uma necessidade (transporte, espetáculo, consulta médica), mas que não se apresenta sob forma de bem material” (Cf. Grande Enciclopédia Delta Larousse. Rio de Janeiro: Delta, 1970, vocábulo serviço).
A discussão em torno da tributação das “pules” vem de longa data. Em todas os Municípios onde se localizam os estabelecimentos do Jockey Club há demandas judiciais.
Sempre nos posicionamos pela sua tributação pelo ISS, porque consta expressamente da lista nacional de serviços, desde antes da desvinculação do conceito de serviços à relações jurídicas surgidas nas obrigações de fazer, posicionamento, então adotado pela Corte Suprema na vigência do Decreto-lei nº 406/68 e da Lei Complementar nº 56/ 87.
Mas, na vigência da Lei Complementar nº 116/03, de alguns anos para cá o STF iniciou a reinterpretação do texto constitucional consistente na expressão “definidos em lei complementar”. Concluiu-se que a Constituição deferiu ao legislador complementar a tarefa de definir os serviços tributáveis. Dessa forma, o STF superou o precedente firmado no RE nº 116.121 que decidiu pela adoção de um conceito de serviço vinculado a uma obrigação de fazer. No julgamento do RE nº 651.703 restou firmado o entendimento de que “o art. 156, III, da CRFB/88, ao referir-se a serviços de qualquer natureza não os adstringiu às típicas obrigações de fazer, já que raciocínio adverso conduziria à afirmação de que haveria serviço apenas nas prestações de fazer, nos termos do que define o Direito Privado, o que contrasta com a maior amplitude semântica do termo adotado pela Constituição, a qual inevitavelmente leva à ampliação de competência tributária na incidência do ISSQN” (RE nº 651.703/PR, Rel. Min. Luiz Fux, onde se reconheceu a existência de repercussão geral do tema ventilado, DJe de 26-4-2017).
Correta, portanto, a tributação da venda das “pules” pelo ISS que não se confunde com a venda de ingresso para assistir as corridas de cavalos. Por oportuno transcrevemos o que escrevemos em nossa obra específica:
“Pule é o nome dado ao bilhete de aposta na corrida de cavalos, ou de outros animais. Quando adquire um pule, por exemplo, no Jockey Club está o adquirente habilitando-se a participar do jogo e concorrer ao prêmio. Não deve ser confundido com o direito de ingresso ao local da corrida, que constitui modalidade de diversão pública tributada pelo subitem 12.10” [1].
Nota
[1] Cf. nosso ISS doutrina e prática, 2ª ed.. São Paulo: 2014, p. 237.