INTRODUÇÃO
A pandemia ocasionada pelo Covid-19 fez milhares de vítimas no Brasil, além de milhões de infectados. Por esse motivo, a população tem ficado alerta na prevenção com o uso de máscaras e outros mecanismos recomendados pelos órgãos sanitários. Todavia, apesar de o surto estar cada vez mais grave, alguns casos ocorridos no mundo mostram que algumas pessoas podem tentar passar intencionalmente o vírus, como ocorreu nos Estados Unidos e na Bélgica. Na legislação pátria, o Código Penal especifica o delito de perigo de contágio de moléstia grave, que, basicamente, consiste na prática de transmissão de algum tipo de enfermidade de modo intencional. Logo, é preciso averiguar a norma vigente e os casos ocorridos, para o devido alerta à sociedade.
1 - DOS CASOS OCORRIDOS NO EXTERIOR
Poucos dias atrás, duas pessoas foram observadas possivelmente tentando espalhar o coronavírus no exterior. Na Bélgica, há pouco tempo um homem foi detido após esfregar a própria saliva no mastro de um metrô[1]. O rapaz, que parecia estar embriagado, foi detido pela polícia após o ocorrido. O ato foi filmado e o local teve que ser esvaziado para a descontaminação. Nos Estados Unidos, mais precisamente na cidade de San Diego, estado da Califórnia, uma idosa foi flagrada tossindo de propósito em cima de um bebê. O caso ocorreu no dia 12 de junho e a polícia vem tentando identificar a autora do fato[2].
2 - DO CRIME DE PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE
O crime de perigo de contágio de moléstia grave consiste, basicamente, na contaminação, de forma proposital, por algum tipo de doença contagiosa. Assim, o Código Penal estabelece o delito em seu artigo 131:
“Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. [3]“
Conforme é preceituado pelo jurista Cleber Masson sobre os núcleos do tipo, são admitidos qualquer meio de execução para a prática delituosa:
O núcleo do tipo é “praticar”. Trata-se de crime de forma livre. Admite qualquer meio de execução dotado de capacidade para transmitir a moléstia grave, que pode ser direto, relativo ao contato físico (exemplos: beijo não lascivo, aperto de mão etc.), ou indireto, referente ao uso de objetos em geral (exemplos: copo d’água, xícara de café etc.). Moléstia grave é qualquer enfermidade que acarreta séria perturbação da saúde. É irrelevante seja incurável ou não, mas precisa ser transmissível, é dizer, contagiosa. A moléstia venérea, se grave, pode enquadrar-se no crime em análise, desde que o perigo de contágio não ocorra em razão de relação sexual ou de ato libidinoso, pois em tal hipótese incide o delito previsto no art. 130 do Código Penal. Em regra esse crime é comissivo. Nada impede, contudo, seja realizado por meio de uma omissão, quando o agente possui o dever de agir, nos termos do art. 13, § 2.º, do Código Penal (crime omissivo impróprio). Exemplo: Comete o delito o pai que observa um estranho espirrar no rosto de seu filho de pouca idade para transmitir-lhe moléstia grave e nada faz para impedir a reiteração deste comportamento ilícito. “ (Masson 2018, p. 159)
Fernando Capez também trata do tema, abordando como necessária a vontade explícita do agente de transmitir moléstia grave:
“Não basta a mera consciência e vontade do agente, molestado, de praticar ato capaz de produzir o contágio, pois o tipo penal exige, além dessa vontade genérica, uma finalidade especial escrita explicitamente no modelo legal, qual seja, “com o fim de transmitir a outrem a moléstia grave”. Ausente essa finalidade, não há o enquadramento legal da conduta ao tipo penal.
Desse modo, no tipo penal em estudo, há o dolo direto de dano acrescido do fim especial de agir: “o fim de transmitir”. Não se admite, na espécie, o dolo eventual de dano, em face de sua incompatibilidade com o elemento subjetivo do tipo, que exige expressamente que o agente queira transmitir a moléstia. “ (Capez 2019, p. 333)
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios é impecável ao tratar do tema, preceituando que pune-se o perigo de moléstia grave e a moléstia grave:
“APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE. IMPOSSIBILIDADE. TRANSMISSÃO DO VÍRUS HIV. DOENÇA INCURÁVEL. DELITO MAIS GRAVE. 1. De certo que delito previsto no artigo 131 do Código Penal, "perigo de contágio de moléstia grave", pune igualmente o agente que, imbuído com dolo de transmitir moléstia grave, pratique qualquer ato capaz de consumar seu intento, logre ou não êxito em produzir o contágio. Ou seja, pune-se tanto o perigo de contágio como um eventual efetivo contágio, que inegavelmente gera um dano à vítima. [4]“
3 - CONCLUSÃO
É necessário estar atento a possível prática delituosa de perigo de contágio de moléstia grave na contemporânea pandemia do coronavírus. Assim como ocorreu nos Estados Unidos e na Bélgica, os casos podem se repetir no Brasil, o que incidiria nos delitos previstos no artigo 131 do Código Penal. Logo, conforme fora abordado nesse artigo, qualquer um que pratica a disseminação de algum tipo de enfermidade grave, mesmo que de maneira tentada, irá estar infringindo a legislação pátria. Cabe destacar também que vivemos uma pandemia que oficialmente já infectou milhões de brasileiros, o que ocasiona uma maior probabilidade da prática delituosa ocorrer. Logo, é imperiosa a observação desse tipo de situação, para evitar um número maior de mortes no Brasil.
Referências
Capez, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial : arts. 121 a 212. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. s.d.
Masson, Cleber. Direito penal: parte especial: arts. 121 a 212. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
TJ-DF : 0000613- 10.2012.8.07.0008 0000613- 10.2012.8.07.0008 - 2ª TURMA CRIMINAL - 8 de Setembro de 2016 - RELATOR CESAR LOYOLA. (s.d.).
[3] (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm s.d.)
[4] (TJ-DF : 0000613- 10.2012.8.07.0008 0000613- 10.2012.8.07.0008 - 2ª TURMA CRIMINAL - 8 de Setembro de 2016 - RELATOR CESAR LOYOLA s.d.)