Urticária Crônica Espontânea e a tutela jurisdicional

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O artigo trata da patologia urticária crônica espontânea - UCE seu conceito, diagnóstico e, destacando o tratamento com omalizumabe (Xolair) e a interposição de ação judicial em caso de negativa de fornecimento pelo Estado ou Plano de Saúde.

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITO DO CONSUMIDOR – DIREITO DA SAÚDE

Antes de adentrar a questão jurídica da concessão da medicação, é mister esclarecer o conceito de urticária, que são lesões avermelhadas e/ou vergões (urticas), podendo surgir em tamanhos e locais variados; durando menos de 24 horas no mesmo local e reaparecendo em lugares diferentes, deixando a sensação de que estão se movimentando pelo corpo, um tipo de reação da pele que causa coceira intensa, e pode ser ou não acompanhada de angiodema (inchaço). Na urticária, muitos fatores externos como cosméticos, medicamentos, alimentos, produtos de limpeza e outros podem causar os sintomas. A Urticária será considerada crônica pela ocorrência diária ou quase diária de urticas por um período maior do que 6 semanas. E será diagnosticada como Urticária Crônica Espontânea (UCE) se envolver a produção de auto-anticorpos, que levam a liberação de histamina na pele, substância esta que provoca o aparecimento dos sintomas[1].

Algumas considerações importantes acerca da UCE, de acordo com a literatura médica: é uma doença crônica com grande impacto na qualidade de vida; não é causada por fatores emocionais ou psicológicos; não é causada por fatores externos, é uma patologia autoimune e, as mulheres são as mais atingidas. Calcula-se que acomete 1 milhão de brasileiros, sendo que cerca de 91% das pessoas desconhecem a doença[2]. Segundo a médica especialista em urticária e doenças alérgicas e Coordenadora da Ucare Dra. Rosaly Vieira dos Santos: É um trabalho em equipe, não só de médico especialistas e pesquisadores, mas de pacientes. Nossos principais objetivos são melhores a qualidade de vida dos pacientes com alergias e também promover o treinamento e a educação no campo da alergologia, em especial na urticária e angiodema. Vale lembrar que estamos caminhando para outras certificações para poder oferecer o que há de referência a nível internacional[3].

Para determinar o tratamento, inicialmente é feita uma avaliação clínica, por médico especialista. Destaca-se que, atualmente, existem 46 Centros de Referência - UCAREs (Urticaria Centers of Reference and Excellence) no mundo, sendo no Brasil: São Paulo, Curitiba, Salvador, Niteroi, João Pessoa, Juiz de Fora, Rio de Janeiro e Vitória.[4]

O diagnóstico da UCE (Urticária Crônica Espontânea) é complexo, pois é necessário descartar as possíveis causas de urticária física. Exames de auto-imunidade podem ser solicitados e complementam a investigação clínica[5].

Ressalta-se que há uma orientação conjunta de 42 sociedades das mais diversas partes do Mundo, chamada Guideline, que se trata de uma recomendação internacional aos médicos para tratar seus pacientes com UCE. A diretriz estabelece que o objetivo do tratamento é o controle completo dos sinais e sintomas da UCE. A última reunião foi realizada na cidade de Berlim em dezembro de 2016, aonde participaram da votação que levou à redação final do documento, publicado oficialmente no início de 2018. Assim, de acordo com o protocolo internacional são 4 passos:  "1ª e 2ª LINHAS: anti-histamínicos de 2ª geração, com doses que variam de acordo com a intensidade do quadro e experiência do médico assistente; "3ª LINHA: omalizumabe, um anticorpo monoclonal anti-IgE, que ao bloquear os auto-anticorpos impede a liberação de histamina; "4ª LINHA: ciclosporina, um imunossupressor que diminui a resposta imunológica e a hiperreatividade cutânea que existe na urticária.[6]

De acordo com a sociedade médica, cada medicação tem um tempo de reposta ao tratamento, no caso os anti-histamínicos são de 15 dias; o omalizumabe, que adota o nome comercial de Xolair, pode variar entre alguns dias até 6 meses e, a ciclosporina no mínimo 3 meses de observação. A diretriz global de UCE estabelece como a doença deverá ser tratada em todas as etapas (da 1ª linha até a 4ª), visando o controle completo dos sinais e sintomas da UCE[7].

Contudo, grande parte dos pacientes com UCE não obtêm controle completo dos sinais e sintomas mesmo com o uso de anti-histamínicos em doses otimizadas (que podem ser 4 vezes ao dia), e, por isso, necessitam de uma abordagem terapêutica diferenciada[8]. Especificamente acerca da 3ª linha, a medicação Omalizumabe (Xolair)[9] é um tratamento injetável imunobiológico, deverá ser aplicada por profissional de saúde e em unidade hospitalar, via subcutânea, na região deltoide. Tal medicamento se mostrou uma opção terapêutica segura com efeitos benéficos, melhora da qualidade de vida e, dos sintomas[10].

Menciona-se que no Brasil, o registro do medicamento foi aprovado pela Anvisa em 2004. Em 2016, o COMITEC (Comitê Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS) avaliou o pedido para inclusão do omalizumabe na lista do SUS, mas mesmo reconhecendo a eficácia do medicamento, optou por não aprovar a inclusão, em razão do custo elevado do medicamento.

Cita-se a Nota Técnica n. 39/12, de outubro de 2012, elaborada pelo Ministério da Saúde em caráter consultivo, para tornar mais acessível aos operadores do direito ás informações de cunho técnico e científico. 

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 196, prevê que a saúde é um direito de todos e dever do Estado e a proteção ao consumidor é um direito fundamental do ser humano e um dos fundamentos da organização econômica brasileira.

Acerca do procedimento para a concessão do tratamento injetável imunobiológico, depende do médico, que é dotado de soberania para decidir qual a melhor forma de tratamento para seu paciente. Deste modo, com a prescrição médica em mãos deve ser providenciado o pedido administrativo junto a Secretaria de Saúde ou do Plano de Saúde. O fato de o fármaco ser de elevado custo, ou de não constar expressamente no contrato não pode impedir o paciente de ter a cobertura ao tratamento que lhe foi prescrito. Caso haja a negativa de fornecimento da medicação, dever ser interposta ação judicial, com pedido de tutela provisória de urgência.

A respeito colaciona a Súmula: "Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS".

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Há diversos julgados sobre o assunto, destacando-se:

URTICÁRIA ALÉRGICA E URTICÁRIA CRÔNICA IDIOPÁTICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. OMALIZUMABE. PRESCRIÇÃO MÉDICA. RESPONSABILIDADE DOS ENTES PÚBLICOS. Em matéria de saúde pública a responsabilidade da União, Estados e Municípios é solidária, competindo-lhes, independentemente, de divisão de funções, garantir direito fundamental à vida e a saúde do cidadão. Jurisprudência pacificada. É dever do Estado, lato sensu, fornecer ao cidadão necessitado os meios de resguardo da sua saúde e vida. Parte autora, diagnosticada com urticária alérgica e urticária crônica idiopática, para o que prescrito pelo médico que lhe assiste o medicamento objetivando na demanda. Se o próprio Ente público apresenta resistência ao fornecimento de fármaco, não há como negar à parte necessitada o direito de buscá-la mediante o acesso à jurisdição.(...)apelação parcialmente provida, (Apelação Cível n. 70077178937, 21 Câmara Cível, Tribunal de Justiça de RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, julgado em 09/05/18).  

CONSUMIDOR E CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. RECUSA DE COBERTURA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. OMALIZUMAB. XOLAIR. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA 469, STJ. DIREITO À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO EM AMBIENTE HOSPITALAR. APELO IMPROVIDO. 1. Apelação interposta contra sentença que julgou procedente ação de obrigação de fazer relativa ao fornecimento do medicamento Omalizumabe, nome comercial Xolair, em face de plano de saúde. 1.1. Pretensão da ré de reforma da sentença. Alega que há vedação expressa em lei e no contrato de plano de saúde a excluir o fornecimento de medicamentos para o tratamento domiciliar. 2. A relação jurídica havida entre as partes está sujeita às diretrizes da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), bem como à disciplina da Lei 9.656/98, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde. 2.1. A jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça entende que "aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde" (Súmula 469-STJ). 3. O direito à saúde é elevado ao patamar de fundamental, porquanto objetiva atender ao mandamento nuclear da dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, inciso III, do art. 6º e do art. 196, todos da Constituição Federal. 4. O medicamento prescrito deverá ser administrado em ambiente hospitalar, em conformidade com o relatório médico. Portanto, não prospera a alegação da operadora de plano de saúde no sentido de existir vedação expressa em lei e no contrato quanto ao fornecimento de medicamentos para o tratamento domiciliar. 5. Apelo improvido. (TJ-DF 07013979420188070020 DF 0701397-94.2018.8.07.0020, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 28/11/2018, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 04/12/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.).

Por fim, a ilegalidade da negativa do tratamento com Xolair deve ter a intervenção judicial para determinar o tratamento do paciente.


Referências:

[1]  Acesso site: https://saude.novartis.com.br/urticaria/o-que-e-urticaria, em fevereiro de 2020.

[2] Jornal Edição do Brasil, em 17 de maio de 2018.

[3] Médica Pós-doutora em Urticária no serviço de Alergia e Dermatologia do Hospital Charite, Berlim, Alemanha. Acesso Site: paranashop.com.br, em junho de 2020.

[4] Acesso site: site: www.ga2len-ucare.com, em junho de 2020.

[5] Acesso site: www.ga2len-ucare.com, junho de 2020.

[6] Acesso site: https://saude.novartis.com.br/urticaria/, em fevereiro de 2020.

[7] Acesso site: https://rmconsult.blogspot.com/2018/08/protocologlobal-de-tratamento-e.html, em fevereiro de 2020.

[8] Acesso site: https://saude.novartis.com.br/urticaria/tratamentos-para-a-uceurticaria-cronica-espontanea/, em fevereiro de 2020.

[9] Bula: Asma alérgica Xolair® age bloqueando uma substância chamada imunoglobulina E (também conhecida simplesmente como IgE que é produzida pelo nosso corpo. IgE tem um papel fundamental na causa da asma alérgica. A dosagem sanguínea de IgE deve ser medida pelo seu médico antes do início do tratamento com Xolair. Urticária Crônica Espontânea Xolair age bloqueando uma substância chamada imunoglobulina E (também conhecida simplesmente como IgE) que é produzida pelo nosso corpo. Como consequência, a atividade de receptores e/ou células específicas do corpo que desempenham uma função importante no aparecimento da urticária crônica espontânea é reduzida. Isto leva à redução de sintomas como coceira e lesões de urticária.

[10] Acesso site: http://www.rbac.org.br/artigos/efetividade-da-administracao-deomalizumabe-para-tratamento-de-pacientes-com-urticaria-cronicaespontanea/, em fevereiro de 2020.

Sobre os autores
Janaina Rosa Brostolin

Graduada em Direito pela Univali em 2001, Pós-Graduada em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor em 2016, sócia e atuante na área de Direito médico no Escritório Pinto da Luz Advogados, escritora do Livro Comentários a Lei Maria da Penha e as Políticas Públicas para as Mulheres, membro da Comissão de Direito a Saúde da OAB/SC.

Carlos Rodolpho Glavam Pinto da Luz

Graduado em Direito, Pós-Graduado em Ciências Criminais, advogado, docente, palestrante e membro da Comissão de Direito Médico da OAB. O Escritório Pinto da Luz é especializado em Direito Médico .

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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