O Instituto Jurídico da Requisição Administrativa e Seus Aspectos Jurídicos em Tempos de Pandemia do COVID-19

01/07/2020 às 12:06
Leia nesta página:

Aspectos da requisição administrativa, sua discussão legal, formal e pontual.

O Instituto Jurídico da Requisição Administrativa e Seus Aspectos Jurídicos em Tempos de Pandemia do COVID-19

 

 

 

I – INTRODUÇÃO

 

 

O Poder Púbico e a iniciativa Privada tem enfrentado as dificuldades do cotidiano nesse momento de pandemia do COVID-19, cada um na sua esfera, onde a “guerra” pela sobrevivência de CPF’s e CNPJ’s, tem se tornado a linha tênue de suas atividades.

 

De um lado temos o Estado, exercendo a supremacia do interesse público, utilizando o poder de polícia e a intervenção estatal, buscando suprir as demandas da sociedade no combate ao coronavírus. Na outra banda temos a empresa privada, visitada sem permissão, invadida e impedida de questionar, haja vista a legalidade das medidas avocadas.

 

Nesse contexto, estamos diante do instituto jurídico, denominado de “Requisição Administrativa”, tema que abordaremos de forma suscinta a seguir.

 

 

II – DESENVOLVIMENTO

 

 

A Constituição Federal em seu art. 5º, Inciso XXV, afirma que:

 

 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

 XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;”

 

Nesse sentido, já vemos que a Carta Magna traz a regra da “segurança e à propriedade”, porém, regulamenta também a exceção, “a autoridade competente poderá usar de propriedade particular”.

 

É de bom alvitre destacar que a própria CF preceitua que a autoridade só poderá se utilizar deste instituto jurídico constitucional, no caso de iminente perigo público e assegurado ao proprietário indenização ulterior.

 

De pronto e sem maiores discussões, vemos que tal instituto jurídico é regulamentado na Constituição da República.

 

A doutrina jurídico-administrativa há tempos já tratava do tema “Requisição Administrativa”, como cita o eterno administrativista Hely Lopes Meirelles, vejamos:

 

“requisição é a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Poder Público por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas urgentes e transitórias”. (Direito administrativo brasileiro. 35. ed. (atual. Eurico Azevedo et al.) São Paulo: Malheiros, 2009.)

 

Ressalta-se que a Lei nº 8.080/1990, em seu inciso XIII, art. 15 já regulamentava que:

 

“Art. 15  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições:: 

(...)

XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização;” GRIFAMOS

 

A lei nº 13.979/2020, que prescreve uma série de medidas a serem adotadas para enfrentar a emergência, em face da pandemia do coronavírus, dentre elas a “requisição administrativa”, trouxe à tona esse instituto jurídico adormecido, trazendo à baila, uma discussão doutrinária e seus impactos sociais.

 

O art. 3º, inciso VII da lei nº 13.979/2020 regulamenta que, in verbis:

 

“Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: 

(...)

VII - requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa;” GRIFO NOSSO

 

Pois bem. Como citado acima, temos que o referido instituto jurídico da “requisição administrativa”, é legal e aceito na doutrina há bastante tempo, porém, neste último existem divergências.

 

Não obstante, temos visto no contexto do período da pandemia, que tal intervenção estatal na propriedade privada, tem gerado alguns traumas às pessoas jurídicas atingidas, e, em que pese ser “legal”, é necessário se discutir a “forma” que tem sido realizadas tais requisições.

 

É público e notório que a forma policialesca das requisições tem sido o cerne das discussões jurídicas, pois, o Estado visando atingir um “bem maior” que é a saúde do cidadão, tem utilizado todas as armas legais e de força que tem à disposição, muitas delas de formas discutíveis e a empresa privada se tornando alvo vulnerável diante da supremacia do interesse público.

 

Contudo, dentro de uma situação de pandemia como esse que estamos vivenciando, partindo da lógica legal e natural que todo bem requisitado será indenizado, acredito que a requisição de bens seria possível, devendo se evitar o estilo polialesco de sua formalização, como também, a força estatal deve ser rediscutida de forma que a requisição seja realizada, de um jeito menos dolorido ao requisitado.

 

Ressalta-se que, nesse caso, não estamos entrando no mérito da vontade política do gestor público em realizar ao tempo e a contento o citado pagamento indenizatório, tampouco no trauma sofrido pelo ente privado em ter seu negócio invadido e ver seu estoque ser levado sem a sua livre vontade, apenas na questão da legalidade.

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Não obstante, a requisição de serviços me parece um tanto mais complexa e complicado, haja vista que está lidando com um profissional liberal que deverá ficar à disposição do Estado e realizar seus serviços no local estipulado pelo requisitante.

 

Será que ao requisitar “serviços dos leitos hospitalares”, vai o “pacote completo”, ou seja, a ala do hospital, a cama do hospital, o aparelho médico, o remédio, o médico, o enfermeiro, o fisioterapeuta? Um determinado hospital poderia ficar funcionando com uma parte “requisitada” e outra “aberta ao público”?

 

Por isso citamos anteriormente que nesse caso, acho mais complicada tal situação. Contudo, a lei fala em bens e serviços e o caso concreto deverá ser discutido e analisado.

 

No tocante a requisição administrativa entres entes federativos, a situação diverge ainda mais, temos visto ultimamente, nesse período de pandemia do COVID-19, uma batalha entre União, Estados e Municípios, no intuito de requisitar “respiradores” para a luta maior que é a luta pela vida humana.

 

Muitos entes federativos lançaram mão de decretos para regulamentar o instituto da requisição administrativa no seu âmbito local.

 

Nesse contexto, da batalha entre entes federativos uma guerra jurídica se deu nesse âmbito, onde a União, exercendo seu o chamado “poder maior”, requisitou respiradores de outros entes “menores”, como os Estados.

 

Diante disso, o egrégio STF na ACO 3.385/MA, de relatoria do eminente Min. Celso de Melo, decidiu em 20/04/2020, contra a requisição, pela União, de ventiladores pulmonares adquiridos pelo Estado do Maranhão. Neste processo, a decisão cita o MS 25.295, para consignar o fundamento de que o STF “entende inadmissível a prática, mesmo quando efetivada pela União Federal, desse ato requisitório em face de bens públicos”.

 

Vale mencionar as palavras de Ronny Charles e Carmem Boaventura, em seu artigo sobre o tema, onde diz que:

 

“Ora, se a requisição administrativa é uma modalidade de intervenção na propriedade alheia, decorrente da situação de perigo público iminente, é interessante indagar: ela seria possível sobre bens públicos? Seria admissível a requisição de bens públicos municipais ou estaduais, por parte da União?” (Disponível em https://ronnycharles.com.br/o-instituto-da-requisicao-administrativa-a-luz-da-lei-no-13-979-2020/).

 

In casu, o mesmo autor acima diz que: “Ao tratar do tema, o STF, no MS 25.295-DF[18], decidiu pela “inadmissibilidade da requisição de bens municipais pela União em situação de normalidade institucional, sem a decretação de Estado de Defesa ou Estado de Sítio”.

 

Como vemos no decorrer do nosso apontamento, estamos diante de uma situação, difícil, legal, incoerente e necessária. É “difícil”, porque parte da premissa de uma pandemia, porém, dentro das normas vigentes, ou seja, “legal”, diametralmente “incoerente”, por invadir o ente privado sem a sua vontade, entretanto, haja vista a situação de saúde pública se torna “necessária”.

 

 

III – CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, o instituto da Requisição Administrativa encontra amparo legal, seja de ordem constitucional ou infraconstitucional.

 

A Lei nº 13.979/2020, trouxe a tona um instituto jurídico esquecido nos manuais de direito administrativo e junto com ela um contexto de repensar sua viabilidade.

 

É prudente evitar a forma polialesca da requisição, buscando novas formas de realizar e concretizar tal instituto.

 

Por fim, a pandemia nos apontou para uma situação jurídica difícil, legal, incoerente e necessária.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990;

 

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, publicada no DOU de 20.9.1990 (Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm);

 

BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, publicada no DOU de 7.2.2020 (Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm);

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. (atual. Eurico Azevedo et al.) São Paulo: Malheiros, 2009);

 

BOAVENTURA, Carmen Iêda Carneiro e DE TORRES, Ronny Charles Lopes. Artigo: O INSTITUTO DA REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA À LUZ DA LEI Nº 13.979/2020. (Disponível em https://ronnycharles.com.br/o-instituto-da-requisicao-administrativa-a-luz-da-lei-no-13-979-2020/).

 

 

Autor: JÚLIO CESAR LOPES SERPA – Advogado e Contador – Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais – Esp. Em Direito Tributário, Auditoria e Perícia Contábil – Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados Associados – Coordenador Jurídico da Controladoria Geral do Estado da Paraíba.

Sobre o autor
Júlio Cesar Lopes Serpa

Advogado e Perito Contador; Doutor em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Tributário, Auditoria e Perícia Contábil; Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados Associados; Coordenador Jurídico da Controladoria Geral do Estado da Paraíba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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