O atual contexto sociopolítico brasileiro, destacadamente após a crise institucional que acompanhara o país desde o ano de 2013, denota o crescente anseio e relevância que a Justiça Eleitoral tem tomado, à luz das transformações sociais e novas tecnologias, que, com o avanço social e a constante evolução e alteração da realidade diária, trazem à baila a busca dos cidadãos pela efetivação de seus direitos.
A chamada revolução tecnológica, tem ganho importante destaque nos meios cotidianos quando se analisa os grandes feitos contemporâneos e avanços socioculturais, em comparação com as realidades históricas vivenciadas pelos períodos de revolução industrial do período da modernidade. Sabe-se que a sociedade atual, graças a globalização e a incrível diminuição de distâncias entre povos, causada pelo advento de tecnologias como a internet, por exemplo, foi capaz de mostrar uma nova realidade a todas as pessoas do mundo, misturando ideologias e culturas dos mais diversos tipos.
Juntamente com essa revolução, oriunda da grande transformação vivida nos últimos anos, se verifica, também a grande transformação do Direito, vez que como uma matéria atemporal, deve-se sempre estar acompanhando os anseios da sociedade, frente suas crenças e expectativas. Para tanto, diariamente, se verifica que novas questões postas ao judiciário estão sendo solucionadas com os adventos e a utilização de novos conceitos e definições que a modernidade trouxe.
O tema que atualmente tem se sobressaído nos noticiários é a tentativa de solução da crise interna institucional enfrentada pelo Brasil, tema esse que perpassa certo descrédito tomado pela população frente à democracia como regime de governo.
O autor Luís Roberto Barroso[1] em sua obra “Revolução Tecnológica, crise da democracia e Mudança climática: limites do Direito num mundo em transformação”, enuncia três grandes transformações e aflições que permeiam o Século XXI, sendo essas a Revolução Tecnológica, que já se fora destacada acima, a crise da democracia, e o aquecimento global.
Para análise dos anseios da sociedade brasileira nos tempos atuais frente às suas expectativas sobre a Justiça Eleitoral, o tema a ser destacado no presente texto e que tem mais se evidenciado no cenário moderno é a crise da democracia. Nos últimos anos, em muito tem se discutido a fragilidade democrática a que as sociedades ocidentais enfrentam, uma vez que os países têm enfrentado grandes crises internas de cunho político, nas quais eleições tornaram-se um ringue de valores contrapostos em que a sociedade é a mais prejudicada. Nesses momentos verifica-se a crescente importância do Poder Judiciário no alcance dos objetivos sociais e reformadores pretendidos pelos cidadãos.
Diversos são os exemplos de democracias pelo mundo que se encontram em uma situação de graves crises, notadamente após a liderança de algum político que que possua tendências antidemocráticas. O autor Luís Roberto Barroso destaca em sua obra que a grande causa política que motiva tais crises encontra-se na crise de representatividade das democracias contemporâneas, uma vez que o processo eleitoral não está conseguindo dar voz e relevância à cidadania.
Tal aspecto de crises institucionais é destacado no livro “Como as Democracias Morrem” dos autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt[2], no qual evidencia que situações históricas ocorridas no século passado, por exemplo, períodos antidemocráticos vivenciados por povos, tais como a passagem de Hitler e Mussolini no poder, assim como Pinochet no Chile e demais situações, e suas influências na fragilidade das democracias contemporâneas, que ainda custam para se enrijecer.
Quando se analisa o âmbito interno brasileiro, o artigo “O Pêndulo da Democracia no Brasil” do autor Leonardo Avritzer[3], é ímpar na ilustração da derrocada da democracia brasileira desde sua origem, revelando haver em sua história momentos de maior expressão da democracia e momentos de menor expressão. E tais motivos, foram essenciais para a construção da mentalidade moderna do brasileiro, que deposita suas esperanças no Poder Judiciário, denotadamente na Justiça Eleitoral e na Suprema Corte para a resolução de conflitos políticos.
O papel da Justiça Eleitoral, em sua concepção, com o Governo de Getúlio Vargas, em 1932, visou como objetivo criar algum elemento de legitimidade jurídica na proclamação e na contestação dos resultados eleitorais, haja vista que à época, as reiteradas eleições da chamada República do Café com Leite na eleição de Presidentes dos eixos São Paulo e Minas Gerais, era um tanto questionável e vista com descrédito pela população.
A criação do Código Eleitoral em tal época, através do Decreto nº 21.076/32, acrescentou mudanças ímpares na no sistema eleitoreiro brasileiro, vez que além da criação da própria Justiça Eleitoral, adotou também o voto feminino e o sufrágio universal, através do voto direito e secreto. Conforme se depreende da leitura do artigo “Código Eleitoral e Justiça Eleitoral” do autor Pedro Soares Muñoz[4], a idealização do código eleitoreiro não visava corrigir as problemáticas sociais existentes, mas ajudava a corrigir distorções do meio político.
Posteriormente, com o advento da Constituição de 1988, a Justiça Eleitoral tomou um papel ímpar no ordenamento jurídico interno brasileiro, sendo a ela atribuídas funções muitos importantes de fiscalização e legitimação das eleições, assim como, de proteção dos interesses do povo brasileiro, uma vez que por meio dessa que se alcança a cassação de mandatos eletivos de políticos eleitos.
No mais, o Código Eleitoral, Lei nº 4.737/65, recepcionado pela Constituição Federal de 1988, ressalta a competência da Justiça Eleitoral para a cassação tanto de mandatos eletivos, assim como de registros de partidos políticos, ressalvadas, claro, suas as competências internas dentre seus órgãos componentes. E ainda, a Lei Complementar 64/1990 estabelece os casos de inelegibilidades a serem observados pela Justiça Eleitoral quando do pleito de cargos políticos.
Desta feita, atualmente, como se verifica, o momento vivido pelo Brasil é de uma crise democrática, em que as instituições componentes e seus Poderes encontram-se enfraquecidos e permeados pelo descrédito da sociedade. Assim, visando a observância de seus direitos, à luz da Constituição Federal, passam a depositar suas crenças no Poder Judiciário como último guardião de seus interesses.
A Lei Complementar nº 135/2010, a Lei da Ficha Limpa, é o maior exemplo destacável dos pressupostos abordados na presente dissertação. Trata-se de uma Lei de iniciativa popular que claramente fixa a existência de uma crise democrática, na qual revela a existência candidatos inidôneos que se utilizam de sua influência e de artifícios ilegais para se perpetuarem no poder, assim como, denota o anseio popular pela sua proteção frente a tais candidatos, a ser promovida pela Justiça Eleitoral, como suposto guardião dos interesses políticos dos brasileiros, para promover o seu impedimento de candidatura ou até a cassação de seu mandato eletivo.
O autor Leonardo Fernandes de Souza[5] em seu artigo “Jurisprudência Eleitoral e Soberania Popular: (I) Legitimidade de Cassação nas Ações Eleitorais (Aime e Rced) ” ressalta a situação da recepção da Lei da Ficha Limpa junto aos Tribunais Regionais eleitorais e denota em suas razões a questão da soberania popular frente as eleições, tão garantida pelo sufrágio universal garantido pela Constituição.
Segundo ressalta o autor, as cassações de mandatos de políticos são consequências claras de quando suas atitudes são afrontas e tentativas de manipular a soberania popular dos cidadãos, seja por quando sua motivação se baseia em captação ilícita de sufrágio, seja por corrupção eleitoral ou fraude.
Assim o papel garantidor da efetivação da democracia deve e é realizado diariamente pela Justiça Eleitoral, quando em suas atividades deve fazer de tudo para efetivar e dar validade aos votos exercidos de maneira livre pelos cidadãos, e, de outro lado, visando a soberania popular cabe ao próprio órgão também invalidar esses mesmo votos quando destinados a quem tenha cometido abusos políticos ou econômicos em face de mandato eleitoral.
Desta feita, se mostra a linha tênue a que se recai a competência da Justiça Eleitoral, uma vez que a depender das razões dos magistrados que estão investidos em tal cargo, a democracia poderá está sendo ou ampliada ou suprimida, quando por razões insuficientes se determina a cassação de um mandato eletivo, ao qual fora coberto de votos de boa-fé dos cidadãos no próprio exercício de sua cidadania.
Nesse sentido, há de existir elevada maturação da Justiça Eleitoral nos casos que possam gerar eventual cassação de mandato, uma vez que o panorama atual de ataques aos governos democráticos e crise institucional, ante a máxima de ausência de representação política nos poderes públicos, gera uma pressão demasiada elevada sobre os magistrados, que em suas mãos possuem o poder de legitimação dos anseios democráticos. Logo, não se podem permitir influenciar-se ao panorama geral que arrodeia a política para evitar injustiças e a potencialidade de tornar mais frágil a situação da democracia no país.
Portanto, no atual contexto social do país Justiça Eleitoral se faz como elemento último de esperança dos brasileiros na proteção de seus interesses e na solução dos conflitos internos, para assim, cada vez mais, visar a saída da situação de crise e consolidar o regime democrático brasileiro.
Notas
[1] BARROSO, Luís Roberto. Revolução Tecnológica, crise da democracia e Mudança climática: limites do Direito num mundo em transformação. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 3, p. 1262-1313, set./dez. 2019.
[2] LEVITSKY, Steven. ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
[3]AVRITZER. Leonardo. O Pendulo da Democracia no Brasil. Novos estudos – CEBRAP. Mai. – ago. 2018.
[4] MUÑOZ, Pedro Soares. Código eleitoral e a Justiça eleitoral. Revista de direito administrativo. Ed. 154. Rio de Janeiro out. – dez. 1983. P. 20 – 80.
[5] SOUZA, L. F. de. Jurisprudência eleitoral e soberania popular: (i)legitimidade de cassação nas ações eleitorais (aime e rced). Rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR. Umuarama. v. 20, n. 1, p. 73-87, jan./jun. 2017.