Favela, preconceito e desigualdades socias: Uma análise sobre a música Aba Reta.

02/07/2020 às 17:25

Resumo:


  • A música ressignifica preconceitos e conceitos, aproximando-se da realidade dos povos, como o da Favela.

  • A letra da música "Aba Reta", interpretada por Igor Kannário, desmistifica preconceitos sobre os moradores de favelas.

  • É necessário ressignificar o conceito de sociedade, promovendo igualdade de oportunidades e combatendo discriminações.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O texto avalia o preconceito vivido pelos habitantes das zonas periféricas e marginalizadas, nas quais conhecemos como Favela , fazendo com que o leitor faça uma relfexão sobre a discriminação e o preconceito em torno destas pessoas .

Não é de hoje que a música ressignifica muitos preconceitos e conceitos. Ela, a música, nos aproxima de tudo, se transforma inclusive na voz de um povo. Em especial do povo da Favela que é tão rechaçado e ao mesmo tempo tão rico de valores.

A música, para quem vive na Favela se transforma numa espécie de apartheid brasileiro que rompe o silêncio e as barreiras da marginalização para transcender a opinião preconceituosa da maioria e bradar suas necessidades, sonhos, qualidades e realizações.

Por este prisma, em uma correlação mais íntima da música com questões sociais na letra de Aba Reta, interpretada por Igor Kannário é possível encontrar endosso para desmistificar o pensamento equivocado sobre o povo favelado.

Antes de mais nada, a conotação pejorativa ou não, do termo “favelado” está na acepção de cada um que o interpreta. Porque quem mora na Favela tem orgulho de quem é e daquilo que conquista todo dia, mas sofre com o esteriótipo de marginalização que sempre é dado . Esse povo tão sofrido quer o que todos nós queremos , que são o respeito, visibilidade, acesso a políticas públicas efetivas, inclusão social e acima de tudo esse povo, o nosso povo, quer paz!

Nem tudo na Favela é dor, criminalidade e fracasso, logo, antes de apontar o dedo da crítica, conheça-os!

Por estarem à margem, acabam criando um estilo próprio de vida, de sobrevivência, obviamente estamos diante de localidades em que o poder público precisa chegar com mais frequência e ofertar aquilo que seja efetivamente justo. Ninguém quer políticas públicas vazias, até para homenagear o princípio da efetividade da administração pública.

Em uma relação intimista com o tema, ao interpretar Aba Reta, o cantor Igor Kannário descreve, a relação preconceituosa que à primeira vista muitos tem com a favela e por conseguinte, com o favelado. Diz sua letra, o seguinte:

"Se meu traje te incomoda

Lá no gueto eu tô na moda

Se minhas gírias te ofendem

Todos lá me compreendem

Meu caráter anda comigo

Quem vê cara, não vê coração

O que é que aba reta tem a ver com ser ladrão?

Só queria entender, alguém pode explicar

O que tem de errado com meu jeito de andar

Sou da periferia, mas também sou irmão

Preconceito gera violência

Se ligue na ideia, negão!

Aba reta e um bermudão

Mão na cabeça, deve ser ladrão

Tá de terno e paletó

O cara é santinho, primo do major

Coloquei minha Cyclone e a Kenner no pé

Pegada segura que é da ralé

Quando essa gente vai entender

Minha roupa não muda o meu jeito de ser!"

A Favela, também chamada de periferia, vive na contramão do que preceitua o artigo  da nossa Constituição Federal de 1988 , onde em seu diploma legal indica que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. E onde está tudo isso na Favela? É a pergunta que não quer calar.Que nos responda então o poder púlbico onde foi parar a efetividade do artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos ?

Sendo assim, passou da hora do artigo  da CRFB/88 sair do papel e subir o morro (por meio dos nossos representantes e de toda sociedade) passando a tratar de forma isonômica o povo favelado, que também é brasileiro.

Para que se equilibre as desigualdades e se feche o abismo social criado pela não aplicação dos direitos e garantias fundamentais movidos pela falta de políticas públicas adequadas que enraízam a dita “margem”, é preciso ressignificar o conceito de sociedade trazendo para o contexto social , aqueles que estão em situações periféricas e marginalizadas , promovendo oportunidades iguais , sem qualquer discriminação.

Obviamente, não se pode generalizar a questão da política, dos políticos e sociedade no que tange serem ou não preconceituosos. Antes de mais nada a primeira lição é despir-se do preconceito porque é algo que nos torna medíocres, basta, então, entender que somos diferentes uns dos outros, e o equilíbrio dessa relação está no respeito.

Ninguém nasceu pra ser igual, as pessoas têm que parar de preconceituar a aba reta e o bermudão em face do terno e do paletó. O preconceito diminuiu nosso raciocínio e nos torna prisioneiros do medo, o que acaba gerando a violência.

A música, mencionada neste texto revela o distanciamento social criado por meio do preconceito, vale lembrar que a geolingüística da Favela, as gírias popularmente conhecidas, não podem sem taxadas como um fator que ligue o favelado ao crime.

Até porque as regiões brasileiras são riquíssimas em dialetos, logo, porque discriminar só o que vem da Favela já que ela faz parte do Brasil? O raciocínio de quem marginaliza e discrimina leva a uma “miragem” como se ilusoriamente tivéssemos um país chamado Favela e outro chamado Brasil, num único espaço geográfico. Isso é no mínimo inadmissível!

Outro gatilho, disparado pela discriminação social e que também versa a música Aba reta, fala sobre roupa (grifes), vindo à tona o preconceito com o jeito de vestir, vejam que não é só o ser humano o alvo de discriminações, grifes também fazem parte dessa lamentável estatística.

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Situação interessante posta à baila, pelo preconceito, é tentar tornar o favelado um povo invisível. As pessoas só esquecem que a situação de invisibilidade pode ser vivida a qualquer momento por qualquer brasileiro, nem precisa ser de lá.

Diante da atual situação do país, não é só o favelado que se tornou um invisível, nós, a sociedade brasileira , estamos em completo estado de invisibilidade porque nos falta tudo. Sobrando em larga escala a corrupção.

Ainda na reflexão proposta pela música, nos alerta para julgamentos feitos por conta da aparência e se faz mister entender que a discriminação nos enfraquece e cria um abismo social maléfico. A roupa, a geolingüística, o endereço não são fatores preponderantes para se identificar quem é o mocinho ou o bandido.

Oportunamente vale ressaltar que Favela, assim como qualquer outro lugar, tem sua rotina, representatividade política, gera fonte de renda e economia para o país, um povo que é carente, mas ao mesmo tempo é aguerrido e trabalhador. Vive do jeito que pode e que se orgulha de cada vitória. Tem criminalidade? Tem. Aponte um local que não haja?

Favela representa a garra de um povo, o favelado, que ao acordar cedo para trabalhar ou estudar todos os dias, diz não as dificuldades. Ser da Favela é ser dono de si mesmo, é dizer não ao preconceito tomando as rédeas do seu destino. Aquele que dá como resposta ao preconceito, sua força de vontade, mostrando que é brasileiro e como tal, não foge à luta.

Por fim, qualquer dia desses um de nós, vai levantar as mãos, em uma “batida” policial para averiguações , e quando as levantar pondo-as na cabeça, sabendo que aquilo é apenas um procedimento operacional padrão que por obediência civil vai ter que cumprir , entenderá ali, que mão na cabeça nem sempre tem a ver com ser ladrão .

Referências:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm

https://www.letras.mus.br/igor-kannario/aba-reta/

https://nacoesunidas.org/artigo-25-direitoaum-padrao-de-vida-adequado/

Sobre a autora
Patrícia Barros

Advogada , militante nas áreas do direito Penal, Ciivil e Administrativo. Professora de graduação e Pós Graduação, Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA ,idealizadora do projeto Diálogos Penais,participa ativamente e voluntariamentena rede solidária da Patrulha Maria da Penha( projeto mãos que acolhem da PMMA), ministra aulas e palestras em algumas secretarias de estado também é Criminóloga pela PUC Minas e parceira em diversos projetos sociais locais .

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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