Judicialização das ações afirmativas

Analisando a questão das cotas

Leia nesta página:

O analisa aspectos da judicialização das ações afirmativas com ênfase nas cotas. Conclui-se que as ações afirmativas tentam equilibrar os lados da balança social, que há muito pendem apenas para as classes dominantes.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar aspectos relacionados à judicialização das ações afirmativas com ênfase nas cotas. Conclui-se que as ações afirmativas tentam equilibrar os lados da balança social, que há muito pendem apenas para as classes dominantes. Ficou evidente que a situação do negro no Brasil, em termos de inclusão em universidades, melhorou de forma significativa, o que prova a importância desta política de cotas. Dados do IBGE compravam que, em 2004, 16,7% dos alunos pretos ou pardos, conseguiram ingressar em uma faculdade. Este artigo foi desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Judicialização. Ações afirmativas. Política de Cotas.  Negros.

 ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze aspects related to the judicialization of affirmative actions with emphasis on quotas. This is a bibliographical research. We conclude that affirmative action attempts to balance the sides of the social balance, which have long rested only for the ruling classes. It was evident that the situation of the black in Brazil in terms of inclusion in universities improved significantly, which proves the importance of this quota policy, data from the IBGE bought that in 2004, 16.7% of black students or pardos were able to join in a faculty. This article was developed through bibliographic research.

 Keywords: Judiciary. Affirmative actions. Quotas Black.

   1 INTRODUÇÃO

 A judicialização das políticas públicas é estigmatizada como o ato de transferir poder dos órgãos tradicionais: Executivo e o Legislativo, para juízes e tribunais. Lulia e Pellicciari (2016) ressaltam que, desde o período da Segunda Guerra Mundial, questões relacionadas ao aspecto moral, político e social estão sendo tratadas no âmbito do Poder Judiciário.  

Em suma, trata-se da intervenção do poder judiciário na efetivação de políticas públicas, isto ocorre quando há falhas da intervenção do poder executivo e legislativo nas questões sociais.  

Mediante estes aspectos, a judicialização passou a ser analisada a partir de dois ângulos: para alguns, isto vai contra o Princípio de Separação dos Poderes, para outros, “se trata de fenômeno cuja consequência direta é justamente a omissão do Poder Legislativo e Executivo, sendo essencial para a definição de políticas públicas e concretização de determinados direitos fundamentais” (LULIA, PELLICCIARI, 2016, pág. 1).

Feita esta breve descrição de judicialização, pode-se caracterizar ações afirmativas como as ações (especiais e temporárias) estabelecidas pelo Estado de forma espontânea ou compulsória, cujo objetivo é eliminar ou amenizar as desigualdades que foram se acumulando com o passar dos tempos (KAUFMANN, 2007, pág. 34). Para a autora, trata-se de garantir que todos tenham acesso as mesmas oportunidades e tratamentos, compensando assim as perdas que são consequências de atos discriminatórios e marginalizados por motivos étnicos, religiosos, de gênero, etc.   

Tratando-se do sistema de cotas é importante ressaltar que, apesar de ser considerado uma forma de garantir o acesso dos menos favorecidos em universidades, os negros e estudantes de família de baixa renda ainda enfrentam vários dilemas após o ingresso. Por exemplo, entre os anos de 2010 e 2012 foram intentadas diversas demandas judiciais contra atos administrativos da Universidade Federal do Maranhão, ações estas que se contrapõem aos princípios e diretrizes estabelecidos a partir da implementação da política de cotas raciais na instituição (CARVALHO, 2016, p. 61).  

Estes problemas aconteceram em universidades de outros estados, como por exemplo, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ (SANTOS 2015, pág. 22). São situações que mostram o quanto ainda é preciso avançar para a superação destes problemas. Destarte, procura-se, através deste artigo, elencar alguns argumentos relacionados ao tema em questão, tomando como base autores da área jurídica, leis e decretos federais.  

 2. O ESTADO DEMOCRÁTICO E A AUTONOMIA DOS PODERES

 A judicialização foi um processo que demandou muitas transformações a nível social, político e jurídico, chamando para uma discussão acerca de políticas públicas em prol da busca por igualdade entre os indivíduos. Castro (1997), analisa o impacto político do comportamento do Supremo Tribunal Federal, entendendo que a judicialização da política promoveu uma interação entre os poderes, o que não é, necessariamente, prejudicial à democracia; pelo contrário, esta constitui requisito da expansão do Poder Judiciário e transformações indispensáveis para o desenvolvimento social de milhares de pessoas que por algum motivo, não tiveram as mesmas oportunidades.

O autor salienta que:

 Nesse sentido, a transformação da jurisdição constitucional em parte integrante do processo de formulação de políticas públicas deve ser vista como um desdobramento das democracias contemporâneas. A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostra falho, insuficiente ou insatisfatório. Sob tais condições, ocorre uma certa aproximação entre Direito e Política e, em vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um ‘direito’ e um ‘interesse público’, sendo possível se caracterizar o desenvolvimento de uma ‘política de direitos’ (CASTRO, 19997, p. 148).

 O Estado de Direito Democrático estendeu do princípio da legalidade, que passou a alcançar, atos normativos, princípios e valores consagrados de forma expressa ou implícita na Lei Maior. Por conseguinte, provocou a diminuição da discricionariedade praticada pela administração pública, em razão da dilatação do controle judicial sobre os atos da administração.

De acordo com Branco (2007), o Estado de Direito surge liberal, direcionado para a redução do poder em face da liberdade, da proteção dos direitos individuais. Surge então a expressão Estado Liberal de Direito. Constituída mediante tripartição de funções (poderes), da legalidade, da isonomia, da judicialidade.

Talvez a maior prova dessas medidas inovadoras, modernas e democráticas sejam as normas sobre os direitos e garantias fundamentais espelhadas por todo o texto da Carta de 1988, cujos destinatários são todos os brasileiros e estrangeiros no território nacional, pessoas físicas e jurídicas (NUNES JÚNIOR, 2008, p. 164).

Para o poder judiciário, as alterações decorrentes da Constituição de 1988 significaram mais um ingrediente, entre muitos, no sentido da consolidação da nova democracia brasileira, uma esperança para uma equidade entre os brasileiros e a garantia de direitos. A propósito, aduz Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1994):  

 A reestruturação do Poder Judiciário não era prioridade de qualquer das correntes que predominavam na Constituinte de 87. Por isso, o tema não suscitou maiores controvérsias. Mas, apesar dessa apatia, uma reestruturação de monta houve, decorrente de uma combinação de propostas desconexas e de variada inspiração. Disto resultou, por surpreendente que seja, uma profunda, porém inesperada, transformação do Judiciário, como se demonstra nesse estudo (FERREIRA FILHO, 1994, p. 8).

 O pensamento moderno tem refletido os conceitos e transformações com relação ao Estado de Direito. Isso é perceptível nas mais distintas correntes de pensamento da filosofia política moderna a exemplo do jusnaturalismo de Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, como também no utilitarismo de Bentham e Stuart Mill (MOTTA, 2011, pág. 7).  

Ainda de acordo com Motta (2011) o autor cita o Imperativo categórico de Kant enquanto um dos principais conceitos da filosofia enunciado com três diferentes fórmulas (e suas variantes). São elas: Lei Universal: "Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal.". Na visão Kantiana imperativo categórico é o dever de toda pessoa agir conforme princípios os quais considera que seriam benéficos caso fossem seguidos por todos os seres humanos, para ele, seria necessário tomar decisões como um ato moral, ou seja, sem agredir ou afetar outras pessoas.

Para Ferreira Filho (1994), o novo enfoque dado à função de julgar, bem diverso do tradicional é uma das mudanças mais relevantes, pois amplia consideravelmente a participação do juiz, dando-lhe um certo distanciamento em relação à lei, o que não admitia a doutrina clássica, de índole positivista. O autor complemente que:  

 Com efeito, o texto importou o due process of law substantivo do direito anglo-americano (art. 5o LIV), afora o aspecto formal, de há muito presente em nosso sistema por meio dos princípios da ampla defesa, do contraditório, etc., mantido no art. 5o, LV, da Constituição. Assim, pode hoje o magistrado inquietar-se sobre a razoabilidade da lei, a proporcionalidade dos encargos que acarreta, etc., quando antes não lhe cabia senão ser a voz da lei (FERREIRA FILHO, 1994, p. 8-9)”.

 O Estado de direito pode ser caracterizado de modo que nenhum indivíduo, presidente ou cidadão comum, está acima da lei. Em contrapartida, os governos democráticos exercem a autoridade por meio da lei e estão eles próprios sujeitos aos constrangimentos impostos pela mesma. Assim, o estado de direito é relevante na democracia constitucional contemporânea. As características essenciais do constitucionalismo moderno estão limitadas aos poderes do governo, a adesão ao Estado de Direito e proteção dos  direitos fundamentais.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1994) aponta também outras alterações importantes advindas da ordem constitucional inaugurada em 1988, quais sejam:  

i.    Instituição da ação de inconstitucionalidade por omissão, nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar efetivas normas constitucionais (art. 102, § 2o);  

ii.    Ampliação dos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, I a IV);

iii.    Instituição do mandado de injunção, quando a ausência de norma regulamentadora inviabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5o, LXXI);  

iv.    Alargamento do objeto da ação popular, que incluiu, além do patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, a moralidade administrativa, o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural (art. 5o, LXXIII);  

v.    Instituição da ação declaratória de constitucionalidade, que visa a preservar a presunção de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (art. 102, I, “a”)7;  

vi.    Ampliação das funções institucionais do Ministério Público, que passou a atuar em variadíssimos campos, como a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, inclusive do consumidor (art. 129, I a IX).

 O autor menciona, também, o controle das eleições pelo Poder Judiciário como outra importante mudança decorrente da Constituição de 1988, que levou à judicialização da política no Brasil. É o que ocorre com a ação de impugnação de mandato, de competência da Justiça Eleitoral, fundada em abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (art. 14, § 10).  

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Ferreira Filho (1994) considera que algumas mudanças provocaram a ruptura do modelo tradicional de atuação do Judiciário brasileiro, transformando-o em poder de caráter político. Nesse sentido, assevera:  

Tire-se desta análise o primeiro registro de algo que se repetirá, o papel do Judiciário torna-se acentuadamente de caráter político. No caso do controle de constitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade, que se generaliza, e a ação direta de constitucionalidade fazem dele um legislador negativo, enquanto a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção o impelem de tornar-se um legislador ativo (FERREIRA FILHO, 1994, p. 11).

 Segundo Faria (1988) uma das características marcantes do Estado Liberal é a defesa do princípio da igualdade, uma das maiores aspirações da Revolução Francesa. Entretanto, Diniz (2007), afirma que se devem identificar os reais fatores que influenciaram a burguesia em pregar a aplicação deste princípio, uma vez que a igualdade aplicada é tão-somente a formal, na qual se buscava a submissão de todos perante a lei, afastando-se o risco de qualquer discriminação (DINIZ, 2007, pág. 11).

Para Viera (2011) o principal intuito de distribuir responsabilidades através dos poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário é garantir que as ações municipais, estaduais e da União estarão sendo executadas de forma eficiente e com respeito as hierarquias. Assim, pressupõem-se que todos os cidadãos terão acesso as mesmas oportunidades.  

A tabela 1 sintetiza os três níveis de governo e seus principais agentes:

 Tabela 1: Poderes dos três níveis de Governo

Poderes dos três níveis de Governo

Poder Público    Executivo    Legislativo    Judiciário

Federal    Presidência da República    Congresso Nacional    Conselho Nacional de Justiça. Tribunais Superiores. Tribunais Regionais. Juízes de Primeira Instância.

Estadual/DF    Governadoria    Assembleia Legislativa ou câmara Legislativa    Tribunal de Justiça e Juízes de Primeira Instância.

Municipal    Prefeitura    Câmara de Vereadores    _

Fonte: Couceiro (2014)

 De acordo com Ribeiro (2000, p.3): A primeira aplicação prática da doutrina da divisão de poderes deu-se com a Constituição norte-americana de 17 de setembro de 1787. Daí se generalizou, sendo adotada pelo constitucionalismo dos dois últimos séculos”.  

Ribeiro (2008) fala sobre a independência do Judiciário sem interferir na harmonia da atuação do Poder Legislativo e Executivo, isto porque a Constituição, por meio dos artigos 95, 99 e 168, dá autonomia administrativa, financeira, estabelecendo as garantias da magistratura.Diante destes aspectos, é relevante argumentar sobre ações afirmativas na esfera judiciária visto que, após a Ditadura Militar e o renascimento do Estado Democrático de Direito, “ocorreu o processo de consolidação e criação de diversificadas garantias constitucionais, a fim de estruturar e definir os direitos fundamentais, individuais, sociais e coletivos, dos cidadãos” (OLIVEIRA, CARVALHO, CALDAS, 2014, pág. 1).  

 2.1 Ações afirmativas: a situações dos negros no Brasil e a importância do sistema de cotas

 Compreende-se que todas as nações, de um modo geral, ainda enfrentam preconceitos em termos de identidades. As discriminações abrangem questões relacionadas ao gênero, religião, etnia, sexo, dentre outras. Compreende-se a triste realidade brasileira em termos de preconceito contra o negro, sendo que “a maioria dos brasileiros nega ser racista, mas não quer ver as filhas casadas com negros. Isso é demonstrado em pesquisa” (CARVALHO, 2005, p.3). De acordo com Carvalho (2005), diferentemente dos EUA, brancos convivem com negros, porém, é quase sempre uma relação de hierarquia.

Carvalho (2005) aborda acerca de vários aspectos relacionados ao preconceito que negros e pessoas que pertencem a grupos minoritários enfrentam no seu dia a dia. O palestrante afirma que o racismo não é algo anormal, pois é algo que faz parte da realidade das pessoas, e que estas de forma espontânea, acabam passando adiante seus preconceitos raciais para as novas gerações.  

Conforme as demandas sociais vão sendo incorporadas ao mundo jurídico, leis vão sendo criadas no intuito de eliminar as desigualdades existentes com relação a raça, como a Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, quando em seu art. 1º estabelece:

 Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.

. Dados do IBGE (2015) compravam que em 2004, 16,7% dos alunos pretos ou pardos conseguiram ingressar em uma faculdade, este percentual praticamente triplicou em 2015, atingindo um total de 45,5% (IBGE, 2005, pág. 67). Nesta instância, é importante analisar como os autores e juristas estão abordando este direito de inclusão por cotas para negros. Santos (2015) faz uma reflexão acerca do sistema de cotas, ressaltando que os debates sobre este assunto estão mais presentes entre os chamados universalistas e comunitaristas, os quais priorizam a justificativa sobre os direitos individuais, também estão presentes entre cientistas políticos, os quais acreditam que “os direitos básicos de grupos constituídos precisam ser considerados” (SANTOS, 2015, pág. 2).   

Santos (2015) cita o exemplo do que acontece na Faculdade de Direito da UERJ. Destaca que, por ser uma das instituições mais procuradas por estudantes com alto poder aquisitivo e que, em sua maioria, vêm de escolas particulares, acaba gerando grandes conflitos entre estes alunos e aqueles que ingressam na universidade através dos sistemas de cotas.

Há uma divisão entre os alunos que é marcada até mesmo pela ocupação da sala de aula, pois, enquanto os primeiros ocupam as cadeiras localizadas no final da sala, ostentando uma atitude mais despreocupada em relação ao ensino, os cotistas ocupam as primeiras filas, ansiosos por responder com êxito as novas demandas. Enquanto a universidade é vista por uns como uma extensão natural de sua vida acadêmica, para outros ela surge como conquista, desejo e desafio (SANTOS, 2015, pág. 4).

 Observa-se que mesmo diante de um direito previamente estabelecido em lei, os alunos que ingressam através de sistema de cotas em universidades acabam sofrendo algum tipo de preconceito. Santos (2015) considera que esta realidade demonstra o quanto ainda estamos presos ao passado em termos de rivalidade entre classes sociais e raças.  

Na verdade, o sistema de cotas é uma forma de o governo compensar os erros cometidos contra estas etnias no passado. Hoje em dia, graças a estas leis, os alunos negros e de famílias pobres estão ingressando em universidades, em cursos como medicina, Ciências da Computação, o que antes desta lei era algo praticamente impossível devido a situação de desigualdade e de desvantagens da classe menos favorecida, como também, dos reflexos da escravidão que ainda estão enraizados na sociedade.  

Neste sentido, é preciso levar em consideração a importância de definir melhor os critérios por parte da Comissão de validação de matrículas no sentido de analisar de forma eficiente os pedidos de ingresso nas instituições universitárias na modalidade escola pública/negro, conforme declara Carvalho (CARVALHO, 2005, p. 21).

Guarnieri e Silva (2017) fazem uma análise de uma década de produção científica sobre cotas universitárias. Destacam que “a UERJ foi precursora desse processo, implementando em 2003 o primeiro Programa de Cotas brasileiro”. Citam um acontecimento importante ocorrido em 2010, que serviu como mola propulsora para discussões acerca da constitucionalidade  do sistema de cotas (CARVALHO, 2005, p. 12), trata-se de uma contestação do critério racial no processo seletivo, sendo motivo de audiência no STF:

 A audiência foi organizada em três etapas: (a) exposição de instituições governamentais responsáveis pelas políticas de educação, pesquisa e igualdade racial; (b) espaço para apresentação de pareceres favoráveis e desfavoráveis às cotas raciais enquanto “ação afirmativa”; e (c) apresentação de experiências das universidades públicas com as cotas.

 Guarnieri e Silva (2017) salientam que tinham os que criticavam a constitucionalização do sistema de cotas, os quais tinham como justificativa “a inexistência biológica das raças; caráter ilegítimo das ações de “reparação” aos anos causados pela escravidão em tempo presente; risco de acirrar o racismo no Brasil”

Haviam aqueles que eram favoráveis nesta discussão, eram aqueles que acreditavam que as “ações afirmativas atuariam como alternativa para a busca de igualdade através da promoção de condições equânimes entre brancos e negros” (GUANIERI, SILVA, 2017, pág. 185).  O Juiz federal, William Douglas, conhecido pela crítica em torno do sistema de cotas explica os motivos que o levaram a mudar de ideia:

 Os pobres sempre foram tratados à margem. O caso é urgente: vamos enfrentar o problema no ensino fundamental, médio, cotas, universidade, distribuição de renda, tributação mais justa e assim por diante. Não podemos adiar nada, nem aguardar nem um pouco.

Fui vendo meninos e meninas negros, e negros e pobres, tentando uma chance, sofrendo, brilhando nos olhos uma esperança incômoda diante de tantas agruras, que fui mudando minha opinião. Não foram argumentos jurídicos, embora eu os conheça, foi passar não um, mas vários “dias na cadeia”. Na cadeia deles, os pobres, lugar de onde vieram meus pais, de um lugar que experimentei um pouco só quando mais moço. De onde eles vêm, as cotas fazem todo sentido. Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que frequenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida) (DOUGLAS, 2013, p.3)

 Diante disto, observa-se que é preciso reconhecer que as desigualdades advindas de um contexto histórico, como da própria situação dos negros no Brasil, devem ser combatidas através de políticas públicas e da intervenção do poder judiciário, quando necessário.

  3 CONCLUSÃO

 Fica claro que a situação do negro no Brasil em termos de inclusão em universidades melhorou de forma significativa a partir da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Existem dilemas que devem ser combatidos através de ações mais direcionadas para evitar algum tipo de transtorno nas universidades, tal como aconteceu na UFMA e UERJ. É preciso tomar providencias, como por exemplo, exigir que sejam melhor definidos os critérios por parte da CVM Comissão de Validação de Matrículas no sentido de analisar de forma eficiente os pedidos de ingresso nas instituições universitárias na modalidade escola pública/negro, para evitar situações desgastantes para os estudantes negros e dos que são de famílias de baixa renda.

 Pode-se destacar, com base na leitura das fontes inseridas na pesquisa, que o Estado Democrático de Direito, de fato, permita que todos os cidadãos sejam iguais perante a lei, não apenas na teoria, mas sobretudo na prática. É imprescindível que a política de cotas seja efetivada de tal forma que os negros não se sintam prejudicados, como nos casos apresentados nesta pesquisa. Para evitar tais problemas, as próprias universidades devem monitorar e avaliar seus critérios, no tocante ao ingresso de alunos negros em seus cursos, priorizando políticas capazes de favorecer a inclusão ética e humanizada dos mesmos em seus variados cursos de formação.   

  REFERÊNCIAS

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 BRASIL. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm>.  Acesso em 21 de ago. de 2018.

 CARVALHO, José Jorge. Inclusão étnica e racial no Brasil: a questão das cotas no ensino superior. São Paulo, Attar, 2005.

 CARVALHO, Josédla Fraga Costa. A oportunidade da cor: judicialização de cotas sociorracias. São Luís, Maranhão 2016.   

 CASTRO, Marcus Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, p-147-156, 1997.

 COUCEIRO, Júlio. Princípio da Separação de Poderes em corrente tripartite». Âmbito Jurídico. Série Direito em Debate. [S.l.]: Editora Saraiva, São Paulo, 2014.

 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 7º volume: responsabilidade civil. 21. Ed. Rev. E atual. De acordo com a Reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007.

 DOUGLAS, Willian. Por que me tornei a favor das cotas para negros. Revista Fórum, 2013. Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/porque-me-tornei-a-favor-das-cotas-para-negros/>. Acesso em 21 de ago. de 2018.

 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Poder judiciário na Constituição de 1988: judicialização da política e politização da justiça. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 198, p. 1-17, out./dez. 1994.

 GUARNIERI, Fernanda Vieira; SILVA, Lucy Leal Melo. Cotas Universitárias no Brasil: Análise de uma década de produção científica. Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 21, Número 2, maio/agosto de 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pee/v21n2/2175-3539-pee-21-02-00183.pdf. Acesso em 30 de outubro de 2019.

 IBBC BRASIL. Negros são os mais ameaçados por crise econômica no Brasil, diz relatora da ONU. 26 setembro 2015. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150926_onu_minorias_negros_htm.  Acesso em: 21 ago. 2018.  

 KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações Afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2007.

 LULIA, Luciana de Toledo Temer; PELLICCIARI, Natalia Rosa. Uma reflexão sobre a judicialização das políticas públicas com base na questão das cotas sociais e raciais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, 2016. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDConsInter_n.97.07_1.PDF. Acesso em 18 de agosto de 2018.

 MOTTA, Paulo Roberto de Mendonça. O estado da arte da gestão pública. Rev. adm., empres. vol.53 no.1 São Paulo Jan./Feb. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75902013000100008. Acesso em 06 de ago. de 2018.

 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. Ed. Atlas, 2ª Ed. 2003.  

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 OLIVEIRA; Ilzver de Matos; CARVALHO, José Lucas Santos; CALDAS, Kelly Helena Santos.   judicialização do programa de ações afirmativas da UFS –PAAF/UFS: qual o posicionamento majoritário da justiça federal sergipana sobre esta ação afirmativa? Diké, Aracaju, vol. 03 n 01, jan/jul/2014, p.162 a 172, agosto/2014|http://www.seer.ufs.br/.  

 RIBEIRO, Antônio de Pádua. O Judiciário como poder político no século XXI. Rev. Estud. av. vol.14 no.38 São Paulo Jan./Apr. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000100017. Acesso em 06 de agosto de 2018.

 SANTOS, Myrian Sepulveda dos. Ação afirmativa e políticas de cotas: reflexões e críticas. Rev. bras. Ci. Soc. vol.30 no.88 São Paulo, 2015.  

 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2006.     

Sobre a autora
Eliaidina Wagna Oliveira da Silva

Advogada com Formação Pedagógica em História. Mestra em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local, especialista Diversidade Étnico-Racial, Direito Público, Direito Civil, Direito Tributário e Antropologia. Secretária-Adjunta da Caixa de Assistência dos Advogados do Brasil da OAB-ES e Membro da Comissão de Prerrogativas e Direitos da Advocacia da OAB-ES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

publicada na IX Jornada Internacional de Políticas Públicas, 2019, São Luíz. Anais IX Jornada Internacional de Políticas Públicas (no prelo), 2019.

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