Considerações Finais
Conclui-se que, as ações afirmativas vieram tardiamente, diante da historicidade escravocrata e dos contrastes socioeconômicos, divisor de brancos e negros. Não obstante, os debates e ebulições em torno de suas aplicabilidades, é o testemunho mais evidente da face racista de um Brasil que teve a sua história traçada com ideologia do grupo dominante.
Contraditoriamente, a sociedade brasileira que se autodenomina, democraticamente racial, não teve, em relação às políticas públicas voltadas aos interesses das classes dominantes ao longo da história (deste a subjugação negra; o favorecimento da mão-de-obra imigrante; a “Lei do Boi” e outros), a mesma efervescência que as Leis de Cotas polemizou nas relações sociais, com impacto em todos os setores do corpo coletivo.
Isto se mostra mais paradoxal, se considerarmos que as ações afirmativas, objeto de tanta polêmica, somente foram aplicadas a pouco mais de uma década no Brasil, e ainda como correção das injustiças que foram apoiadas pelo Brasil escravocrata, com o uso do braço estatal em favor da população branca, que compõem domina o capital socioeconômico e político.
Destarte, a visão de políticas públicas específicas, voltadas para a concretização da redução das desigualdades raciais, dentro do contexto histórico brasileiro, somente surgiu após anos da promulgação da Constituição Cidadã que instituiu o Estado Democrático de Direito, com seus valores pautados pelo paradigma da normatividade de princípios e preceitos que não se contentam com a mera igualdade formal.
Contudo, a concretização destas políticas de discriminações positivas, encontram seu maior obstáculo, no revanche das classes dominantes que teimam em admitir que suas posturas são racistas e as que disparidades socioeconômicas existentes entre negros e brancos, é o fruto da conversão das diferenças em desigualdades, e que estas discrepâncias socioeconômicas não acarreta danos somente à população negra, mas se volta à sociedade brasileira como um todo, na medida que emperra o Brasil de alcançar o desenvolvimento na sua plenitude, como nação efetivamente democrática.
A tarefa de combater o racismo através de discriminações positivas, é um desafio que implica em riscos porque se envolve num ambiente de interesses antagônicos. Contudo, embora polemizadas e em meio às divergências de opiniões, tanto no senso comum quanto no espaço intelectual, apresenta-se como necessária na buscas concretas da igualdade material. Ainda mais que, num primeiro momento, as constatações é de que as ações afirmativas vêm operando evidentes transformações no perfil do acadêmico e da sociedade como um todo.
As resistências contra as políticas direcionadas às correções das injustiças históricas sofridas pelos negros, numa sociedade com tamanhas disparidades sociais, não se supera, ou, ao menos, não se tem reduzidas suas desigualdades, sem que haja movimentos de contra-resistências numa tentativa de mudanças. Conquanto, as transformações de uma estrutura social para uma relação verdadeiramente harmoniosa das relações raciais, com uma alteração mais equiparada das oportunidades de disputa, tem nas ações afirmativas a legitimação de sua instrumentalidades, como meio de sanar as discrepâncias que incompatibiliza a meritocracia, nas conquistas do mercado de trabalho.
Dentro do contexto constitucional no qual se instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, o direito de igualdade que a população negra reivindica, e tem direito, é o de equilíbrio de oportunidades, e neste campo, verifica-se que o país vem evoluindo bastante na criação de políticas públicas específicas que eliminem os preconceitos culturais e as diferenças sociais e econômicas, de modo a garantir que todos os brasileiros, tenham chances equivalentes na conquistas de seus espaços, fazendo da meritocracia um discurso mais genuíno.
Neste cenário, a luta pela igualdade racial, instrumentalizada por meio das ações de discriminações positivas, é um direcionamento que tem que avanças, diante da insuficiência das políticas publicas que não conseguem comtemplar as singularidades e vulnerabilidades de grupos sociais, historicamente marginalizados, como foram os negros.
Esta marginalização dos corpos negros, é que justifica a reivindicações dos movimentos. Almeja-se condições de acesso, ao igual direito de ser desigual nas diversidades, sem que estas características constituam-se nas disparidades e na segregação, das disponibilidades dos mecanismos de construção de suas prosperidades, sejam elas, econômicas, sociais, culturais, históricas e espirituais ao alcance de todos.
No caso do Brasil, assim como no mundo, fica claro e evidente, numa constatação empírica, que as ações afirmativas se apontam como um norte ou um recurso de valor na correção das injustiças sociais apontadas.
Porém, nenhuma medida governamental tem o potencial de exterminar o racismo, porque a segregação é da natureza da cultura do mercado predatório, que coisifica vidas negras, em favor das vantagens do poder político; mesmo quando o proveito vem com a subjugação e a exclusão de grupos em vulnerabilidades. De toda sorte, as discriminações positivas, tem a prerrogativa de se disponibilizarem como um instrumento de proteção contra a marginalização causada por estas práticas raciais
Mas apesar das conquistas vivenciadas no campo educacional, cultural, político, com reflexo na seara socioeconômica, muito caminho ainda se tem de percorrer até a efetivação da igualdade entre todos. Mas sem dúvidas, o que as trilhas abertas com as políticas de discriminação reversa, trouxe de mais positivo, foi a efervescências dos questionamentos prós e favoráveis, tirando “a poeira debaixo do tapete” e impulsionando os novos questionamentos.
É importante que as discursões sejam desenvolvidas e que as ações positivas levantem mais e mais discursões, e com produções intelectuais que possa impactar no seio da sociedade produzindo efeitos; e a tal ponto, que os grupos oprimidos, não mais necessite de discriminações positivas para vivificarem suas representatividades. E que os brasileiros, ao conviverem com os diferentes, compreendam que o preconceito arrasta a sociedade por inteiro, para um abismo de segregação da diversidade, numa histórica padronização das relações sociais, que empobrece a identidade nacional.
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Abstract: We have a rooted thinking that still keeps the black in a much lower condition than he actually occupies. Prejudices and negative manifestations arise that the black is unable or even not deserving to take his place in the social, economic niche and wherever he may wish. This article discusses affirmative actions as mechanisms that lead to social inclusion. Therefore, the origins of these specific policies are approached as a way of legitimizing a government agenda focused on combating the effects of racial discrimination that segregated the black population. Therefore, this study aims to point out the themes of reparatory measures, and, knowing their trajectory, highlight their growth after the 1988 constitution. It is concluded, after all, that the development of these positive discriminations has contributed positively to the construction of new visions, highlighting the each one's differences and presenting the qualities of diversity as an inclusive and fundamental way for equality to actually happen. This will, in fact, be realized through a more equitable socioeconomic distribution and an education that enables the protagonism of the black population within its historical-cultural context.
Key words: Affirmative Actions; Racism; Protagonism of the Negro; Social inclusion; Positive Discrimination.