A conciliação e a mediação no direito de família

Direito Material e Processual Civil

11/07/2020 às 02:55
Leia nesta página:

Direito de família. Conciliação. Mediação. Meios Alternativos de solução de conflitos.

INTRODUÇÃO

Os inúmeros processos existentes e o número ineficientes de servidores no judiciário, acarreta a paralização de muitos autos e a demora para uma resolução efetiva. Com isso, mesmo tratando-se de matérias de cunho urgente, podem existir casos em que a tutela jurisdicional demora a alcançar o resguardo prometido ao direito.

Além de que nem sempre gera satisfação para ambas as partes, fazendo com que pareça até arbitrária a sentença judicial, vez que as partes, por na maioria das vezes serem leigas das práticas processuais, vem o processo apenas dos bastidores, e até mesmo se sentindo coercitivas no depoimento pessoal realizado na audiência de instrução.

O atual Código de Processo Civil trouxe para o direito processual brasileiro inúmeras novidades, bem como ressalvou e regulamentou algumas práticas que ocorriam em menor número e timidamente no dia-a-dia jurídico.

Uma dessas inovações foi a fundamentação legal dos Meios Alternativos de Solução de Conflitos, que eram utilizados no direito, todavia não eram tão incentivados, e ao trazer à baila em seu texto legal, a Lei 13.105/16 firmou que a tentar evitar que conflitos cheguem a se transformar em processos judiciais e, ainda, intentar a resolução de processos já adentrados através da conciliação ou mediação pode ser mais frutífero, tanto para as partes quanto para os operadores do direito ali envoltos.

Desta forma, a conciliação e a mediação trazem a voz a parte autora e ré, permitindo que ambos possam falar com mais liberdade a fim de resolver e dirimir o problema existente.

 Com isso, vários benefícios vieram ao Direito de Família, que sempre foi conhecido por seus conflitos, ainda mais por se tratarem de lides de cunho íntimo e emocional.

Nesse sentido GONÇALVES ensina que  "o direito de família é, de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável. (2012, p.21)

Este trabalho visa identificar e definir como a conciliação e a mediação impactam no direito de família, demonstrando os pontos positivos e negativos existentes, a forma que esses meios alternativos de resolução evitam a judicialiação da lide e como resolvem os processos já em andamento. 

A metodologia que será utilizada no trabalho será a de pesquisa documental, consultando doutrinas, artigos científicos, monografias, jurisprudências e leis sobre o direito de família, conciliação e a mediação. O método de abordagem será o hipotético-dedutivo, a fim de identificar o impacto que esses meios alternativos de solução de conflitos causam no direito de família

O primeiro capítulo abordará a origem e definição do direito de família, enquanto o segundo capítulo trará à tona a definição da conciliação e da mediação, suas diferenças e como o Novo Código de Processo Civil regulamentou em seu texto legal. Por fim, no terceiro capítulo será demostrado como essas formas de solução da lide está impactando o direito de família e a resolução, tanto judicial quanto extrajudicial.

1 - DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

O direito de família é um ramo do direito civil que disciplina as relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo parentesco, e, ainda, regula a tutela e curatela.

Para Maria Helena Diniz,

"o direito de família constitui o ramo do direito civil que disciplina as relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo parentesco, bem como os institutos complementares da tutela e curatela, visto que, embora tais institutos de caráter protetivo ou assistencial não advenham de relações familiares, têm, em razão de sua finalidade, nítida conexão com aquele." (2002, p. 3-4)

Nesse sentido, surgiu para regular as relações existentes entre as pessoas ligadas pelo parentesco ou pelo casamento, conjunto este conhecido como família. Segundo VENOSA (2007, p. 23) “família é um fenômeno fundado em dados biológicos, psicológicos e sociológicos regulados pelo direito”.

 Desde os primórdios o conceito, função e natureza jurídica da família vêm sofrendo profundas mudanças, e tais mudanças ocorrem dependendo da cultura e ideologias políticas de cada Nação.

Como exemplo, desde o surgimento do Brasil até a promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, o modelo de família que predominava era o patriarcal, extensa, não se restringia apenas aos pais e filhos, mas também a todos aqueles que eram ligados economicamente ao patriarca, figura masculina que detinha o poder econômico daquele seio familiar, bem como detinha o poder de administrar os entes familiares, sendo que estes eram submissos ao patriarca, não havendo igualdade entre os cônjuges e até mesmo entre os filhos tidos dentro do matrimônio e aqueles fora da relação conjugal.

Com os princípios e valores introduzidos na Constituição Federal de 1988, a família passou a ter a proteção do Estado, sendo que a família passou a ter uma função social, a afetividade. Nas palavras de Paulo Lobo “enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida”. (Direito Civil – famílias, 2011, p. 17).

Outrossim, o caput do artigo 226 da Constituição Federal firma o resguardo da proteção estatal, sendo que em seu parágrafo 4º traz a definição jurídica da família.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (art. 226, §4º, CRFB/88)

Com os passar do tempo, novos direitos foram surgindo como a igualdade entre o homem e a mulher na relação conjugal, bem como a igualdade entre os filhos, sejam eles adotivos ou biológicos, e sejam eles nascidos ou não dentro do matrimônio, mudanças essas trazidas com o Código Civil de 2002, sendo inclusive considerado discriminação a utilização do termo filho ilegítimo.

Outras mudanças na família podem se ver culturalmente e aos poucos vão se introduzindo no sistema jurídico brasileiro, como o fato que para compor o núcleo familiar não necessariamente depende da presença de um pai e uma mãe na criação do filho, assim como está sendo legalizado o casamento homoafetivo.

As leis em geral referem-se à família como um núcleo mais restrito, constituído pelos pais e sua prole, embora esta não seja essencial à sua configuração. (GONÇALVES, 2012, p. 21.)

Definir família como aqueles entes ligados pela afetividade é o mais correto levando-se em conta cultura moderna atual, sem a criação de estereótipos. Todavia não pode deixar de levar-se em conta as ligações jurídicas e os laços sanguíneos, ainda mais no tocante aos direitos de cunho patrimonial.

Sendo assim, o ordenamento jurídico vem trazendo o conceito de família como as relações sociais de natureza afetiva, uma socioafetividade, que segundo Lôbo:

O termo socioafetividade conquistou as mentes dos juristas brasileiros, justamente porque propicia enlaçar o fenômeno social com o fenômeno normativo. De um lado há o fato social e de outro o fato jurídico, no qual o primeiro se converteu após a incidência da norma jurídica. A norma é o princípio jurídico da afetividade. As relações familiares e de parentesco são socioafetivas, porque congrega o fato social (sócio) e a incidência do princípio normativo (afetividade). (Direito Civil – famílias, 2011, p. 29).

GOLÇALVES, ensina que em sentido amplo "o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins. " (2012, p.21) e ainda segundo JOSSERAND (1952, apud GOLÇALVES, 2012, p. 21), este primeiro sentido é, em princípio, “o único verdadeiramente jurídico, em que a família deve ser entendida: tem o valor de um grupo étnico, intermédio entre o indivíduo e o Estado”.

Dependendo da matéria em específico, a definição de família pode variar, em um divorcio envolverá os conjugues e os filhos, caso existente, já em uma tutela, ampliara para os demais ascendentes ou colaterais em linha reta. Até mesmo no direito sucessório, em que a família será centrada nos herdeiros que podem variar dependendo do caso em concreto.

2 - OS MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

A Constituição Federal prevê como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a pacificação social, sendo que para tanto assegura como direito e garantia fundamental do cidadão a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.  

Além disso a Constituição também resguarda o acesso à justiça como parte do princípio da dignidade da pessoa humana, que de acordo com os doutrinadores Mauro Cappelletti e Brynnt Garth:

“A expressão ‘acesso à justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente e justos”.

Asseveram ainda “o ‘acesso’ não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística.” (1988, p. 13). Para eles, para se alcançar o acesso à justiça, a ciência jurídica deveria ter seus métodos processualísticos modernizados.

O Atual Código de Processo Civil inseriu no corpo do artigo 3º os meios alternativos para a solução de conflitos, que timidamente já vinham sendo utilizado:

Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Tais métodos são aqueles que tendem a resolver a lide sem a presença de Juiz de Direito, e sem a necessidade de impetração de medida judicial para tanto. Todavia, nada impede que sejam utilizados mesmo quando o processo esteja tramitando, bem como que tenha auxílio que algum órgão do Poder Judiciário, com os centros de solução de conflitos instalados nos fóruns de várias Comarcas.

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Essas medidas poderão ser consensuais, desenvolvidas pela negociação, conciliação ou mediação, bem como negociais, caracterizado pela arbitragem. No presente trabalho serão analisados os mecanismos consensuais.

Os métodos consensuais são caracterizados pela presença de um terceiro apenas para guiar as partes durante a resolução do conflito. Desta forma, as partes chegam à decisão resolutiva. Nestes termos ensina Roberto Portugal Bacellar:

Métodos consensuais, na forma autocompositiva, são aqueles em que não há decisão por terceiros e as soluções são encontradas pelos próprios envolvidos – se necessário com auxílio de um terceiro facilitador imparcial que nada decide e só estimula a manifestação por meio de indagações criativas, a fim de que os próprios interessados encontrem suas respostas. (pág. 39)

Tais métodos são uma das formas mais evoluídas e céleres para pôr fim em demandas, não necessita de produção de provas, ambas as partes são ouvidas, podendo manifestar de forma livre seus interessem nem, e sem necessidade de formalizar a manifestação através de atos processuais.

A ideia e objetivo é que na tentativa de evitar o processo judicial é gerar a diminuição de conflitos e a maior resolução pacífica dos que vierem a existir.

Cláudio da Silva Ribeiro e Leandro Gadelha Dourado Nogueira definem conflito como:

“O conflito surge quando existe oposição de interesses. Estes decorrem da simples razão de que os bens são limitados, ao passo que as necessidades humanas podem ser ilimitadas. O interesse, no raciocínio carneluttiano, não se confunde com o juízo do homem em relação a determinado bem da vida, mas com sua posição objetiva, isto é, a relação entre o homem- que sofre necessidades- e os bens-aptos a atendê-las. Assim, haveria um interesse mesmo que não houvesse vontade manifestada. Outrossim, o juízo é apenas uma revelação do real interesse, não este uma consequência do juízo.” (2011)

Ademais, com a exposição dos fatos, e através da orientação que for passível ser dada pelo terceiro, a decisão é a que melhor se pode aproximar a realidade do ocorrido, mesmo que em ambos os lados poderá haver perdas e ganhos, os meios alternativos de solução de conflitos viabilizam mais o binômio necessidade versus possibilidade do que a letra da lei.

No Direito de Família, podem ser utilizados com grandes benefícios os métodos alternativos consensuais da Conciliação e a Mediação para tentar, harmonicamente, resolver o conflito.

2.1 CONCILIAÇÃO

Derivada do latim “conciliatione”, a conciliação há muito já estava sendo adotada em parte do direito brasileiro, onde desde a Constituição do Império, antes de se adentrar com um processo deveria se tentar a conciliação, com fito de agir de maneira pacificadora, para se chegar em um acordo mais favorável ou ao menos gerar uma amortização do conflito entre as partes.

Segundo Teresa Mônica de Menezes Grossi “a conciliação é o exercício diante das adversidades e a busca dos sentimentos e atitudes áureas: amor, compaixão, generosidade, paciência, perdão, solidariedade, respeito, paz, diálogo, etc.” (2009, p. 126). Ademais, “o foco e a finalidade da conciliação é o alcance de um acordo que possa ensejar a extinção do processo, e para isso foca-se no objeto da controvérsia materializado na lide processual” (Bacellar, 2012, p. 85)

Apesar de não ter Lei específica sobre o tema, a conciliação, já presente nos Juizados Especiais, teve an A lei 9099/95, a qual "dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências", estabelece no artigo 2º que "o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação".

A Ministra Ellen Gracie Northfleet, em 2007, então presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, fez um discurso em Belo Horizonte dizendo que a conciliação: “permitirá alcançar no futuro uma sociedade menos litigiosa em que o Estado somente intervenha diante da impossibilidade de composição e de acordo”.

Com isso, percebe que os Operadores do Direito há muito já via a importância da conciliação nos processos judicializados e naqueles que podem vir a ser distribuídos.

O conciliador é um profissional que visa facilitar a chegada em um acordo, estimulando o diálogo entre as partes, apresentando possíveis soluções, indicando os conflitos mais iminentes, e, ainda, “como auxiliar da justiça, se capacitado a tanto, multiplica produtivamente a capacidade dos juízes e colabora com a pacificação” (BACELLAR, 2012, p. 85).

Em que pese o terceiro envolvido ser apenas uma ponte de ligação e orientação entre as partes nos meios alternativos de solução de conflitos, na conciliação ele tem um papel mais efetivo, vez que pode interferir diretamente na decisão final, apontando as vantagens e desvantagens a fim de chegar ao melhor acordo para ambas as partes.

Outrossim “o conciliador atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes e poderá sugerir soluções para o litígio”. (TARTUCE,  Rev. Cient. Virt. da ESA, 2016, p.11). Ressalta-se que as partes não estão obrigadas a acatar tais sugestões de solução, devendo sempre o conciliador agir com imparcialidade.

Além disso, recomenda-se que o conciliador descreva as partes todas as etapas de um processo judicial, bem como demostre os riscos e consequência que o litigio pode provocar, como a demora até o trânsito em julgado da decisão, a imprevisibilidade do resultado, morosidade do judiciário por falta de servidores e infraestrutura, dificuldades na produção de provas, dentre outras questões.

Deixar a parte ciente de todas as possibilidades é a garantia de que ela saíra da sala de conciliação com a sensação de justiça alcançada.

2.2 – MEDIAÇÃO

A mediação é outra forma autocompositiva para resolução consensual dos conflitos, “é uma técnica privada, na sua origem, mas que poderá, com suas ferramentas, contribuir com a solução integral do conflito e auxiliar na melhora dos resultados da nossa velha conciliação” (Bacellar, 2012, p. 85).

Fernanda Tartuce (2016) explica que o Novo Código de Processo Civil da preferência para que o mediador atue em casos em que as partes já possuam algum vínculo anterior, auxiliando-os a compreender as questões e os interesses em conflito, para que reestabeleçam a comunicação e identifiquem soluções consensuais que gerem benefícios para ambos.

Além do Código Processual Civil, foi promulgada a Lei 13.140/15, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

O projeto de lei de mediação surge como institucionalizador e disciplinador da mediação como método preventivo e consensual na resolução de conflitos. Além de tratar dos assuntos gerais sobre o tema, a proposta discorre sobre o mediador, que é uma figura detentora de notada responsabilidade. (OLIVEIRA, TOALDO, Mediação familiar: novo desafio do Direito de Família contemporâneo)

Ademais, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a Resolução nº 125/10, que também regulamenta a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.

A mediação traz a fala como o meio de explicação e resolução dos interesses ocultos, e reestabelecendo o diálogo leva os envolvidos a considerar suas diferenças.

O mediador deve passar por um treinamento que promova a escuta, a observação sobre os reflexos do conflito nas pessoas a partir de seu autocentramento e fraqueza, a fim de promover na intervenção do mediador o reconhecimento mútuo e o empoderamento dos participantes. (Neto, 2016, p.60)

Desta forma, o mediador irá facilitar o diálogo entre os envolvidos, sem apresentar opiniões ou induzir a tomada de determinada decisão. “O mediador deve ser formado para aprender a não emitir juízo de valor, diante dos mediandos, pois não lhe cabe julgar, ou mesmo aconselhar os sujeitos do conflito a partir de suas próprias convicções e valores, projetando-as, inadequadamente.” (BARBOSA, 2016 p. 38)

3 - IMPORTANCIA DA CONCILIAÇÃO E DA MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

O direito de família é, de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável. (GONÇALVES, Direito Civil Brasileiro – família, 2012, p. 21)

O Direito de Família é ligado diretamente a questões psicológicas, sentimentos e emoções, como afirmativa podemos dizer que ele une indivíduos por livre manifestação de vontade e antes a união harmoniosa é dissolvida por tornar-se carregada, difícil de ser mantida. (PINHO, A conciliação como instrumento de acesso a justiça e efetivação de direitos no âmbito familiar)

Com isso, a tomada de decisões deve ser o máximo possível para manter e valorizar os vínculos que um dia existiram ou que ainda podem existir, pois “as disputas familiares, por definição, envolvem relacionamentos que precisam perdurar. A síndrome do perde-ganha dos tribunais provoca um verdadeiro desastre numa família que se desfaz” (SERPA, 1998, p. 18)

Quando o Juiz de Direito sentencia um processo ele leva em conta o que o Direito legisla sobre a matéria, e analisa os atos processuais ali realizados, mas apesar de na audiência de instrução poder ter sido tomado o depoimento pessoal das partes, o dialogo é fechado e restrito as perguntas formalizadas.

Sendo assim, o processo judicial pode, em alguns casos, ter uma sentença tomada friamente, sem analisar a real situação dos ânimos dos envolvidos, os motivos que levaram a aquela situação ou estado.

Além de que as partes se relacionam no processo através de seus advogados, e não possuem um momento para conversarem sem estarem algemados aos atos processuais.

Conrado Paulino da Rosa ressalta a importância de métodos consensuais nas resoluções dos conflitos familiares, a fim de que uma decisão não aumente a instabilidade já existente:

As disputas familiares, por definição, envolvem relacionamentos que precisam perdurar. A síndrome do perde-ganha dos tribunais provoca um verdadeiro desastre numa família que se desfaz. Sabe-se que o ajuizamento da petição inicial toma a forma de uma autêntica ‘declaração de guerra’, e o vínculo do ódio, da vingança e da perseguição pode arrastar-se durante anos, dificultando a ambos o refazer da vida em ouras direções, perpetuando a ligação numa estranha forma de fidelidade(2010).

Em uma sessão de mediação, o mediador, mesmo sendo alguém que até o momento não conhecia os envolvidos no conflito, tem a oportunidade de fazer a parte falar, se expressar, consegue ouvir o intimo do cerne da questão, mesmo que para isso escute as partes em momentos separados para, depois, guia-los a uma conversa franca e aberta, onde os sentimentos poderão ser sobreposto sobre a lei, e a espiral do conflito se dissolva chegando em um acordo.

Maria Helena Diniz pondera que:

A mediação procura criar oportunidade de solução de conflito, possibilitando que, com maturidade, os protagonistas repensem sua posição de homem, mulher, pai e mãe, verificando seus papéis na conjugalidade e na parentalidade, e impedindo violência nas disputas de filhos menores e pelas visitas. Com isso, protege-se a prole de comprometimento psicológico e psicossomático, tão freqüentes no período pós-separação ou pós-divórcio dos seus pais.(2010, p. 361)

Isso não significa que o mediador venha a ter mais conhecimento jurídico que o Magistrado, mas sim que o mediador tem uma oportunidade melhor para escutar as partes e para guia-los a encontrarem um melhor entendimento para o conflito.

Na maioria dos casos, os conflitos familiares surgiram de algum desentendimento entre um casal, ou pai e filho, pessoas que se amavam, mas que por algum problema, seguiram para uma ruptura da relação, uma vez que o amor existente poderia ser instável, e apenas os envolvidos podem saber chegar a um fim ou a um novo recomeço.

Sobre isso, Luis Alberto Warat explica que:

“O desamor é uma despedida de um vínculo ou de um modo de nos relacionarmos. No desamor, existem perdas e ganhos. Perde-se a história vivida, mas ganha-se algo dessa história, se dela conseguimos tirar alguma lição e abrir-nos as perspectivas de futuro. O desamor é complicado porque as pessoas não sabem dizer adeus, botar um ponto final em uma história. Colocar um ponto final, dizer adeus, sem gerar conflitos de despedida é uma tarefa muito difícil, então as pessoas precisam ser ajudadas, principalmente, a descobrir que estão em uma fase de desamor. Ninguém nos ensinou a amar, muito menos nos ajudará a aprender a desamar, a fazer do desamor uma boa despedida.” (2001, p.132)

Cláudio da Silva Ribeiro e Leandro Gadelha Dourado Nogueira definem conflito como:

“O conflito surge quando existe oposição de interesses. Estes decorrem da simples razão de que os bens são limitados, ao passo que as necessidades humanas podem ser ilimitadas. O interesse, no raciocínio carneluttiano, não se confunde com o juízo do homem em relação a determinado bem da vida, mas com sua posição objetiva, isto é, a relação entre o homem- que sofre necessidades- e os bens-aptos a atendê-las. Assim, haveria um interesse mesmo que não houvesse vontade manifestada. Outrossim, o juízo é apenas uma revelação do real interesse, não este uma conseqüência do juízo.” (2010)

A mediação resgata a fala como meio de explicitação dos interesses ocultos, e, ao restabelecer a arte do diálogo como uma prática fecunda de falar e ouvir, promove a consideração à diferença como ponto de partida para o exercício da convivência humana (OLIVEIRA, TOALDO, Mediação familiar: novo desafio do Direito de Família contemporâneo).

A conciliação, já vinha sendo utilizada no Judiciário nas ações de Direito de Família e nos Juizados Especiais, mas não possuíam um fico resolutivo, geralmente era mais um ato processual necessário para prosseguimento do processo, apesar que ainda assim já contribuía para desafogar o Judiciário da massa de ações judiciais.

Agora, com o Novo Código de Processo Civil que instiga a prática de métodos consensuais, a conciliação está aflorando com um maior poder e incentivo. As demandas já existentes estão voltando para as audiências de conciliação para mais uma tentativa de acordo, agora com um conciliador melhor preparado para entender e levar as partes para a resolução do problema.

Atuando com um pouco mais de vigor, a conciliação pode ser a medida mais cabível nos casos em que as partes se mostram mais intransigíveis em chegar a um acordo ou realizar um diálogo, vez que o conciliador tem a oportunidade e poder de sugerir medidas para acalentar o problema.

Visto isso, o Direito de Família está mais resguardado em sua aplicação, com medidas resolutivas que levam os indivíduos a compreenderem suas realidades, sem preferir pelo prejuízo alheio.

CONCLUSÃO

O conflito transforma o indivíduo em suas relações interpessoais, gera desconforto, ansiedade, medo, dificulta outras relações. E quando o conflito envolve direitos familiares o abalo é ainda maior, considerando a relação que ali existe ou um dia existiu.

Uma das funções do Estado é a proteção e preservação da família, sendo assim, quando mais próximo das partes o Estado conseguir ficar, mais favorável será o resultado, mesmo que no ato esteja representado por um conciliador ou mediador, que ajudará o indivíduo a entender a si mesmo e ao próximo, traz a oportunidade de gerar uma resolução mais razoável e adequada a cada caso.

Além disso, os meios alternativos de solução consensual dos conflitos contribuem para a diminuição do número de processos judicial, além de reduzir a reincidência da lide, a morosidade e o ônus que toda a demanda processual gera ao Estado.

Destarte, continuar o incentivo da conciliação e mediação, seja em processos já existentes ou em lides não judicializadas, ajudará a sociedade, como um todo, a ser mais afável, tolerante e compreensivo com questões emocionais.

REFERÊNCIas

Bacellar, Roberto Portugal Mediação e Arbitragem. São Paulo : Saraiva, 2012. – (Coleção Saberes do Direito; 53) 1. Arbitragem (Direito) - Brasil 2. Mediação - Brasil I. Título. Ii. Série.

BARBOSA, Águida Arruda. Mediação: Educar para Mediar.  Revista Científica Virtual da Escola Superior de Advocacia Nº 23 - Verão 2016, São Paulo Oab/Sp - 2016. (p.36-45)

CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso À Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5.

GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família — 9. ed. — São Paulo: Saraiva,2012.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Métodos Consensuais de Solução de Conflitos no Novo CPC. IN: VVAA. O Novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo, Atlas, 2015, p. 1-21.

GROSSI, Tereza Mônica Menezes. Movimento Pela Conciliação Numa Perspectiva Social – Democrática. 2009. 126p. monografia para obtenção do título de especialista em direito constitucional. Universidade Estadual Vale Do Acaraú. Ceará, Fortaleza. 2009.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. v. 6. São Paulo: Atlas, 2007.

LÔBO, Paulo Direito civil : famílias – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011.

NETO, Adolfo Braga. O Mediador, sua ética, o Marco Legal da Mediação e o Novo CPC: comentários iniciais. Revista Científica Virtual da Escola Superior de Advocacia Nº 23 - Verão 2016, São Paulo OAB/SP - 2016. (p. 54-65)

OLIVEIRA, Fernanda Rech de, e TOALDO, Adriane Medianeira Toaldo. Mediação familiar: novo desafio do Direito de Família contemporâneo. Disponivel em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10860&revista_cadero=21#_ftn7>. Acesso em 13 de jan. de 2018.

PINHO, Lavinia Costa Santos. A conciliação como instrumento de acesso a justiça e efetivação de direitos no âmbito familiar. Diponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18209> Acesso em 13 de jan. de 2018.

ROSA, Conrado Paulino da. Mediação: uma nova alternativa no tratamento dos conflitos familiares Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6116> Acesso em: 13 de jan. de 2018.

SERPA, Maria de Nazareth. Mediação de família. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 18.

TARTUCE, Fernanda. Opção Por Mediação e Conciliação. Revista Científica Virtual da Escola Superior de Advocacia Nº 23 - Verão 2016, São Paulo OAB/SP - 2016. (p. 07-14)

VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008.

WARAT, Luis Alberto. O Ofício Do Mediador. Florianópolis: Habitus, 2001.

Sobre o autor
Giullian Claudino

Formado em Recursos Humanos pela Universidade Norte do Parana de Ensino Unopar 2008/2010 Formado em Direito pela Universidade de Cuiabá Unic Campus Tangará da Serra Faculdade Sociais aplicadas 2013/2018 Pós Graduação em Direito Civil e Direito Processual Civil para Unidom Universidade Bom Pedro II 2017/2018. Pós Graduação Ibra e Faculdade Ideal de Brasília em Direito Público : Constitucional, Administrativo e Tributário com 780 horas 2019/2020.

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