A adoção tardia no Brasil e o desafio de criação do vínculo afetivo

11/07/2020 às 18:32
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O presente artigo busca analisar a adoção tardia no Brasil e a dificuldade de criação do vínculo afetivo entre o adotado e o adotante, por já se tratar de crianças e adolescente com pré-conceitos já pré-estabelecidos e moldados.

Palavras-chaves: adoção. Adoção tardia. Família. Vínculo afetivo.

INTRODUÇÃO

A adoção se trata de um ato jurídico onde um indivíduo é assumido como filho por um casal ou por uma pessoa que não se trata dos pais biológicos dele, que assumem a responsabilidade de cuidar, zelar, proteger e educar, como se filho biológico destes fossem. Segundo o artigo 39, §1º, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa.  

A adoção faz parte da vida da sociedade desde os primórdios, onde, é possível perceber que o gesto de adotar, colocar crianças e adolescentes em famílias distintas das biológicas, devia-se ao fato de as famílias adotantes tinham melhores condições financeiras para criar e educar o adotado, definindo um traço típico de familiaridade, representando assim um vinculo afetivo que fora criado a partir do apego, afeto, a sensação de pertença àquela família.

Certo de que essa cultura merecia uma melhor atenção, foi-se criado o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) na década de 90, onde os critérios para a adoção se tornaram criteriosos, sempre visando assegurar a certeza que a adoção seria vantajosa para o adotado. 

CONCEITUALIZAÇÃO

MAC DONNELL (1981), define a adoção como “a forma de oportunizar uma família às crianças que não tiveram a possibilidade de serem criadas pelos pais que a geraram, assim como propiciar filhos aos pais que não puderam tê-los ou que optaram pelo cuidado de crianças com as quais não possuem ligação genética. A origem do termo “adoção” vem do termo em latim adoptare, que traduzido significa acolher, cuidar.”

Independentemente de como ocorreu a história do adotado, ela começa com a ruptura do laço dela com sua família biológica, surgindo então a necessidade de se adaptar-se a outra família que irá fazer o papel que era de responsabilidade da família biológica.

Embora não seja possível definir com previsão quando e onde surgiu a “cultura da adoção”, sabemos que esta já existe desde a antiguidade na sociedade e acontece em praticamente todos os povos, o ato de adotar crianças de outras famílias como se seus naturais, fossem.

A proteção à infância praticamente era inexistente, com isso, viu-se a necessidade de se criar uma legislação que acolhesse os direitos das crianças e dos adolescentes que, em muitas vezes, eram objetificadas. Então, nos anos 90, foi criado o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que tornou a adoção mais criteriosa, que se tornou um grande marco na história do Brasil.

Os casais que adotam crianças, são casais que não podem gerar seus próprios filhos, por motivos como a infertilidade ou a esterilidade. Também, são casais que por algum motivo perderam o(s) filho(os) e buscam, através da adoção, uma forma de preencher o vazio que ficou. Quando se trata de adoção por pessoa solteira, esta adota para a realização de um desejo de paternidade ou maternidade, para, na maioria das vezes, evitar a solidão.

A MODALIDADE DA ADOÇÃO TARDIA

A Cartilha de Adoção de crianças e adolescentes da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), define a expressão “adoção tardia” como sendo: a adoção de crianças maiores ou de adolescentes. Remete à discutível ideia de que a adoção seja uma prerrogativa de recém-nascidos e bebês e de que as crianças maiores seriam adotadas fora de um tempo ideal. Desconsidera-se, com isso, que grande parte das crianças em situação de adoção tem mais de 2 anos de idade e que nem todos pretendentes à adoção desejam bebês como filhos (ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS, 2007, p. 7).

As crianças consideradas "idosas" para adoção, segundo Vargas, são as crianças que (1998, p. 35):

ou foram abandonadas tardiamente pelas mães, que por circunstâncias pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando delas ou foram retiradas dos pais pelo poder judiciário, que os julgou incapazes de mantê-las em seu pátrio poder, ou, ainda, foram ‘esquecidas’ pelo Estado desde muito pequenas em ‘orfanatos’ que, na realidade, abrigam uma minoria de órfãos [...].

Dentre todas as modalidades de adoção, a adoção tardia com certeza é uma das mais complexas, pois ainda é vista com olhos preconceituosos e com algumas restrições, já que a preferência dos pretendentes que estão na fila para adotar é de crianças de 0 a 5 anos. Com isso, a chance de sucesso em uma adoção tardia, é baixíssima.

O medo e a insegurança que muitos casais manifestam no momento da adoção é de que, a criança ou o adolescente, que já está no lar para adoção a muito tempo, é de que esta não se adapte a realidade de uma família definitivamente, por esta já ter sua personalidade já pré-definida.

Outro ponto bastante questionado é, devido a criança ou o adolescente já ter passado por algumas famílias e essa adoção foi frustrada, tendo assim, a necessidade de voltar ao lar para posterior adoção, é o sentimento de rejeição e abandono nessa criança ou adolescente, sendo assim ela não conseguirá, com facilidade e sem ajuda médica, ter a consciência de que agora, ela pertence a um novo lar definitivamente.

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As crianças e adolescentes que estão abrigadas nos institutos espalhados por todo o país, vivem isoladas e possuem pouco contato com as pessoas do lado de fora. Muitas delas, no decorrer dos anos, vão desenvolvendo distúrbios, fazendo com que elas, ao serem adotadas, se deparem com uma dificuldade ao se adaptar ao novo ambiente familiar, tendo assim, uma certa dificuldade de se criar um vínculo afetivo naquele lar.

Ao se tratar da adoção tardia, a criança ou o adolescente, durante o processo, é ouvido, a fim de manifestar a sua vontade de viver com aquela família. Essa vontade, por óbvio, deve ser recíproca, tendo assim, o principal intuito de se evitar traumas na criança ou o adolescente que já foi rejeitada anteriormente.

Apesar de todas as dificuldades de se adotar uma criança, a adoção tardia se faz muito necessária quando se trata de crianças que já estão nos lares/abrigos há muitos anos, a espera de um lar. Essas crianças e adolescentes, apesar de já estarem pré-moldadas, a família que irá recebe-lo é quem vai moldá-lo como ser humano.

Conforme estudos, no Brasil, existem cerca de 40 mil pretendentes na fila de espera e mais de 90% destes, não aceitam adotar crianças maiores que 5 anos de idade. O problema de tudo é que, 62% das crianças que estão em lares de adoção espalhados pelo Brasil, possuem mais de 5 anos de idade. A família, durante o processo de adoção, cria uma ideia da criança que estão adotando e acabam, às vezes, por se frustrar, pois, não foram bem instruídos e com isso, acabam desistindo da adoção e a criança volta para o abrigo, sendo deixada a mercê.

A Constituição Federal promulgada em 1988, traz em seu texto legal uma expressão especial do Estado em se tratando da família, disposta no seu artigo 227, com o seguinte texto:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Também, no referido artigo, no §6º, prevê a igualdade dos direitos e qualificações quando se tratar de agente adotado, eliminando qualquer tipo de distinção entre filhos adotivos e legítimos.

Anotação Vinculada - art. 227, §6º da Constituição Federal - "A sucessão regula-se por lei vigente à data de sua abertura, não se aplicando a sucessões verificadas antes do seu advento a norma do art. 227, § 6º, da Carta de 1988, que eliminou a distinção, até então estabelecida pelo CC/1916 (art. 1.605 e § 2º), entre filhos legítimos e filhos adotivos, para esse efeito. Discriminação que, de resto, se assentava em situações desiguais, não afetando, portanto, o princípio da isonomia. RE 163.167, rel. min. Ilmar Galvão, j. 5-8-1997, 1ª T, DJ de 31-10-1997.]AR 1.811, rel. p/ o ac. min. Dias Toffoli, j. 3-4-2014, P, DJE de 30-10-2014"

Os adotantes, para que possam adotar, precisam preencher todos os requisitos elencados na Constituição Federal e no ECA, se responsabilizando pelo papel que se dispuseram a desempenhar em se tratando da pessoa adotada. A medida em que a criança vive em um lar, ela vai criando ainda mais dificuldade para se adaptar em novo lar, devido aos traumas sofridos anteriormente.

CONCLUSÃO

Até que o vínculo afetivo seja criado, é necessário paciência e respeitar a fase de conhecimento do adotado no novo lar. Essa fase é necessária que seja seguida por um profissional apto, para que ajude a família e o adotado a superarem os desafios para que se crie uma confiança e consequentemente, uma boa convivência estre eles.

Não há dúvidas de que a adoção, principalmente quando ela ocorre tardiamente, requer cuidados, pois o indivíduo a ser adotado, carrega consigo marcas, traumas e do tempo de permanência em instituições, vindo a ser acolhido por diversas vezes por família desestruturadas e inexperientes, não sendo alcançado o resultado e expectativa esperado.

Paciência, estudo, amor, dedicação, preparo e a certeza de que acontecerá um vínculo entre adotado e adotante, fará muita diferença em se tratando de criação de vínculo afetivo. Na adoção tardia exige ainda mais atenção e dedicação das partes adotantes, durante o período de adaptação. Estes ajustes são bastante evidentes, pois a criança deve se sentir amada e acolhida naquele lar, para que possa se adaptar de forma natural e seja bem-sucedida.

Referências:

  1. http://www.planalto.gov.br/ccivil03/leis/l8069.htm

  2. https://geracaoamanha.org.br/o-que-e-adocao-tardia/

  3. https://observatorio3setor.org.br/carrossel/adocao-tardia-quando-nao-se-define-idade-para-amar/

  4. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

  5. https://constituicao.stf.jus.br/dispositivo/cf-88-parte-1-titulo-8-capitulo-7-artigo-227

  6. http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000082005000200013&script=sci_arttext&tlng=pt

  7. https://www.redalyc.org/pdf/3215/321527373005.pdf

  8. http://fdci.br/wp-content/uploads/2019/07/THAIANY-LEAL-DE-OLIVEIRA.pdf

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Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trata-se de trabalho acadêmico, escrito por Sabrina Aparecida Ribeiro dos Santos, aluna do 7º período de Direito da instituição CESG - Centro de Ensino Superior de São Gotardo/MG

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