O CRIME DE GENOCÍDIO
Rogério Tadeu Romano
I – CASOS CONHECIDOS DE GENOCÍDIO
Casos recentes e conhecidos de genocídio podem ser citados tais como: o genocídio cambojano; o genocídio de Ruanda, o genocídio na Bósnia e ainda dos curdos promovido por Saddam Hussein, no Iraque, sem esquecer de registrar a chamada deportação dos chechenos e o genocídio do povo tibetano. O genocídio do povo judeu, durante a segunda guerra mundial, é um dos casos mais emblemáticos da história pela sua crueldade e pela forma como o nazismo o praticou de forma covarde e perversa.
No Brasil, há exemplo recente com o massacre de Haximu, em Roraima, um massacre cometido por garimpeiros contra os índios ianomâmis.
No genocídio realizado, 12(doze) pessoas foram mortas a tiros e mutiladas com facão. Pelo menos, 22(vinte e dois) garimpeiros foram acusados de participar da execução dos indígenas.
Em 2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o crime foi um genocídio e manteve a condenação formulada pela Justiça Federal.
II – NATUREZA JURÍDICA
O genocídio, cuja expressão foi inventada por Lemkin, serviu para designar vários atos dirigidos intencionalmente à destruição de um grupo humano, como já se lia na Convenção de 9 de dezembro de 1948, artigo 2
Lemkim, professor polonês, em sua comunicação à Conferência de Bruxelas, assim o definiu: “O crime de genocídio é um crime especial, consistente em destruir intencionalmente grupos humanos, raciais, religiosos ou nacionais, e como o homicídio singular, pode ser cometido tanto em tempo de paz como em tempo de guerra.
III – CONVENÇÃO DA ONU
O projeto de convenção da ONU, reprimindo o genocídio, foi redigido pelo próprio Lemkin, em comissão integrada por Vespasiano Pella e Donnedieu de Vabres, presidida por Maktos. A Convenção foi aprovada em Paris, em 9 de dezembro de 1948, tendo entrado em vigor em 12 de janeiro de 1951, após ter sido ratificada por 22 países.
A convenção declara que o genocídio, seja em tempo de paz ou em tempo de guerra, é crime do Direito das Gentes(artigo 1º).
Por sua vez, dita o artigo 2º:
Artigo II - Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como :
- assassinato de membros do grupo;
- dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
- submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial;
- medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
- transferência forçada de menores do grupo para outro.
Tem-se o artigo 3º:
Artigo III - Serão punidos os seguintes atos :
- o genocídio;
- o conluio para cometer o genocídio;
- a incitação direta e pública a cometer o genocídio;
- a tentativa de genocídio;
- a cumplicidade no genocídio.
A Convenção exclui a responsabilidade das pessoas jurídicas, omitindo qualquer dispositivo sobre a irrelevância da obediência hierárquica.
Mais a Convenção não estabeleceu jurisdição internacional para o julgamento desses crimes.
Estabelecem, nessa linha, os artigos sexto e sétimo:
Artigo VI - As pessoas acusadas de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no artigo III serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território foi o ato cometido ou pela corte penal internacional competente com relação às Partes - contratantes que lhe tiverem reconhecido a jurisdição.
Artigo VII - O genocídio e os outros atos enumerados no artigo III não serão considerados crimes políticos para efeitos de extradição.
Sendo assim o genocídio é um crime especial, consistente em destruir intencionalmente grupos humanos, raciais, religiosos ou nacionais e, como o homicídio singular, pode ser cometido tanto em tempo de paz como em tempo de guerra.
III – A CONFIGURAÇÃO DO CRIME
Configura o genocídio ainda que um só seja a vítima, desde que atingido em caráter pessoal como membro de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como disse Heleno Cláudio Fragoso(Lições de Direito Penal, parte especial, 7ª edição, pág. 85). O genocídio especifica crime autônomo contra bem jurídico coletivo, diverso dos ataques individuais que compõem as modalidades de sua execução.
A matéria está sujeita à Convenção Internacional, que foi ratificada pelo Brasil, tendo sido promulgada através do Decreto n 30.822, de 6 de maio de 1952, devendo o novo Código Penal revogar a Lei 2.889, de 1956, que trata da tipificação do crime de genocídio, incluindo como tipo o genocídio provocado por gênero, língua ou etnia.
Dando cumprimento às responsabilidades assumidas no documento pelo Brasil, foi promulgada em 1º de outubro de 1956, a Lei nº 2.889, definindo o crime de genocídio.
Tem-se no artigo 1º:
Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: (Vide Lei nº 7.960, de 1989)
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a;
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;
Com as penas do art. 270, no caso da letra c;
Com as penas do art. 125, no caso da letra d;
Com as penas do art. 148, no caso da letra e;
Tem-se ainda:
Art. 2º Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para prática dos crimes mencionados no artigo anterior: (Vide Lei nº 7.960, de 1989)
Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos.
Art. 3º Incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1º: (Vide Lei nº 7.960, de 1989)
Pena: Metade das penas ali cominadas.
§ 1º A pena pelo crime de incitação será a mesma de crime incitado, se este se consumar.
§ 2º A pena será aumentada de 1/3 (um terço), quando a incitação for cometida pela imprensa.
Art. 4º A pena será agravada de 1/3 (um terço), no caso dos arts. 1º, 2º e 3º, quando cometido o crime por governante ou funcionário público.
Art. 5º Será punida com 2/3 (dois terços) das respectivas penas a tentativa dos crimes definidos nesta lei.
IV – O GENOCÍDIO NO CÓDIGO PENAL DE 1969, NO PROJETO DO CÓDIGO PENAL E NO DIREITO COMPARADO
O genocídio, que foi incluído no Código Penal de 1969, entre os crimes contra a pessoa, em orientação oriunda do anteprojeto Hungria, passa, em função dos estudos promovidos por comissão de juristas que formulou uma proposta de reforma do Código Penal, como crime contra a humanidade. A ele deverão ser somados outros crimes nessa categoria, tais como: escravidão, extermínio, tortura provocada contra um grupo de pessoas em razão dele, gravidez e esterilização, falando-se ainda na transgenerização forçada.
A inclusão do genocídio como crime contra a humanidade segue o modelo do Código iuguslavo, que o incluiu sob a rubrica ações puníveis contra a humanidade e o direito das gentes(artigo 124). Por sua vez, o projeto alemão de 1962 classificou esse crime num título especial: fatos puníveis contra a comunidade dos povos.
Não segue o Projeto do Código Penal pátrio o Código Penal alemão que foi introduzido em 1954, § 220, inserindo o genocídio entre os crimes contra a vida. Por sua vez, o projeto do CP alemão de 1962 previa o genocídio em título especial: Crimes contra a comunidade dos povos(Straftaten gegen die Völkergemeinschaft).
Devem as vítimas pertencer a determinado grupo nacional, étnico(que se refere a povo, como grupo biológico e culturalmente homogêneo) ou religioso, ou a determinada raça.
No Projeto do Código Penal, no artigo 459, há o tipo objetivo desse crime, que envolve a prática de condutas(matar alguém, ofender a integridade física ou mental de alguém, realizar qualquer ato com o fim de impedir ou dificultar um ou mais nascimentos, no seio de determinado grupo; submeter alguém a condição de vida desumana ou precária ou transferir, compulsoriamente, criança ou adolescente do grupo ao qual pertence para outro)com o propósito de destruir, total ou parcialmente, um grupo, em razão de sua nacionalidade, idade, idioma, origem étnica, racial ou social, deficiência, identidade de gênero ou orientação sexual, opinião política ou religiosa.
V – A AÇÃO TÍPICA DO CRIME DE GENOCÍDIO
As ações que configuram o crime de genocídio não se dirigem, em primeira linha, contra a vida do indivíduo, mas sim contra grupos de pessoas, na sua totalidade. Como bem jurídico tutelado, surge, portanto, a vida em comum dos grupos de homens na comunidade dos povos, em primeiro plano. O bem jurídico tutelado no crime de genocídio reside em ideias humanitário, como ensinou Maurach(§ 48, II, A).
Como lecionou Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 85) não se trata, pois, de considerar a humanidade como bem jurídico, mas, sim, de identificar valores particularmente dignos de proteção jurídica no respeito humano de pessoas que integram certos grupos que de outros se destacam apenas por sua nacionalidade, raça ou religião.
A ação típica configura-se com a efetiva submissão de uma coletividade de pessoas integrantes de grupos, de qualquer forma ou através de qualquer meio, a condições capazes de causar a sua eliminação. Não se exige a superveniência desse resultado, bastando a criação de condições com potencialidade causal para produzir a morte de uma pluralidade de pessoas componentes de um grupo.
VI – O TIPO SUBJETIVO
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo desse crime de genocídio.
Observe-se a questão sobre o sujeito passivo desse crime.
Embora a definição do delito se refira a “membros de um grupo”, pode configurar-se o crime, ainda que um só seja vítima, desde que atingido em caráter impessoal, como membro de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Ensinam sobre isso Quinano de Ripollés(Tratado, I, 647). Em sentido contrário tem-se: Francisco P. Laplaza, El delito de genocídio, 1953, 77 e ainda Eduardo L. Gregorini Clusellas(Genocídio, Su prevención y represiòn, 1961, 44).
Assim a pluralidade de vítima é irrelevante para a configuração do delito, devendo ser levada em conta na medida da pena.
VII – O DOLO
O crime exige o dolo, pois não há genocídio culposo. O crime requer vontade consciente dirigida no sentido de matar, como ainda, e particularmente, o propósito de aniquilamento, no todo ou em parte, no grupo como tal.
O crime de genocídio é praticado mediante dolo específico consistente na destruição de um grupo humano.
Se a ação de matar não for praticada para destruir membros de determinado grupo nacional, étnico(povo, grupo biológico e culturalmente homogêneo) ou religioso como tais, o crime a identificar será apenas o de homicídio, simples ou qualificado, conforme o caso.
VIII – COMPETÊNCIA
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência da Justiça Federal para apreciar o crime de genocídio, sendo inclusive competência do Juiz Federal, salvo quando a conduta implicar em crime doloso contra a vida, caso em que a competência é do Tribunal do Júri Federal.
No Brasil, o crime de genocídio, em si, não atrai a competência do Tribunal do Júri. No entanto(RE 351.487/RR), havendo concurso formal entre o genocídio e o homicídio doloso, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes de homicídio e genocídio, cometidos no mesmo contexto fático.