O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE ESTÁGIO: UMA ANÁLISE EM FACE DAS DECISÕES DA JUSTIÇA DO TRABALHO

15/07/2020 às 13:25
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Atualmente, um milhão de estagiário no Brasil estão em busca de aprendizado profissional.Faz-se presente neste ambiente o assédio moral, prática que prejudica os objetivos basilares contidos na lei 11.788/2008-Lei do Estágio.

Introdução

O estágio, como experiência que visa colocar em prática o desenvolvimento teórico aprendido nos centros educacionais de ensino médio, técnico e superior, teve seu início na década de 70, no qual as empresas, ao procurarem por mão-de-obra qualificada, começaram a admitir alunos de universidades em uma relação baseada na prestação de serviços. Segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Estágios (ABRES), existemum milhão estagiários no país, sendo 740 mil estudantes do ensino superior e 260 mil provenientes do ensino médio e técnico (ABRES,2018).O estágio, portanto, apresenta-secomo o primeiro contato de muitos estudantes com o ambiente profissional. Destacam-se comoprimeirasmotivaçõespara a realização do estágio a prática dos conhecimentos aprendidos em salae a experiênciasupervisionada,no entanto, para outros, tal oportunidade também se relaciona com a contraprestação pecuniária (bolsa-auxílio).Éneste ambiente de trabalho que o estagiário, assim como o empregado, está sujeito a situações que caracterizam o assédio moral, prática esta que compromete os objetivos fundamentaisdo estágio relativos ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular(BRASIL, 2018b).Desta forma, buscar-se-á elucidar as seguintes questões: O que é assédio moral?Quais as modalidadesde assédio moral existentes? Como tal prática prejudica os objetivos previstos na Lei 11.788/2008-Lei do Estágio, bem comoa saúde física e mental doestagiário?Qualo posicionamento da Justiça do Trabalhono Brasil sobre os processos envolvendo pedidos de reparação por dano moral decorrentesdeassédio moralsofrido pelos estagiários?Portanto, evidencia-se como foco de estudo e análisedeste artigoo assédio moral em face de decisões da Justiça do Trabalho no Brasil.

Resultados

Os conteúdos analisados e expostosvisando àelaboração deste artigo tiveramcomo contextoindagações cujo surgimento se deua partir da leitura de decisões judiciais na esfera da Justiça do Trabalhono que concerne ao assédio moral sofrido por estudantes emsuas experiências pré-profissionaisproporcionadas pelo estágio.Em pesquisa sobre o posicionamento da Justiça do Trabalho sobre o assédio moral no estágio, evidenciou-se que o assunto é uma realidade no cotidiano do estagiário, podendo o assédio moral ser configurado e punido mesmo sendo a relação de estágio ausente de vínculo empregatício, segundo posição defendida pelo Ministro Pedro Paulo Manus em entrevista ao site do Tribunal Superior do Trabalho (RICARDO REIS,2018).

A Justiça do Trabalho tutela as lides envolvendo reclamações referentes a assédio moral praticado contra estagiários. Como exemplo, a lide judicialcitada em matéria publicada no site do Tribunal Superior do Trabalhosobre Fraude a Lei do Estágio e outras questões. No texto foi exposto o caso de um estagiário da empresa Ambev de Curitiba (PR)queteve reconhecido seu pedido de indenização por danos morais após ser destratado por seu supervisor, que o apelidavade “burro, imbecil e incompetente”(RICARDO REIS, 2012).Em PortoVelho/RO, o Ministério Público do Trabalho(MPT) apósdenúncias de empregados e estagiáriosde Direito contra oescritório de Advocacia Carlos Troncoso, Naza e Pereira e Associados, instaurou a ação civil pública n.0000375-58.2015.5.14.0002para condenar o dono do referido escritório pela prática de assédio moral.

A 2ª Vara do Trabalho de Porto Velho acolheu as alegações do MPT de Rondônia condenando o escritório de advocacia ao pagamento de R$ 400.000,00 mil reais para reparar os danos morais sofridospelos estagiários (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL MPT-RO-AC, 2015).Em outro casode ocorrência de assédio moral no ambiente de estágio, a 1ª Vara do Trabalho de Betim/ MG, condenou uma empresa a pagar o valor de R$ 5.000,00milreais a título de indenização por danos morais. O assédio moral era praticado por superior hierárquico que desferia contra os estagiários insultosdepreciativos, tais como: "gordo manchado" e "peça de salame"(REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2016).

Por mais que os posicionamentos acimacitados inferem resultados positivos quantoatutela jurisdicionalem relação àsdenúncias e processos de assédio moral, o número de estagiários que denunciamo assédio moral ainda é baixo. Essa é a constatação de uma pesquisa realizada pela Pedagoga Luciana de Jesus Brito, em sua tese de conclusão de curso pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UNB). Em sua pesquisa, que tinha como alvos estagiários de nível médio e superior, dos 126 alunos participantes, 94% relataram játer sofrido assédio moral no ambiente de estágio, porém somente 24% denunciaram o ocorrido(BRITO2016, p.43).

 

Discussões

O estágio como ferramenta de aprendizado apresenta-se como elemento imprescindívelde uma nação em desenvolvimento, na qual se necessitade profissionais mais jovens e cada vez mais capacitados, conforme aponta AmauriNascimento (2012):

 

Para o desenvolvimento econômico-cultural de um país, principalmente a um país emergente como o Brasil, que envida todos os esforços possíveis para dar um salto de qualidade que tem como ponto de partida a sua preocupação coma educação, voltadas para a efetiva utilidade profissional, que pressupõenão apenas o conhecimento teórico, mas o domínio das exigências que resultam da realidade do exercício das profissões(NASCIMENTO, 2012, p.993).

Neste sentido, Ana Cecília Bianchi (2003) ressalta que a atividade doestágio possuiaspectosquevão além da supervisão,possibilitando ao estagiário o desenvolvimento de experiências profissionais relativas à troca de informações e conhecimentos e avaliação das atividades desenvolvidas, possibilitando o aumentode competências ecorreção de erros (BIANCHI, 2003).

É no ambiente de estágio que o assédio moral é praticado, causando prejuízosàsaúde física e mental dos estudantes.João LuísVieira Teixeira (2009) definiu o assédio moral como:“atos de perseguição, coação, humilhação ou atitudes afins com o objetivo de minar a resistência psicológica do trabalhador, menosprezando-o e,levando-o a um estado de depressão ou tristeza profunda.” (TEIXEIRA, 2009, p.22).Na visão deMarie-France Hirigoyen (2002) o assédio moralseapresenta como uma ameaça à saúde do ambiente de trabalho e as pessoas que o compõe. Para a autora, o assédio moral configura-se por meio de “[...]comportamentos, palavras, atos, gestos,escritos que podem trazer dano à personalidade, àdignidade ou a integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu empregoou degradar o ambiente de trabalho”(HIRIGOYEN, 2002, p.65).

Segundo MariaAparecida Alkimin (2010) assédio moral no ambiente de trabalho consiste em práticas (atose gestos) vexatórias e humilhantes ocorridas no ambiente de trabalho de forma sistemática e prolongadas, caracterizando violência psicológica. A autora ressalta que a doutrina classifica o assédio moral em vertical, horizontal e ascendente. A primeira modalidade está ligada a superioridadehierárquica, na qual o empregador aproveita-se da sua posição para aprática do assédio (ALKIMIN, 2010).Já o assédio horizontalse manifestaentre colegas de trabalho(TEIXEIRA, 2009).

Tratando-se do assédio em sua forma ascendente,essa modalidade ocorre quando o sujeito agressor ocupa a posição hierárquica de subordinado ou cargo inferior àvítima(ALKIMIN, 2010).Diante da realidade supracitada na sessão “Resultados” deste artigo e a exposição das modalidadesede assédio moral noambiente de trabalho, faz-seimprescindívelevidenciar a atuação da Justiça do Trabalho nos processos judiciais de assédio moral contra estagiários.

A Constituição Federal de 1988, em seu inciso I, art. 114,preceitua que é de competência da Justiça do Trabalho processar a julgar as ações oriundas da relação de trabalho.Não obstante, também cabe a Justiça do Trabalho tutelar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho(BRASIL, 2018a).Ressalta-se, neste tocante, a questão da responsabilidade civil do agressor no que concerne à reparação do assédio moral sofrido pela vítima e consequentes danos mentais, físicos e de aprendizado sofridos.

O Código Civil em seu art. 186 explicita o dever de reparar“aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”(BRASIL, 2018c).Tem-se, portanto, como colorárioassédio moral o dano moral.YussefSaid Cahali(2011)defineo dano moralcomoa lesão ao patrimônio imaterialdo indivíduoocasionandodorde cunhomorale psicológicoe consequente sofrimento a vítima.Corroborandoa conceituação de Cahali (2011), Carlos Roberto Goncalves (2018)ressalta que o dano moral“[...] é a lesão de bem que integra os direitos de personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade,o bom nome, etc. [...]”(GONÇALVES, 2018,p.388).

Destarte, há a necessidade de se respeitar o objetivo principal prescrito na Lei 11.788/2008-Lei do Estágio que visa o “aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho”(BRASIL,2018b). Se o estágio compreende o ambiente no qual os estudantes, em sua maioria, irão vivenciar a primeira experiência de trabalho, indaga-se a seguinte questão: Comoa experiência do estágio será positiva se o meio laboral se encontrarmarcado por práticas de assédiomoral? A essa pergunta, Fabrisia Franzoi (2007) acentua os sentimentos adquiridos e as marcas advindas do assédio moral que:

 

[...] trata-se de um processo destruidor que pode levar a vítima a uma incapacidade até permanente e mesmo à morte: o chamado bulicídio. A agressão tende a desencadear ansiedade e a vítima se coloca em atitude XXIIEncontro Latino Americano de Iniciação Científica, XVIIIEncontro Latino Americano de Pós-Graduação e VIIIEncontro de Iniciação à Docência -Universidade do Vale do Paraíba.4defensiva (hipervigilância), por ter a sensação de ameaça, surgindo, pois, sentimentos de fracasso, impotência e baixa autoestima e humilhação, que é um sentimento de ser ofendido, menosprezado, rebaixado, inferiorizado, submetido, vexado, constrangido, e ultrajado pelo outro. É sentir-ser um ninguém, sem valor, inútil. Magoado, revoltado, perturbado, mortificado, traído, envergonhado, indignado e com raiva. A humilhação causa dor, tristeza e sofrimento (FRANZOI, 2007, p. 136).

Pelo exposto, ao verificar-se aLei do Estágio (Lei 11.788/2008)no que concernea fiscalização e proteçãodo estagiário em relação ao assédio morale suas consequências, evidencia-se que tal questão encontra-se prevista de forma inespecífica, residindo no que prevê o § 1º, art.15da referida lei:“A instituição privada ou pública que reincidir na irregularidade de que trata este artigo ficará impedida de receber estagiários por doisanos, contados da data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente”(BRASIL,2018b).Ressalta-se, nesse sentido, que as penalidadesacima citadassó serão imputadas caso haja denúncia e essas sejam comprovadas (BRITO,2016).

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Conclusão

Este trabalho evidenciou que a ocorrência do assédio moral se estende ao ambiente de estágio conforme decisões da Justiça do Trabalho.Emboraa Justiçavenha se posicionando quanto àexistência do assédio moral contra estagiários, reconhecendo como procedentes ações judiciais cujo objetivo é a declaração do dano moral e consequente reparação, ainda são poucas as ações em tramitação frente a realidade do ambiente de estágioe a práticado assédio moralcontra estudantes, conforme demonstrado neste artigo.

Desta forma, entende-se que o estágio,como ferramenta de aprendizagem profissionale socialdos estudantes,necessita ser geridode forma mais responsável e atentapelo Ministério do Trabalho e pelaAgência Brasileira de Estágios (ABRES)no que se refereaodesenvolvimento de práticas de fiscalizaçãoeficazestendo como alvos asconcedentes para coibira prática do assédio moral no ambiente de estágio.Espera-se queo presente artigo auxilie o desenvolvimentoe aprimoramentode pesquisas e estudos nas áreas jurídica e educacional, visando preveniroassédio moral no ambiente de estágio, bem como asseguraras vítimas o conhecimento de seus direitos e o acesso à justiça.

Referências

ALKIMIN,Maria Aparecida. Assédio moral na relação de trabalho. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010.

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BIANCHI, Ana Cecília de Moraes; ALVARENGA, Maria; BIANCHI, Roberto. Manual de Orientação: estágio supervisionado. 3.ed.,São Paulo: Thomson, 2003.

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BRITO,Luciana de Jesus. Assédio Moral: Implicações no processo formativo do estágio.Brasília: UNB, 2016.CAHALI, Yussef Said. Dano moral. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2011.

FRANZOI, Fabrisia. Estudos Jurídicos em Homenagem aos 25 anos do TRT em Santa Catarina: Assédio Moral: Caracterização e marcas deixadas nas vítimas. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto.Direito Civil Brasileiro:Responsabilidade Civil-Vol.4 13 ed. São Paulo: Saraiva,2018.

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 27. ed.,São Paulo: Saraiva, 2012.REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. Estagiário ofendido continuamente pelo superior deve ser indenizado. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-jul-19/estagiario-ofendido-continuamente-superior-indenizado>. Acesso em: 17 ago.2018.

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RICARDO REIS. Vida de Estagiário-Fraude à Lei do Estágio e outras questões trabalhistas. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/materias-especiais/-/asset_publisher/89Dk/content/vida-de-estagiario-fraude-a-lei-do-estagio-e-outras-questoes-trabalhistas>. Acesso em: 22 abr. 2018.

TEIXEIRA, João Luís Vieira. O assédio moral no trabalho:conceito, causas e efeitos, liderança versus assédio, valoração do dano e sua prevenção.São Paulo: Ltr, 2009.

 

Sobre a autora
Thayra Azevedo Peters Valente

Advogada na Carvalho e Ferreira Advogados Associados. Pós-Graduanda em Processo Civil pela Damásio. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP). Aprovada no XXIX Exame da Ordem dos Advogados. Experiência como estagiária nas áreas jurídica e comunicacional nos setores público e privado. Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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