EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO A SÓCIO/ACIONISTA
Decretada a falência da sociedade empresária, do empresário individual ou de empresa individual de responsabilidade limitada[1], a sentença que os retira do mercado faz com que ocorram efeitos jurídicos em relação (i) a entidade falida (empresa individual, empresário individual ou pessoa jurídica de direito privado); (ii) aos sócios ou acionistas; (iii) aos bens e contratos do devedor falido; (iv) a certos atos praticados pelo devedor, que poderão não surtir efeitos jurídicos em relação à massa falida (ineficácia ou revogação de ato); (v) aos credores (e reivindicantes) e a terceiros juridicamente interessados no processo falimentar.
Essa sentença judicial também espraia significativos efeitos imediatos, retroativos e futuros, além determinar da formação do chamado “juízo universal da falência”.
Por fim, há o surgimento da assim denominada massa falida (objetiva e subjetiva[2]) quando da prolação da sentença. Aqui não há lugar para se estender no circunstanciado exame dos vários aspectos antes mencionados, ficando o texto restrito a questão peculiar, nem sempre objeto de análise pela doutrina nacional e quase despercebida pelos tribunais pátrios.
O legislador de 2005 - bem como o de 1945 -, fez certa confusão, por assim dizer, quanto a nomenclatura falimentar, ao generalizar o termo “falido”[3], ora se referindo à entidade em tal estado, ora fazendo menção aos seus sócios ou acionistas, ora dispondo acerca do empresário individual.
Importa, então, tomar certo cuidado interpretativo quando da leitura da Lei 11.101/05, na qual consta indiscriminadamente o termo “falido”, não estabelecendo a imprescindível distinção entre a pessoa jurídica em estado falimentar e seus participantes (sócio/acionista), por exemplo. Há, por evidente, inequívoca precisão conceitual em vários dispositivos da aludida lei, porquanto, salvo engano, todos são considerados “falidos”.
Infelizmente, os participantes de pessoa jurídica falida ainda carregam, em pleno século XXI, o estigma de serem “falidos” perante a sociedade, tal como o severo direito romano.
Geralmente, não o são. O cidadão comum, salvo raríssimas exceções, não diferencia “empresa” de sócio e para este, o sócio/acionista é falido. Afinal, para ele, tanto faz...
Deixando de lado o exame da Lei 12.441/2011 (que criou a figura da “empresa individual de responsabilidade limitada”[4]) e do empresário individual[5], que com ela em nada se assemelha, insta escrever algumas palavras especificamente a respeito da pessoa jurídica de direito privado (sociedade empresária), cuja falência é decretada judicialmente, bem como acerca de determinados efeitos jurídicos relacionados aos componentes da entidade falida.
Nessa esteira, “falida” é a pessoa jurídica, é a entidade retirada do mercado, retirada essa que ocorre via sentença judicial. Para que uma entidade seja considerada juridicamente falida faz-se necessária a prolação de sentença, traduzindo-se esta num dos três pressupostos do estado falimentar[6].
Sem sentença – declaração judicial expressa retirando o devedor do mercado - não há falar em falência, mesmo que no plano fático a situação espelhe tal realidade (simples “fechamento” da “empresa”). Com propriedade, assim disserta Marlon Tomazette:
Estamos falando aqui tanto dos empresários individuais (pessoas físicas) quanto das sociedades empresárias (pessoas jurídicas ou não) e das Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada - EIRELI’S, vale dizer, não falamos apenas de pessoas jurídicas enquadradas como falido, mas de qualquer devedor empresário. Por ser considerado falido, é a pessoa do devedor, suas obrigações, se[7]us contratos e seus bens que sofrerão dos efeitos da falência
A falência é, pois, um estado de direito[8]. De todo evidente que situações fáticas relacionadas ao devedor (assim denominados “atos de falência”) podem ensejar sua retirada do mercado, a teor do art. 94, III, “a”, “f”, da Lei 11.101/05, como exemplos.
No tocante aos componentes da pessoa jurídica (sociedade empresária) falida, a lei estabelece determinados direitos (arts. 81, §2º e 103, parágrafo único) e deveres (art. 104, como exemplo), não mais podendo administrar e dispor dos ativos (art. 103). Não se pode olvidar da situação jurídica do assim denominado “sócio ilimitadamente responsável” (art. 81 da Lei 11.101/05), cuja redação é péssima, aliás[9].
Em resumo, a leitura do atual texto sobre falência e recuperação, o diploma legal de 2005, prestes a sofrer significativa alteração em sua estrutura, há de ser interpretado com redobrada cautela, a fim de que o hermeneuta não considere falido quem não o é.
Por fim, os que mergulham no agitado mar da falência e da recuperação (esta na vitrine, em dias cinzentos e conturbados economicamente), deveriam estar cientes de que imprescindível a leitura dos doutrinadores clássicos nacionais e estrangeiros, para fins de aprendizado e reflexão.
[1] A respeito: Lei 11.101/05, art. 1º; Código Civil, arts. 966 a 980, 1150 a 1154; Lei 12.441/2011.
[2] Que, ao contrário do que muitos pensam, não se torna “proprietária” dos ativos arrecadados. A respeito do instigante tema: CLARO, Carlos R. A propriedade e a administração dos bens na falência. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, n. 66, maio/agosto/2010. Porto Alegre: AMP/RS. Bem esclarece Pontes de Miranda: o falido continua dono dos bens da massa falida, arrecadados ou não. No tocante à posse, a arrecadação apenas retira ao falido a posse que ele tinha, mediatizando a sua posse, ou tornando-a mediata de grau acima. Tratado de direito privado. Parte Especial. Tomo XXVIII. 3ª dição, 2ª reimpressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 241. Observe-se que o grande jurista se utiliza do vocábulo “falido”.
[3] O art. 104 é exemplo típico.
[4] Constituída por uma única pessoa natural ou jurídica, titular da integralidade do capital social.
[5] Portanto, mantida está a figura do empresário individual (não existe separação entre bens pessoais e os utilizados para a atividade econômica, deixando de observar o princípio da separação de patrimônio. Noutros termos, o empresário responde de forma ilimitada por todas as dívidas por ele livremente contraídas).
[6] Sobre o tema, por todos: REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 1º. Volume. São Paulo: Saraiva, 1998, 17ª edição
[7] Curso de direito empresarial. Volume 3: falência e recuperação de empresas. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 365.
[8] A insolvência, por outro lado, se traduz em fato. É um fato econômico patológico, nas palavras de Alfredo Rocco. Cf. REQUIÃO, op. cit., p. 64.
[9] Frederido A. Monte Simionato bem escreve que a nova lei não é necessariamente ‘liberal’; trata-se de uma legislação ‘simplista’ e redigida de ‘maneira atabalhoada’, bem ao gosto dos tempos atuais. Tratado de direito falimentar. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 3. Grifos no original. Não há como discordar do autor.