Localizada atualmente no Livro IV do Código Civil, inclusa em seu Título IV, a curatela jaz como um dos assuntos mais debatidos na atualidade quando o tema é o Direito das famílias, posto que, de certo modo, igualmente influi relativamente nos direitos patrimoniais e solidários expostos pela Constituição Federal. Desde os primórdios do direito tal disposição está situada como um dos institutos preceituais e prevencionais da ordem pública, sendo que é de responsabilidade do Estado, da sociedade e da própria instituição familiar presarem por tal amparo como expõe o jurista Paulo Lôbo .
No direito romano com a Lei das XII Tábuas já era possível a constatação da curatela frente o tratamento dado aos pródigos, loucos e menores de vinte e cinco anos, os quais tinham seus bens geridos por terceiros que eram designados para tais responsabilidades. De igual forma na Idade Média esta disposição ocorria sobretudo com as mulheres, as quais até se casarem eram consideradas incapazes para os atos da vida cível e eram curateladas por seus pais, e, não diferentemente, quando se casavam somente era transferida a responsabilidade a seus maridos.
Constata-se pelo contexto histórico brevemente enunciado acima, que, a curatela acompanha mormente a evolução cultural, política, social e jurídica com o passar dos anos, junto a evolução da coletividade perante os direitos, especialmente os que se referem a inclusão. No Brasil o mencionado instituto assistencial foi inserido na codificação material pelas Ordenações Filipinas e pelo Código Civil de 1916, que, no entanto visavam maior proteção patrimonial dos bens do curatelado do que os próprios direitos inerentes ao interdito.
A evolução da sociedade contemporânea e o acompanhamento legislativo impulsionado pelo neoconstitucionalismo, consistiram na influenciação para que o Código Civil de 2002 inaugurasse a curatela voltada a fim de que em primeiro lugar fosse vislumbrada como forma de proteção ao indivíduo, que não possuísse sensatez absoluta da pratica de seus atos, e posteriormente, uma forma de proteção a seus bens móveis e/ou imóveis.
Destarte, foi em 2015, com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/ 2015) e da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ou Estatuto da Pessoa com Deficiência como também é titulada (Lei nº 13.146/2015), que valores constitucionais sob a ótica da premissa social sobressaltaram ainda mais a particularidade pública da curatela. A solidariedade social foi enaltecida pela nova perspectiva principiológica da solidariedade familiar, uma interpretação ampliativa do artigo terceiro da Constituição Federal de 1988 , conforme os ensinamentos dos doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho .
Aludidas inovações da atividade legiferante revogaram diversas normas consideradas preconceituosas presentes no Código Civil de 2002, como o tratamento arraigado aos indivíduos com discernimento mental diminuído e/ou excepcionais, enfermos por causa transitória ou permanente, que eram considerados como absolutamente incapazes, conforme a antiga redação do artigo terceiro .
Atualmente com a evolução da teoria das incapacidades os aludidos indivíduos garantiram os direitos ao exercício de todos os atos da vida cível de caráter pessoal, salvo se sofrerem uma ação de interdição de maneira excepcional. No entanto diferentemente do que ocorria antes, esta implicará somente em uma curatela relativa, visto que todos os relativamente incapazes possuem seus direitos pessoais/corpóreos de igual modo, bem como o direito a: constituir uma sociedade matrimonial ou conjugal; sexualidade; laborar; votar; privacidade; educação; saúde; e dentre outros diversos normalmente impostos a qualquer outro cidadão capaz. Exemplo disso se encontra no artigo 1523 do Código Civil , que apresenta somente a suspenção do casamento do curatelado, se este for entre seu curador e o próprio enquanto a relação jurídica perdurar, todavia ainda sim poderá ser sanada pelo próprio órgão jurisdicional se verificar que não haverá prejuízos ao curatelado, ou se sanado com a simples adoção do regime de separação obrigatória de bens.
O múnus público atribuído pela lei a curatela recai sobre os acondicionamentos dos artigos 1767 a 1783 do Código Civil, e do mesmo modo, a ação de interdição que a antecede declarando o indivíduo como incapaz e nomeando seu curador está prevista nos artigos 747 a 758 do Código de Processo Civil.
O direito assistencial em comento divide espaço com a tutela, tomada de decisão apoiada e a guarda imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Embora na essência tais institutos sejam semelhantes, com relação ao encargo jurídico imposto aos responsáveis, há grandes dessemelhanças em seus respectivos bojos normativos. A tutela é voltada à administração do patrimônio de menores que não estão sobre a proteção do poder familiar, já no que se refere a tomada de decisão apoiada é, em certos aspectos, uma alternativa à curatela, a qual o deficiente elegerá duas pessoas para o auxiliar sobre os atos jurídicos cíveis que ele pretender executar com sua própria personalidade. De igual modo também existe a guarda, que corresponde a uma das incumbências do poder familiar em cuidar e proteger os filhos assegurando-lhes seus direitos.
É importante ressaltar que o instituto em comento, isto é, a curatela, corresponde ao encargo jurídico atribuído aos legitimados pela lei, aos quais possuem um termo de decisão judicial atribuindo-lhe como representante de determinada pessoa com maioridade cível, sendo esta, interditada para sua proteção e de seus próprios bens.
A curatela conforme previsão genérica do artigo 1767 do Código Civil incidirá sobre aqueles que forem interditados pelo poder jurisdicional como, os ébrios habituais, ou seja, aqueles indivíduos que fazem o uso constante e frequente de bebidas alcoólicas ficando consequentemente incapazes de gerir, com o total controle, suas ações patrimoniais.
Acomete também os viciados em tóxicos, isto é, todos os sujeitos que façam usualmente o uso de substâncias químicas e psicotrópicas, titularizadas popularmente como drogas elencadas na Portaria nº 344 expedida pelo governo federal por meio do Ministério da Saúde. Aludidos dependentes químicos devem fazer o uso dos elementos de forma corriqueira da mesma forma que os ébrios, acima elencados, para serem interditados como toxicômanos.
Sujeitar-se-ão igualmente aqueles que por motivos transitórios ou permanentes não sejam capazes de exprimir suas vontades como os que estão em coma, por exemplo, e de igual modo, os pródigos, que são aqueles que esbanjam mais do que o limite de seus patrimônios.
Como já mencionado, tais hipóteses estão elencadas no ordenamento jurídico pátrio genericamente, em decorrência disso, será, também há novas excepcionalidades abrangidas pelo Código Civil, que relativamente são inovações perante todo o arcabouço jurídico, como por exemplo, a condição de curatela do nascituro, as divergências que incidem sobre o “atropelamento normativo”, como é chamado por Flávio Tartuce em sua obra referente ao Direito das Famílias , ocasionadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Novo Código de Processo Civil, e dentre outras situações.
A corrente da dignidade-liberdade, defendida por Paulo Lôbo, Pablo Stolze e Flávio Tartuce como principais autores precursores desta , nortea o posicionamento teórico de todo o presente instrumento de estudo aqui elaborado, visto que todas as circunstâncias que são elucidadas no artigo apresentado pairam sobre a premissa da inclusão e adaptação social exaltada pela supradescrita teoria, que é nada menos que uma explicação doutrinária acerca da teoria das incapacidades já também mencionada.
Demonstrada a função social do instituto em explano é importante enfatizar que este até o momento presente se depara em constante evolução jurídica, visto que, há várias críticas que norteiam o tema, tanto pelos precedentes dos tribunais superiores como pela doutrina hodierna. A curatela dos interditos é de extrema significância para a proteção daqueles que não detenham discernimento e capacidade plena para a pratica dos atos jurídicos existentes na vida rotineira de cada curatelado, ademais, não é de particularidade essencial à pessoa do próprio interdito, mas também as outras partes dos atos por eles praticados, pois sem o acompanhamento necessário todos seus atos serão sujeitos a anulabilidade pela falta da capacidade exigível para a pratica destes.
Preza-se a proteção do indivíduo, dos contratantes para com o interdito, de herdeiros numa possível sucessão, dentre outros que guardem interesse direto no tocante a garantia auxiliadora a ser efetivamente consignada, isto é, esta executar-se-á respeitando um prévio procedimento especial jurisdicional, com a análise de um laudo médico que indique o grau de intensidade de prejudicialidade da percepção do indivíduo, junto a uma apuração do melhor curador possível para os interesses do curatelado, com intuito de evitar injustiças dentre várias outras precauções.
Àqueles que detenham capacidade mitigada por motivos aquém a idade, a atual legislação vem se adaptando cautelarmente, exemplo disso é o Projeto de Lei nº 757 de 2015, de autoria do Senado Federal, que embora disponha da proclamada crítica doutrinária foi declarado encerrado pela Câmara dos Deputados em 2018. Entretanto este ainda é alvo de comentários positivos pela doutrina, salientando que mencionado tema pode voltar a ser alvo da atividade legislativa em breve. Igualitariamente a jurisprudência também vem avançando significativamente junto ao posicionamento dos juristas que adotam esse posicionamento pró-inovações.
Findo todos os apontamentos aqui demonstrados observa-se que a curatela apresenta cinco características inerentes ao seu instituto, as quais foram constatadas ao longo deste trabalho e são evidenciadas inclusive por Carlos Roberto Gonçalves .
Primordialmente a curatela é um direito assistencialista, em regra, inerente àqueles adultos incapazes de gerir seus patrimônios, visto que esta somente será concedida excepcionalmente, caso o incapaz não seja menor, como regra já mencionada, e se não estiver sobre o poder familiar ou tutela de terceiros. Deste modo resta à curatela sua aplicação como ultima ratio, emitindo sobre o indivíduo a proteção de si próprio com alusão a suas ações, além disso essa peculiaridade também é coligada ao segundo atributo, que é a supletividade, posto que a curatela, como supracitada, só irá ser aplicada se não couber as outras medidas mais abrangentes acerca das prerrogativas do interdito, sendo consequentemente esta, a mais restrita em comparação aos limites dos poderes do curador, recaindo somente sobre a administração e gerência dos bens do curatelado.
Seguindo a linha de raciocínio, a terceira característica típica é a temporariedade, que, inclusive é exaltada no parágrafo terceiro do artigo 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência , conquanto a curatela tem este caráter temporário por enquanto perdurar a incapacidade e não é conferida como um encargo irrevogável e intertemporal, consistindo a sua extinção quando terminado o motivo de sua imposição.
A próxima qualidade apresenta a natureza pública do instituto, não obstante já ressalvava Paulo Lôbo acerca deste fato como aludido anteriormente. Isto posto, é exasperado que o Estado possui o dever de zelar pelos interesses dos incapazes, e, delega sua obrigação ao curador capaz, e de confiança do próprio curatelado para o exercício do causam legal a ele cominado.
E por último sem esgotar o tema obviamente, a propriedade da interdição por meio da real certeza da diminuição psicopática do curatelado com a instauração minuciosa e cautelar da ação de interdição, com a presença de todos os documentos hábeis para o onus probandi e a analise perspicaz de todo aparato estatal disponibilizado pelas vias judiciais.
Além do mais é conveniente expor que mesmo que a curatela seja temporária e esteja ligada ao tempo de discernimento do interdito, esta não admite no ordenamento os chamados intervalos lúcidos, ou seja, mesmo que o curatelado celebre algum ato e aparentemente esteja com sua capacidade preservada este ato será anulado pois vigora sobre ele a momentaneidade e subjetividade das circunstâncias presentes no ato fático, que são de difícil controle por parte do judiciário. Caso tal prática fosse permitida poderia acarretar inúmeros prejuízos a quem está interditado, lembrando que a interdição só será cessada da mesma maneira que foi constituída, isto é, por meio do procedimento especial previsto pelo Código de Processo Civil, e não pelo ímpeto do próprio interdito no momento da celebração de um contrato por exemplo.
As curadorias enfatizadas neste artigo abordaram mormente as especificidades do instituto, como a extensão desta aos nascituros e àqueles incapazes envoltos em amplas discussões entre as funções legislativa, normativa, judiciária e sociológica, embora também tenha elencado sobre o tema de forma generalizada.
Concluímos que o direito assistencial em nota necessita ainda das inovações aclamadas pelos estudiosos do campo em estudo, outrossim ainda corresponde a um grande reforço para o controle da ordem social e sobretudo um imenso avanço para aqueles que necessitam desta proteção, bem como dizia Ingo Wolfgang Scarlet, que:
“A dignidade humana é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para a vida saudável, para que tenha bem-estar físico, mental e social, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”
REFERÊNCIAS:
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Manual de Direito Civil – Volume único. 4. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
GONÇALVES, Carlos Roberto; LENZA, Pedra (Coordenador). Direito Civil esquematizado 3: Responsabilidade civil, direito de família, direito das sucessões. 5. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famílias, 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
SCARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
SITE: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
SITE: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
SITE: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm
SITE: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Direito de Família. 14. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.