A PROIBIÇÃO DE CENSURA À PUBLICAÇÃO DE OBRA

18/07/2020 às 11:49
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A PUBLICAÇÃO DE OBRA NAZISTA DENTRO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

A PROIBIÇÃO DE CENSURA À PUBLICAÇÃO DE OBRA

Rogério Tadeu Romano

Como se lê do Metrópoles, em 20 de janeiro de 2020, em texto de Elmano Silva, mesmo antes do fim da ditadura, em 1985, a pregação hitlerista era coibida no Brasil.

É o que mostra uma lista de obras censuradas no governo militar enviada em 1976 pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) à Universidade de Brasília (UnB). Inédito, o documento inclui Mein Kampf (Minha luta), de Hitler, na “Relação de livros nacionais e estrangeiros proibidos por portaria do senhor ministro da Justiça”.

Mein Kampf é o título do livro de dois volumes de autoria de Adolf Hitler, no qual ele expressou suas ideias antissemitas, anticomunistas, antimarxistas, racialistas e nacionalistas de extrema-direita, então adotadas pelo Partido Nazista.

Hitler escreveu o livro na prisão, depois da frustrada tentativa de golpe de estado em Munique, no episódio “Putsch da cervejaria”, em 8 de novembro de 1923. Ele foi condenado a cinco anos, mas teve a pena reduzida para nove meses.

No dia 25 de abril de 2012 o jornal O Globo noticiou que a Alemanha voltaria a publicar em 2016, sete décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial e a morte de Adolf Hitler, o livro "Mein Kampf" ("Minha luta"), que contém parte das memórias e as linhas gerais do pensamento do ditador nazista. A ideia era divulgar uma edição comentada da obra, inclusive com uma versão simplificada para ser usada nas escolas. Apesar de defender ideias antissemitas, muitas das quais serviram de inspiração para o Holocausto, "Mein Kampf" não era proibido na Alemanha, como foi dito naquela reportagem.

A Constituição de 1988, democrática e cidadã, permite que seja dada à sociedade o conhecimento dessa obra, que é considerada a “bíblia da extrema-direita”.


Conforme Anna Virginia Balloussier (4 de Dezembro de 2015, 'Bíblia de Hitler' cai em domínio público, e livrarias estudam a venda)   os direitos do livro, que pertenciam a Adolf Hitler, foram entregues ao Estado da Baviera, por ordem do próprio Hitler. O Estado da Baviera recusou-se a republicar e permitir republicações do livro, por isso o mesmo não se encontrava mais à venda, porém tais direitos caíram em domínio público no dia 31 de Dezembro de 2015, podendo ser editado e traduzido por outras editoras.

Sabe-se que é um livro que foi escrito em 1925 e tem passagens racistas e antissemitas.

O racismo gera a discriminação e o preconceito segregacionista. Por sua vez, o fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo é de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Trata-se de concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social.

A origem do nazismo se encontra no legado autoritário do Império Alemão, na incapacidade de lidar com a derrota na Primeira Guerra Mundial e o fracasso na obtenção de um compromisso político durante a República de Weimar. Quando se trata de explicar o Holocausto, os alemães questionam o lugar que o antissemitismo e a xenofobia ocupavam na sociedade e os fatores psicológicos e culturais que levaram cidadãos comuns a aceitar, ou participar de atrocidades inomináveis.

Para tanto, ficaram as ideias de Wagner: antissemitismo, culto ao legado nórdico e o mito do sangue puro. Tudo isso era uma mentira, que determinou num verdadeiro estado de loucura popular. Crimes bárbaros foram cometidos de genocídio que fizeram a Alemanha até hoje pedir desculpas à humanidade pelos males que trouxe.

A publicação dessa obra chegou a ser proibida no Brasil.

Como é notório, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proibiu a comercialização, exposição e divulgação de Minha Luta, de Adolf Hitler, em todo o Estado, conforme decisão do juiz Alberto Salomão Junior, da 33ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.

Data vênia, a decisão afronta ao princípio impositivo democrático exposto no artigo 1º da Constituição Federal.

Como dito no Portal da Veja, em 3 de fevereiro de 2016, “O Brasil é um país de pouco apego à liberdade de expressão. Até alguns meses atrás, era necessária uma autorização para você poder publicar uma biografia de algum personagem público”, afirma o advogado Cláudio Lins de Vasconcelos, diretor-relator da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), lembrando a mordaça às biografias derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).  

Não se pode lutar contra o “autoritarismo da obra de Hitler” com mais autoritarismo.

Na democracia há a permanente realidade dialógica. No totalitarismo rompe-se o diálogo, aniquilam-se as liberdades. Desconhecem-se direitos.

Pensemos em barreiras legais à ação daqueles que advogam contra os princípios e as instituições democráticas. Nesse sentido, Karl Loewenstein propôs, em 1937, a controvertida doutrina da “democracia militante”, incorporada pela Lei Fundamental em 1949 e aplicada pela Corte Constitucional alemã nas décadas seguintes. Foi o caso do combate a organizações terroristas de esquerdas que atuaram na década de 1970 na Alemanha.

Por essa doutrina, é possível investigar e mesmo restringir direitos de grupos que ameaçam a democracia, como agora ocorre com os radicais na Alemanha.

Isso pode-se chamar de democracia militante.

Dir-se-ia que as democracias constitucionais já estabeleceram mecanismos voltados a conter ataques aos seus pilares fundamentais. Mas, a democracia, como forma de convivência, tem sempre a sua volta o espectro de pensamentos contra ela voltados.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Para tanto, há, como no Brasil, com sua Constituição-cidadã de 1988, a fixação de cláusulas pétreas que defendem a sua integridade contra qualquer possibilidade de alteração. Isso é um indicativo a Corte Constitucional, suprema guardiã da Carta Democrática, para a sua atuação.

Ora, não há censura prévia no Brasil.

Disse o ministro Celso de Mello:

“Uma República fundada no princípio da liberdade e estruturada sob o signo da ideia democrática não pode admitir, sob pena de ser infiel à sua própria razão de ser, que os curadores do poder subvertam valores essenciais como aquele que consagra a liberdade de manifestação do pensamento”.

Num Estado democrático de direito, cuja Constituição libertária proíbe a censura, não se pode falar em proibição de divulgação de obra, voltando-se aos tempos de um Estado Autocrático.

Uma justificativa célebre para essa primazia dada à liberdade de expressão, que engloba até mesmo discursos de ódio e preconceito, vem do constitucionalista americano Ronald Dworkin, segundo o qual permitir que as ideias circulem sem entraves é um elemento fundamental da democracia “porque o Estado deve tratar todos os cidadãos adultos como agentes morais responsáveis, sendo esse um traço essencial ou constitutivo de uma sociedade política justa”.

É preciso que a sociedade tenha conhecimentos dos malefícios trazidos à humanidade pela obra de Adolf Hitler de modo a entender que tais ideias não se amoldam a um mundo voltado à democracia, como melhor forma de convivência social, e tire sobre ela as próprias conclusões necessárias.  

Não se pode, afinal, negar a história, mesmo que de triste memória.

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos