A história das Constituições paraguaias

Constituições paraguaias

19/07/2020 às 00:54
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Ao longo da história, a República do Paraguai teve seis Constituições 1813, 1841, 1870, 1940, 1967 e 1992 atual vigente, a sexta do país desde sua independência da Espanha, em 1811.

A Constituição ou Carta Magna, é um conjunto de regras de governo, muitas vezes codificada como um documento escrito, que enumera e limita os poderes e funções de uma entidade política. No caso dos países, o termo refere-se especificamente a uma Constituição que define a política fundamental, princípios políticos, e estabelece a estrutura, procedimentos, poderes e direitos, de um governo.

         Estudar as Constituições que o Paraguai já teve, faz com que tomemos consciência dos principais conteúdos da história paraguaia. A partir dela podemos perceber várias coisas como a economia do país, a sociedade e a política toda em um determinado período em que a Constituição estava em vigor. Assim analisando as constituições até os dias de hoje podemos perceber todo o processo de evolução que o Paraguai passou.

         Ao longo da história, a República do Paraguai teve seis Constituições 1813, 1841, 1870, 1940, 1967 e 1992 atual vigente, a sexta do país desde sua independência da Espanha, em 1811.

         Precisamos lembrar que as constituições são apenas textos. Se serão meras utopias ou se servirão de indicativos para a conquista de direitos e, consequentemente, para a construção de uma sociedade mais justa e digna, vai depender de nossa participação enquanto homens e mulheres em busca de uma verdadeira cidadania.

A CONSTITUIÇÃO DE 1813

         O Regulamento Governamental Constitucional aprovado pelo Congresso em outubro de 1813, no qual figuram 17 artigos, prevê um governo formado por dois cônsules, José Gaspar Rodríguez de Francia e Fulgencio Yegros.

         Os autores também estabeleceram um legislativo de mil representantes. Reconhecendo a importância dos militares no país em guerra, os autores concederam a cada cônsul o cargo de general de brigada e dividiram as forças armadas e arsenais em partes iguais entre eles. Com efeito, dentro de dez anos, Yegros e o poder legislativo haviam sido eliminados, e Francia governava diretamente até sua morte em 1840.

         Entre 1811 e 1814 ocorreram várias disputas políticas em torno da independência e da declaração da República, cujo ponto final se deu em um Congresso composto por delegados de todo o território ao elegerem o “Ditador Provisório” José Gaspar Rodríguez de Francia (1766-1840). Era um advogado que tinha estudado na Universidade de Córdoba, Argentina, um jacobino nos trópicos. Essa eleição teria sido resultado de acordos políticos entre França e pequenos produtores rurais e urbanos, contrários à prepotência e pretensões dos comerciantes portenhos e seus aliados locais. Dois anos depois, outro Congresso o nomearia “Ditador Perpétuo”.

         Francia foi eleito em 1814 por um congresso de cidadãos livres com a incumbência de manter a independência do Paraguai de todo poder estrangeiro. Entre 1814 e 1816 as assembleias eram incompletas, pois parte importante do povo não tinha direito à participação política, por exemplo, as mulheres e os escravos. Nisso, o Paraguai não tinha excepcionalidade em relação às demais nações americanas, incluindo os Estados Unidos da América, tido como exemplo de democracia, e às da Europa.      A ditadura de Francia impôs restrições aos direitos dos espanhóis residentes, expropriou bens de quem conspirou contra a independência, prendeu quem organizou as conspirações e fuzilou seus principais líderes alguns com papel relevante na independência em 1811. Submeteu o exército ao mando civil, ou seja, a seu mando eliminando o caudilhismo militar que teve importância na independência e tinha vigência por toda América Latina. Separou a Igreja Católica paraguaia de Roma. Estatizou o comércio exterior, um escândalo em tempos de livre comércio e criou áreas de economia estatal. Aplicou um mercantilismo tardio, acumulou ouro em mãos do Estado. Como resultado de sua política, que continuou no governo seguinte, a maior parte do território nacional era propriedade pública, concedendo direito de uso aos produtores rurais. Esses e outros feitos fizeram estudiosos ver no seu governo a “primeira revolução popular” na região e a constituição de uma “república camponesa”. Exagerando, houve também quem visse indícios de “socialismo” na experiência.          Francia colocou como meta impedir que o Paraguai fosse atingido pelas convulsões políticas da região, onde gestavam estados-nação. E olhando para as guerras civis que tomaram conta do Cone Sul, no primeiro meio século de independência, sua preocupação trazia bases objetivas. Foi tachado de “isolacionista”. Obcecado por esse objetivo, inclusive, negou-se ao projeto do José de Artigas de unir as regiões, que hoje formam o Uruguai, várias províncias argentinas e o Paraguai, então espremidas entre Buenos Aires e Rio de Janeiro. Derrotado Artigas pelas oligarquias, Francia lhe deu um refúgio político digno.

A CONSTITUIÇÃO DE 1841

          O debate da época esteve muito centrado na discussão acerca da capacidade da República do Paraguai manter sua existência independente, evitando a anarquia advinda da finalização de um período de governo que legou o problema da acefalia governamental, contudo, pressionado por setores da elite que advogavam a necessidade da liberalização do Estado, com a garantia dos direitos naturais dos cidadãos, que estavam sendo negados em nome da independência nacional, supostamente ameaçada caso se empreendesse a liberalização política, dado o despreparo cívico da população que fomentaria a crescente anarquia política interna, implicando em recrudescimento das investidas externas contra a soberania paraguaia.

         Em 1841, o sucessor de Francia, Carlos Antonio López, pediu ao Congresso que revisasse a Constituição. Três anos mais tarde, uma nova Constituição concedeu poderes a López, que eram tão amplos quanto as que Francia havia virtualmente tido quando governava. O Congresso podia fazer e interpretar as leis, mas só o presidente poderia ordenar que elas fossem promulgadas e executadas. A Constituição não colocou restrições às faculdades do presidente além de limitar seu mandato em dez anos. Na Constituição não há garantias de direitos civis, sem haver a menção da palavra liberdade em todo o texto. Apesar desta limitação, o Congresso nomeou López ditador vitalício alguns anos mais tarde. Ele morreu em 1862, depois de 21 anos de governo sem oposição.

         Desta forma, antes dos Congressos Gerais de 1841 e 1844 vigorou a anarquia, e aquela “fadiga cívica” à qual o povo esteve submetido nas décadas anteriores converteu-se em um clamor dos Congressos Gerais pela maior mobilização, visando encontrar saídas para a crise política vivenciada. Assim, a situação do país no início da década de 1840 era delicada e a crise era evidente, pois as paixões políticas vislumbravam a anarquia, e a Junta que governava o país estava atuando sem uma orientação clara, pressionada pelos vários grupos da elite paraguaia ávidos por maior participação política, após o período isolacionista do Dr. Francia (González de Bosio, 2010, p. 76).

         Durante o Congresso Geral de 1841 conformaram-se duas posições diametralmente opostas quanto ao modelo de Estado a ser adotado pelo Paraguai. Por um lado, o grupo liderado por Juan Bautista Rivarola um dos líderes do movimento independentista de 1811, defendendo ideias liberais, propondo a redação de uma Constituição democrática e a implantação de um regime de liberdades. Por outro lado, o grupo liderado por Carlos Antonio López, defendendo a instituição de um governo forte e enérgico, que mantivesse a paz e a tranquilidade pública. Segundo López Moreira (2014), a postura de Juan B. Rivarola inspirava-se nas ânsias de liberdade e justiça, expondo categoricamente a necessidade de que o Paraguai tivesse uma Constituição democrática que implantasse um regime de liberdade. Contudo, Carlos A. López expressava que, dadas as circunstâncias vividas no país, era impossível ditar uma Constituição liberal, fazendo-se necessário instituir antes um governo forte e enérgico que impedisse a anarquia e garantisse a paz pública. Na concepção de Chaves (2013), a objeção de Carlos A. López manifestava sua ideia de que aquele não era o momento apropriado para uma Constituição liberal, fazendo-se necessário, antes, um período de governo forte.

         Estabelecido o Consulado, este estava dividido em dois ramos, em igualdade de jurisdição e autoridade, e devendo atuar coordenadamente: o civil, relativo à Carlos Antonio López, e o militar, relativo à Mariano Roque Alonso. O primeiro voltou-se às tarefas administrativas do Governo, enquanto o segundo às tarefas militares (Vera, 2013). Segundo Cardozo (1987), para os grandes desafios que se postavam ao Paraguai, a figura de Carlos Antonio López inspirava a confiança da grande maioria. “El peso de la administración durante los tres años del Consulado había recaído íntegramente sobre sus hombros. Su prestigio en la opinión pública y en el Ejército estaba sólidamente asentado” (Cardozo, 1987, p. 92).

         A confiança que López inspirava em amplos setores da população advinha, segundo Chaves (1955), de sua identificação com o movimento de renovação paraguaia, visando a construção de um novo Paraguai. O novo Paraguai almejava uma existência mais progressista e aberta ao mundo, paulatinamente saindo do isolamento dos anos do Dr. Francia, sendo o Estado o grande promotor das políticas essenciais para a consecução de tais objetivos.

         O regulamento de governo aprovado no Congresso Geral de 1844 entronizava o poder pessoal do presidente da República, “al que se debía obediencia y delante del cual los ciudadanos tenían que sumisamente saludar y descubrirse a su paso”. Ademais, a “Lei de Administração política da República do Paraguai” considerada como a primeira Constituição do país, ainda que não reunisse as características gerais das constituições de seu tempo, não especificava direitos e garantias, assim como não declarava os fins do Estado. Ainda que reconhecesse a separação dos três poderes do Estado, mantinha uma superioridade do Executivo. O Poder Legislativo exercia-se pela Assembleia composta de 200 deputados, que deveria se reunir a cada cinco anos. Como não governavam em conjunto, o Poder Executivo acabou fazendo-se sumamente proeminente (Vera, 2013). Quanto aos direitos individuais, Cardozo (1987, p. 95) ressalta que “los únicos derechos expresamente reconocidos al individuo fueron el de la igualdad ante la Ley y el de ser oído en quejas por el Gobierno”.

         Evidencia-se nesta lei de organização da autoridade pública a precariedade do Poder Legislativo, suprido pelo Congresso dos 200 deputados que se reuniria apenas a cada cinco anos. Isto impossibilitaria o governo conjunto com o Executivo, dado seu caráter descontínuo, intermitente, consubstanciando uma situação na qual se deu maior amplitude ao poder presidencial. “De hecho, esta Ley, llamada también Constitución de 1844, otorgaba todos los poderes a una sola persona: Don Carlos Antonio López, quien ejerció la primera magistratura del Paraguay durante tres periodos consecutivos” (López Moreira, 2014, p. 175).

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         O Congresso Geral de 1844 reestabeleceu o governo unipessoal, na figura de Don Carlos Antonio López, logrando capitalizar a proeminência de seu trabalho no Consulado, que lhe garantiu ser o herdeiro do poder e do prestígio do Dr. Francia (Vera, 2013). Assim, durante seu governo, López controlou o Estado e manteve seus detratores alijados de seus objetivos, com duras sanções e censuras, ainda que de um modo distinto de seu antecessor (Vera, 2013). Isso fez com que a Lei de 1844 aparecesse aos olhos dos liberais, principalmente do grupo de Rivarola, como a constitucionalização da tirania (Catalano, 1986).

         Os governos da Primeira República (1811-1870) seguiram uma mesma linha de pensamento e decisão quanto à relação entre o poder social (Estado) e o cidadão. Não existia senão uma linha vertical e autoritária entre o usufrutuário do poder, para quem a função de governar implicava o direito ao exercício de uma autoridade irrestrita, e os cidadãos, cuja obrigação superior era a obediência, sem direito ao exercício das liberdades cívicas (Benitez, 1993). Cabe ressaltar que, a partir dos Congressos Nacionais de 1841 e 1844, o Estado está constituído por instituições mais bem definidas, em relação aos períodos anteriores. Ainda que de modo superficial, a “Lei de Administração política da República do Paraguai”, de 1844, estabelece a divisão de poderes, bem como a periodicidade da reunião dos Congressos, porém tudo sob a onipresente autoridade do Executivo, o “Supremo Governo” (Benitez, 1993).

         A partir da institucionalização do corpo político surgida da “Lei de Administração política da República do Paraguai”, López conseguiu criar a maquinaria estatal que permitiu sua perpetuação no poder até a sua morte, em 1862, legando o governo ao seu filho, Francisco Solano López, que governou entre 1862 e sua morte, em 1870, quando é finalizada a Guerra da Tríplice Aliança, conflito que modificou completamente os rumos do Paraguai. Apenas em 1870, após a guerra, o debate político público novamente pautou a questão da estruturação do Estado, quando promulgou-se uma Constituição liberal, nos moldes advogados três décadas antes por Rivarola e seus correligionários.

A CONSTITUIÇÃO DE 1870

         Ao final da desastrosa Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870), uma Assembleia Constituinte aprovou uma nova constituição em setembro de 1870, que com modificações, se manteve em vigor durante oitenta e sete anos. A constituição se baseava em princípios de soberania popular, união dos poderes, e um legislativo bicameral composto por um Senado e uma Câmara dos Representantes.

         O conflito iniciou-se com o aprisionamento no porto de Assunção, em 11 de novembro de 1864, do barco a vapor brasileiro Marquês de Olinda, que transportava o presidente da província de Mato Grosso, Frederico Carneiro de Campos, que nunca chegou a Cuiabá, morrendo em uma prisão paraguaia.

         O governo do Brasil rompeu relações com o Paraguai, e o conflito teve início. As perdas humanas sofridas pelo Paraguai são calculadas em até 300 mil pessoas, entre civis e militares, mortos em decorrência dos combates, das epidemias que se alastraram durante a guerra e da fome.

         Centenas de milhares de civis e militares morreram na Guerra do Paraguai. Há divergências quanto ao número de vítimas, mas, segundo algumas estimativas, o Brasil cujos soldados representavam dois terços do exército aliado teria perdido 50 mil homens nas frentes de batalha. Na história da América Latina, não houve nenhum conflito armado em que lutaram e morreram tantos homens como na Guerra do Paraguai. O Brasil, a Argentina e o Uruguai perderam cerca de 120 mil soldados.

         Os gastos com a guerra foram altos e prejudicaram a economia brasileira, aumentado a dívida externa e a dependência de países ricos; A Inglaterra aumentou a sua influência no continente, consequência dos empréstimos de dinheiro e apoio militar oferecidos aos países da Tríplice Aliança.

         A Inglaterra tinha grandes interesses na Guerra do Paraguai, pois não queria que o Paraguai avançasse industrialmente e controlasse as exportações na América Latina, e a Inglaterra tinha medo pois, nesse momento era a potência industrial, abastecendo toda a Europa e América.

         Não restam dúvidas que o objetivo da Tríplice Aliança não era derrotar um ditador (López), nem levar civilização a um país bárbaro, como afirmavam nesses anos as propagandas governamentais e os historiadores oficiais do Brasil e da Argentina. Foi uma guerra de extermínio nas frentes de combate e de destruição das bases materiais do desenvolvimento do país. Em 14 de janeiro de 1869, o Duque de Caxias, à época comandante das forças aliadas, na Ordem do Dia 271, dava a guerra por terminada. E, em sua comunicação a Dom Pedro, avisava que a partir daí seria apenas uma caça, indigna para um militar. Foi o que fez Conde D’Eu, que o substituiu. Pelas características do regime instaurado por Rodríguez de Francia, setores de uma nascente oligarquia paraguaia tinham se refugiado em Buenos Aires. Durante a guerra, formaram uma “Legião” de soldados paraguaios exilados, vindos daquela cidade que lutou junto com os aliados contra o exército paraguaio. Assim, não foi difícil para as tropas de ocupação instalar um Governo Provisório em 1869 que, entre suas primeiras medidas, decretou que López era um “fora da lei”, “para sempre expulso da terra paraguaia como assassino de sua pátria e inimigo do gênero humano”. Com a morte de López em 01 de março de 1870, os “legionários” convocaram uma Assembleia Constituinte para aprovar uma Constituição liberal copiada no fundamental da Argentina, a partir da qual foi eleito um presidente da República. Tudo sob a tutela dos chefes militares das tropas de ocupação do Brasil e da Argentina.

A CONSTITUIÇÃO DE 1940

         Em 1939, o presidente Higínio Morinigo respondeu a um entrave político ao dissolver o Congresso e se declarou ditador. Para dramatizar o desejo de seu governo pela mudança, foi promulgada uma nova constituição em julho de 1940. Esta constituição reflete a preocupação do governo com a estabilidade e o poder, portanto optando por um Estado com poderes de alcance extremamente amplo.

         O presidente, que foi eleito em eleições diretas para um mandato de cinco anos, com reeleição permitida por um ano adicional, pode intervir na economia, no controle da imprensa, reprimir grupos privados, suspender as liberdades individuais e tomar medidas excepcionais para o bem do Estado. O Senado foi abolido e a Câmara de Representantes teve seus poderes limitados. Foi criado um Conselho de Estado para representar os interesses de grupo da Igreja Católica, de militares e banqueiros.

         Em 1940, um setor militar assumiu o poder, expulsando os liberais do governo e ilegalizando o partido. Em 1947, os colorados aliados ao presidente e um setor militar chegaram ao governo depois de uma sangrenta guerra civil da qual esse partido saiu vitorioso contra o setor legalista do exército apoiado por liberais, “febreristas” e comunistas. O país viveu em grande instabilidade política com governos colorados sucedendo-se aceleradamente ao calor da luta interna desse partido até que em 1954 um golpe de Estado liderado por uma facção colorada colocou o general Alfredo Stroessner no poder. Stroessner eliminou do Partido Colorado elementos que lhe faziam oposição, em uma série de purgas até 1959, e “coloradizou” as Forças Armadas. Em sinal de alinhamento com os ditames dos EUA, assinou um dos primeiros acordos com o FMI e se entregou a um furioso anticomunismo com assessoramento direto do governo norte-americano. O governo de Stroessner enfrentou uma greve de estudantes em 1958 e uma greve geral operária em 1959. Reprimiu ambas com extrema violência e descabeçou, por um lado, um setor que ainda lhe fazia oposição dentro do seu partido que no exílio se transformaria em Movimento Popular Colorado (MOPOCO) e por outro, o movimento operário a Confederação Paraguaia de Trabalhadores (CPT) que viu sua direção e a de seus sindicatos sofrer intervenção de agentes da ditadura pelas décadas seguintes. No início dos anos 1960 a ditadura derrotou duas tentativas guerrilheiras, uma liderada por liberais, o Movimento 14 de Maio, e outra por comunistas, a Frente Unida de Libertação Nacional (FULNA). Antes, durante e depois dessa tentativa de luta armada comunista, o governo perseguiu violentamente o Partido Comunista Paraguaio (PCP), que teve seus principais dirigentes presos por longos anos, alguns até finais da década de 1970.

A CONSTITUIÇÃO DE 1967

         Depois de tomar o poder em 1954, o ditador Alfredo Stroessner governou o país pelos próximos treze anos sob a Constituição de 1940. Uma Assembleia Constituinte convocada por Stroessner em 1967 determinou a manutenção dos traços gerais da Constituição de 1940, e deixou intacto o amplo alcance do poder executivo. Sem dúvida, se restabeleceu o Senado e a Câmara de Deputados. Ademais, a Assembleia permitiu que o presidente fosse reeleito por outros dois mandatos a partir de 1968.

         A Constituição de 1967 contém um preâmbulo, 11 capítulos com 231 artigos, e um último capítulo com disposições transitórias. O Primeiro capítulo contém onze "estados fundamentais", a definição de uma ampla variedade de temas, incluindo o sistema político (uma república unitária com governo democrático representativo), os idiomas oficiais (espanhol e guarani) e a religião oficial (catolicismo).

         Stroessner foi parte ativa na Revolução do Pynandi (pés descalços em guarani), uma guerra civil em 1947 que é considerada um massacre à classe trabalhadora paraguaia. Em 1954, ele ascende ao poder através de um golpe de Estado, derrotando Federico Chaves, de seu próprio partido, o Colorado, e é eleito presidente em uma eleição indireta sem oposição.

         O regime de Stroessner, marcadamente anticomunista e pró-EUA, fez com que o Paraguai se tornasse um terreno fértil para a corrupção e a repartição de favores. Ao todo, governou por oito legislaturas, em processos marcados pela fraude. Em 1967, Stroessner fez uma constituição que permitia apenas uma reeleição para presidente, que foi modificada em 1977 para permitir sua reeleição indefinidamente.

         Stroessner, filho de um imigrante alemão, também foi conivente com refugiados nazistas. Eduard Roschmann, conhecido como o açougueiro de Riga, responsável pela morte de 30 mil judeus na Letônia, e Josef Mengele, médico nazista, receberam acolhida e cidadania do general.

         Ao todo, estima-se que entre 3 e 4 mil pessoas tenham sido assassinadas em seu governo por conta da perseguição política, marcada pelo emprego da tortura, sequestro e assassinatos políticos. O número de presos por motivos de perseguição política passa de 150 mil. De acordo com relatório de 2008 da Comissão de Verdade e Justiça paraguaia foram 18.772 torturados e 3.470 exilados. Além disso, segundo Coordenadora de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy), 236 crianças e adolescentes foram presos, 17 nasceram na prisão e houve 459 desaparecidos.

         Em 1992, são descobertos os Arquivos do Terror, uma série de documentos e memorandos internos que mostram como Stroessner colaborou com as ditaduras do continente e participou da Operação Condor, um acordo militar articulado pelos EUA e levado adiante por Brasil, Chile, Equador, Bolívia e Uruguai, que visava perseguir opositores às ditaduras.

         Como uma das heranças de Stroessner, o Paraguai rivaliza com o Brasil como país com a mais alta desigualdade de distribuição de terra. Exilado no Brasil, Stroessner morreu tranquilamente em 2006 e está enterrado no Cemitério Campo da Esperança, em Brasília (DF).

         Organizações como a Codehupy continuam denunciando a impunidade dos crimes cometidos sob a ditadura de Alfredo Stroessner.

         Durante os anos 80, Brasil, Argentina e Uruguai retornaram à democracia e o povo paraguaio aproveitou esse clima político para sair às ruas para se manifestar. Tais manifestações foram lideradas pelo Acordo Nacional (PLRA, Febrerista) e pelos sindicatos, mas foram violentamente reprimidas, apesar de serem pacíficas. Como resultado, Stroessner foi abandonado por seus ex-aliados, como os Estados Unidos, e a economia piorou. Em 1987, foi realizada a Convenção do Partido do Colorado e a facção stronista. Seu partido planejava escolher seu filho mais velho, Gustavo Stroessner, como candidato, devido a rumores de que o ditador já sofria de uma doença, mas eles o escolheram. Nas eleições fraudulentas de 1988 ele obteve 88,8% dos votos. Nesse mesmo ano, ele recebeu o Papa João Paulo II no Paraguai.

         Devido à brutalidade de sua ditadura, a facção mais tradicionalista de seu partido, os militares e principalmente a Igreja Católica, começaram a demonstrar seu desconforto em relação ao regime. Na manhã de 3 de fevereiro de 1989, seu sogro e até então o general Andrés Rodríguez Pedotti, com o apoio dos Estados Unidos, liderou um golpe de estado, resultando na queda e fim de seu governo. Stroessner foi preso por alguns dias até ser exilado em Brasília, junto com sua filha Graciela, seu filho Gustavo e a esposa da última María Eugenia Heikel.

A CONSTITUIÇÃO DE 1992

         A Constituição vigente no Paraguai foi promulgada em 20 de junho de 1992, é o sexto texto constitucional desde a Independência e substitui a Constituição de 1967.

         Na tentativa de resgate da democracia, tem por fundamento a dignidade humana e como objetivos assegurar a liberdade, a igualdade e a justiça, reafirmando-se princípios de democracia republicana, representativa, participativa e pluralista. Denota-se claramente a opção do Constituinte Paraguaio pelo enaltecimento do princípio da solidariedade, como forma de coesão social, efetivamente demarcado ao longo de diversos artigos constitucionais. Em seu texto estão presentes mais de 25 artigos que disciplinam direitos e atribuições que a sociedade dispõe em conjunto com o funcionamento da Administração Pública, os chamados mecanismos de participação popular e controle social por meio de ações de iniciativa popular e petição pública, voltados aos direitos de igualdade, soberania da população, direito ao sufrágio e referendum, dotado ou não de caráter vinculante. O controle social está previsto constitucionalmente diante da organização popular, que resulta em ações de iniciativa popular e petição pública, diante assuntos de interesse público dispostos pelo menos em quatro artigos da Constituição.

         O texto constitucional paraguaio efetua uma diferenciação clara entre reforma da Constituição e emenda da Constituição. Em seu art. 289, determina que a reforma da Constituição somente poderá ser procedida após dez anos de sua promulgação. Uma vez declarada a necessidade da reforma, o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral chamará a eleição dentro do prazo de 120 dias. De outro lado, a Constituição, em seu art. 290, estabelece a possibilidade de emenda à Constituição, após três anos de sua promulgação, mediante iniciativa da quarta parte dos legisladores, do Presidente da República ou de 30% dos eleitores.

         O texto íntegro da emenda deverá ser aprovado por maioria absoluta nas duas Câmaras. Após, o texto é enviado ao Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, para que convoque um referendum. Estabelece a norma, ainda, que não poderá ser utilizado o procedimento de emenda para aquelas disposições dos capítulos I, II, III e IV do título II, da parte I (o título II mencionado refere-se aos direitos e às garantias fundamentais). Assim sendo, no sistema constitucional do Paraguai, os direitos fundamentais igualmente encontram-se protegidos por uma cláusula impeditiva de modificação ou supressão por meio do processo denominado “emenda constitucional”, havendo necessidade de o procedimento de reforma da Constituição ter aprovação popular (SCHAFER, 2016). Oportuno ressaltar que há disposição expressa no art. 131 delegando à legislação infraconstitucional o poder de regulamentar a eficácia dos direitos fundamentais, mas também garantindo aos cidadãos o uso de remédios constitucionais tais como Habeas-corpus (art. 133) ação de amparo (prevista no art. 134, equiparável ao mandado de segurança, podendo ser oposta à particular) e Habeas-data (art. 135). Assim como no Brasil, há na Constituição do Paraguai previsão explícita da função do Poder Judiciário como guardião do Texto Supremo.

         O Paraguai é uma república presidencialista representativa. O Poder executivo é exercido pelo Presidente da República, pelo Vice-Presidente e pelo Conselho de Ministros. Segundo a constituição paraguaia de 1992, haverá um Vice-Presidente da República que, em caso de impeachment ou ausência temporária do Presidente ou férias definitivas do chefe de Estado e de governo, o substituirá imediatamente, com todas as suas atribuições.

         O presidente e o vice-presidente são eleitos pelo voto popular direto, para um mandato de cinco anos improrrogáveis no exercício de suas funções, contando desde 15 de agosto de cada ano após as eleições no país. Para eles, não há possibilidade de reeleição em caso nenhum, e governam sob assessoria do Conselho de Ministros. O presidente participa da formulação da legislação e a promulga, podendo vetar leis emanadas do legislativo.

         O Conselho de Ministros é exercido pelos Ministros nomeados pelo Presidente. A direção e a gestão dos negócios públicos são confiadas aos ministros do poder executivo, cujo número e funções são determinados pela lei.

         Estado social de direito, unitário, indivisível e descentralizado na forma que se estabelece na Constituição e nas leis (Art. 1º da Constituição Política de 1992).

         "As municipalidades são os órgãos de governo local com personalidade jurídica que, dentro de sua competência, têm autonomia política, administrativa e normativa, assim como autoridade na arrecadação e aplicação   dos seus recursos". (Art.166, Seção III, "De los Municipios". Constituição Política de 1992).

         O país está dividido em 17 departamentos e 231 departamentos com status municipal.

         O governo dos municípios estará a cargo de um intendente (prefeito) e de uma junta municipal (Art. 167, Seção III, "De los Municipios". Constituição Política de 1992). Mandatos com duração de 4 anos.

         O poder legislativo é bicameral, com o Congresso, ou seja, formado pela Câmara dos Senadores, com 45 membros, e pela Câmara dos Deputados, com 80 membros. Os representantes do poder legislativo paraguaio, são eleitos em ambos os casos para um período de cinco anos, por voto popular. O voto é obrigatório para todos os cidadãos maiores de 18 anos.

         A Câmara dos Deputados é a Câmara da representação departamental. Compõe-se de 80 membros, e de número igual de suplentes, eleitos diretamente pelo povo em colégios eleitorais departamentais. O município de Assunção constitui um Colégio Eleitoral com representação na Câmara. Os departamentos são representados por um deputado titular e um suplente; o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, antes de cada eleição e de acordo com o número de eleitores de cada departamento, estabelece o número de bancadas que corresponda a cada um deles. A lei pode acrescentar a quantidade de deputados de acordo com o aumento dos eleitores.

         A Câmara dos Senadores se compõe de 45 titulares, e de 40 suplentes, eleitos diretamente pelo povo em apenas uma circunscrição nacional. A lei pode acrescentar a quantidade de senadores, conforme com o aumento dos eleitores.

         O Judiciário do Paraguai é reconhecido como poder e não mero órgão do Estado e está previsto no Capítulo III, artigos 247 a 257 da Constituição da República. Como o Paraguai é um unitário, a Justiça é única. A parte do Judiciário no orçamento corresponde a 3% do geral e seus juízes são inamovíveis, não podendo ser removidos ou mesmo serem designados para cargos superiores sem o seu consentimento. Aos juízes só se permite o exercício da docência e a crítica às decisões judiciais é garantida pela Constituição.

         O poder judiciário é composto pela Corte Suprema de Justiça, pelo Conselho da Magistratura, pelo Ministério Público, pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, pelos tribunais e pelos julgados.

         A Corte Suprema de Justiça está integrada por nove membros. Organiza-se em salas, uma das quais será constitucional. Elegerá de seu centro, cada ano, a seu presidente. Seus membros levam o título de ministro. A competência da Suprema basicamente consiste em exercer a supervisão de todos órgãos do Poder Judiciário, decidir alegação de inconstitucionalidade, julgar recursos de cassação na forma da lei, determinar o afastamento de magistrados em processo administrativo, supervisionar os institutos prisionais e decidir os conflitos entre o governo central e os departamentos e municípios e entre estes. Junto com o Poder Judiciário outros órgãos integram o sistema de Justiça.

         O Conselho de Magistratura está integrado por:

  • Um membro da Corte Suprema de Justiça;
  • Um representante do Poder Executivo;
  • Um Senador e um Deputado;
  • Dois advogados com matrícula, nomeados por seus pares em eleição direta;
  • Um professor das Faculdades de Direito da Universidade Nacional, eleitos por seus pares, e;
  • Um professor das Faculdades de Direito privadas, eleito por seus pares.

A lei regulamenta os sistemas de eleições pertinentes.

Cabe ao Conselho indicar em lista tríplice os pretendentes aos cargos de ministro da Corte, de juízes de qualquer instância e os membros do Ministério Público. Como se vê, as funções do Conselho, que são regulamentadas pela Lei 296/95, são mais de natureza política do que disciplinar ou de formulação de políticas públicas para o Poder Judiciário.

O Ministério Público representa à sociedade antes dos órgãos jurisdicionais do país, gozando de autonomia funcional e administrativa no cumprimento de seus deveres e de suas atribuições. Ele é exercido pelo Fiscal Geral do Estado e pelos agentes fiscais, na forma determinada pela lei. Os promotores de Justiça, que lá são chamados de fiscais, submetem-se ao mesmo processo de seleção dos juízes, têm atividade intensa porque participam dos plantões e das blitzen policiais, atuam em horário noturno e, apesar disto, não recebem o mesmo reconhecimento social dado aos magistrados.

O Tribunal Superior de Justiça Eleitoral está composto de três membros, aqueles que são eleitos e removidos na forma estabelecida para os membros da Corte Suprema. Seus membros, têm como requisitos, os mesmos estabelecidos pela constituição para integrar o Conselho de Magistratura.

                A Justiça Eleitoral, como parte do Poder Judicial, estará encarregada da tarefa de convocar, julgar, organizar, dirigir, supervisionar e vigiar os atos e as questões derivadas das eleições gerais, departamentais e municipais, assim como os direitos e os títulos dos eleitos (Art. 273-275, Constituição Nacional).

"O Tribunal Superior de Justiça Eleitoral é a autoridade suprema em matéria eleitoral e será responsável pela direção e fiscalização do registro eleitoral e da administração dos recursos assignados no Orçamento Geral da Nação para fins eleitorais" (Art. 4 da Lei Nº 635).

O TSJE é responsável por impor sanções aos partidos políticos que não cumpram com a cota de participação de mulheres.

 

Referências bibliográficas

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CARDOZO, E. Paraguay independiente. Asunción: Carlos Schauman Editor, 1987.

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LÓPEZ MOREIRA, M. M. de. Historia del Paraguay. 5. Ed. Asunción: Servilibro, 2014.

SCHAFER, Jairo Gilberto. As garantias dos Direitos Fundamentais, inclusive os judiciais, nos países do Mercosul. Disponível em: Acesso em 18.07.2020.

VERA, A. S. Las Guerras en la Primera República. Asunción: El Lector, 2013.

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheira no TCE/PI.

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