INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva trazer a Teoria de Abraham Maslow - da Pirâmide das Necessidades - como proposta de fundamento de nulidade do ato administrativo que inobservar a prioridade de aplicação das verbas públicas no combate à pandemia causada pela COVID-19, situação intermitente no atual cenário brasileiro. Com base em determinada visão da hierarquização das necessidades humanas, tal Teoria será o pano de fundo da presente exposição, a qual será dividida em três partes principais, além da presente introdução e das considerações finais, sem intenções de esgotar o tema proposto.
Dessa forma, na primeira parte, será apresentada a própria Teoria de Maslow, em suas linhas gerais, com ênfase na exposição das necessidades fisiológicas e de segurança (bases da Pirâmide, como adiante será exposto), visto que o Direito à Saúde localiza-se neste nível.
Na segunda parte, será desenvolvida a pertinência temática da referida Teoria na execução das políticas públicas de combate à referida pandemia, com destaque ao ato administrativo que inobservar tal hierarquia, ao destinar verbas públicas à áreas com necessidades humanas consideradas pelo Autor na condição de menor urgência frente às necessidades fisiológicas e de segurança.
Na terceira e última parte, será exposta a declaração de nulidade do ato administrativo como uma das possíveis consequências práticas do preterimento das necessidades fisiológicas e de segurança (ligadas à saúde), no contexto da COVID-19, em prol de necessidades de menor grau de urgência na Teoria de Maslow.
Por fim, serão trazidas as conclusões obtidas deste apertado estudo, o qual pretende apenas apresentar um panorama geral do assunto aqui proposto.
1 AS LINHAS GERAIS DA PIRÂMIDE DAS NECESSIDADES DE MASLOW: AS NECESSIDADES FISIOLÓGICAS E DE SEGURANÇA
Abraham Harold Maslow (1908 - 1970) era psicólogo, fator que influenciou na escolha de sua bibliografia como subsídio do presente artigo, em detrimento de outras. Autor de obras como ‘Motivação e Personalidade’, ‘Teoria da Motivação Humana’, ‘Introdução à Psicologia do Ser’, ‘Maslow no Gerenciamento’, dentre outras, o Autor é considerado o pai da psicologia humanista, cuja premissa maior estava na busca pelo homem pelo atendimento pleno das suas necessidades e a consequente busca pela autorrealização.
Dentre suas principais Teorias, está a da Hierarquia das Necessidades, cujo fundamento consiste na ação humana, através da motivação do homem pelo atendimento integral de suas necessidades, segundo níveis, cujo requisito para passar de determinado nível de necessidade para outro é o atendimento integral das necessidades do nível anterior. Ilustradas em uma pirâmide, Maslow definiu cinco níveis de necessidades segundo o critério da urgência de seu atendimento: fisiológicas, de segurança, social, de estima e de autorrealização. Ainda, ele considera as necessidades fisiológicas e as de segurança na condição de básicas; a social e as de estima, como psicológicas; e a de autorrealização, como de autorrealização.
Na base dessa mesma pirâmide, segundo a referida Teoria, o Autor colocou as necessidades tidas por ele como as mais urgentes (as fisiológicas e de segurança, objeto do presente trabalho); no centro, as necessidades intermediárias (sociais e de estima) e no topo, as necessidades por ele consideradas de menor urgência (as de autorrealização).
Em tradução livre de suas obras, como necessidades fisiológicas, o Autor menciona a respiração, a alimentação, a água, o sono, o sexo, a homeostase, a excreção, a vestimenta, etc; como necessidades de segurança, o corpo, o emprego, a propriedade, a família, a saúde; na condição de necessidades sociais, a amizade, a família, a intimidade sexual; como necessidades de estima, a autoestima, a confiança, o respeito pelo próximo, o respeito do próximo; como necessidades de autorrealização, o crescimento/desenvolvimento pessoal, a independência, etc.
Considerando esta hierarquização, o homem somente pode buscar o atendimento do nível das necessidades sociais, por exemplo, se primeiramente atingir plenamente a satisfação das necessidades fisiológicas e de segurança, nesta ordem. E, somente a partir do atendimento pleno das necessidades sociais, é que ele poderá buscar a satisfação das necessidades de estima e de autorrealização, nesta ordem.
Com base no exposto, depreende-se que é a partir do desenvolvimento de tal premissa de urgência no atendimento das necessidades humanas que reside a aplicação da Teoria como fundamento de validade do ato administrativo.
2 APLICAÇÃO DA TEORIA DE MASLOW NA ANÁLISE DA VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO
O gestor público é um dos agentes executores das políticas públicas definidas no programa de governo municipal, estadual/distrital ou federal. Nesse contexto, ele pratica atos administrativos com vistas ao atendimento de tais políticas, que representam no plano abstrato os direitos definidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, no concreto, as necessidades da população de seu espaço geográfico, traduzidas em serviços públicos; para executá-las, ele aplica verbas predefinidas no orçamento público em áreas igualmente predefinidas no respectivo plano de governo. Contudo, há momentos em que esse gestor pratica atos em um contexto de políticas públicas de urgência e/ou de emergência, em virtude de situações fáticas pontuais, a exemplo das de enfrentamento à pandemia ocasionada pelo Sars-CoV-2, exigindo o uso de verbas para tais situações, em contigenciamento da destinação de verbas para outras áreas/atendimento de outras políticas.
Nesse contexto, a Teoria de Maslow pode ser aplicada mediante o sopesamento das necessidades em um caso concreto, segundo critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Em tradução livre, Maslow considera as necessidades fisiológicas como aquelas inerentes ao (bom) funcionamento do corpo humano, cujo não atendimento pode levar à morte (e, consequentemente, ao não atendimento das demais), bem como considera as necessidades de segurança na condição de busca por proteção contra danos físicos e emocionais. Nesse contexto da pandemia, destacam-se as necessidades fisiológicas e de segurança, de cuja análise abstrata, verifica-se que colidem os Direitos à Saúde (nível das necessidades fisiológicas e de segurança) com o Direito à Informação (nível das necessidades de estima e/ou de autorrealização, a depender da intenção do gestor), em cuja análise está o fundamento teórico da validade de ato administrativo que aplicar verbas públicas nestas áreas consideradas menos urgentes (a exemplo da publicidade institucional) em detrimento de áreas tidas por essenciais (a exemplo das políticas de combate à referida pandemia).
3 CONSEQUÊNCIAS DA APLICAÇÃO DA TEORIA
A colisão de direitos (Direito à Saúde, necessidades básicas; Direito à Informação, necessidades de autorrealização) acima poderá resultar em ato nulo caso o Gestor opte pelas necessidades de autorrealização em detrimento das básicas, ou seja, deixe as necessidades inerentes à base da pirâmide (mais urgentes) para trás.
Assim, uma necessidade que pertença ao nível de segurança, a exemplo da saúde, não pode ser preterida por uma necessidade que pertença ao nível da estima, pois aquela é mais urgente do que essa. Exemplo de verbas públicas que são aplicadas em publicidade institucional em detrimento de sua aplicação no enfrentamento da pandemia da COVID-19, quando o número de leitos na rede pública é insuficiente, por exemplo; ou quando faltam respiradores nesses leitos; ou quando faltam ambulâncias em número suficiente para o deslocamento dos pacientes atingidos por tal doença. Enfim, o nível das necessidades de segurança deve estar plenamente atendido para que o gestor possa aplicar verba nos níveis relativos às áreas das outras necessidades menos urgentes. Em não o fazendo, o ato é nulo desde a raiz, não podendo ter seus efeitos convalidados e devendo ser desfeito desde o seu início.
A nulidade de tal ato pode ser fundamentada também no princípio da proporcionalidade, também chamado de razoabilidade, o qual é composto pelos subprincípios da adequação, da necessidade da medida e da proporcionalidade stricto sensu. Aplicado à Teoria de Maslow, a adequação da medida refere-se à análise do meio empregado (o de destinar recursos para área menos urgente em detrimento da saúde) quanto à eficácia para o atendimento das políticas de combate à COVID-19. A necessidade da medida diz respeito ao grau de restrição dos direitos fundamentais envolvidos (à Saúde e à Informação), ou seja, está-se restringindo o direito mais urgente (à Saúde) em prol de direito menos urgente e, portanto, menos necessário neste momento (à Informação). Por fim, a proporcionalidade stricto sensu, consistem na verificação se a restrição do direito mais urgente em detrimento do outro está de acordo com a Constituição. A conclusão extraída, no tocante à referida análise, é no sentido da nulidade do ato em comento, pois não é nada eficaz para o combate à COVID-19 a aplicação de recursos financeiros em publicidade institucional, deixando descoberta a área da saúde; igualmente, a área da saúde sobre restrição no atendimento à sociedade, em virtude das verbas aplicadas em área menos urgente, sendo que tal restrição não atende à Carta Constitucional, pois salvaguarda interesses menos importantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do apertado estudo, conclui-se pela viabilidade da aplicação da Teoria de Maslow na análise da validade do ato administrativo em situações pontuais, que exijam o atendimento de necessidades mais urgentes e básicas, não cabendo convalidação do ato administrativo que for declarado nulo nestes casos, dada a inobservância da tábua de valores da Constituição, dadas as imperfeições observadas no motivo e na finalidade do ato (atender à necessidades de estima e/ou de autorrealização), dentre outros vícios insanáveis.
A hierarquia de necessidades obriga à Administração Pública a invalidar o ato, dado o não atendimento de necessidades fundamentais do ser humano, inerentes à sua própria existência física, em prol de necessidades menos fundamentais, não podendo ser aproveitado pelo gestor, pois ele deve buscar primeiramente o atendimento das necessidades fisiológicas e de segurança para sua população para somente depois buscar o atendimento às necessidades menos urgentes.
BIBLIOGRAFIA
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