Fundo de ressarcimento da assistência jurídica gratuita

19/07/2020 às 10:17
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O acesso à justiça é direito essencial ao completo exercício da cidadania e considerando a relevância da atuação do advogado na concretização desse direito, urge a criação de um fundo de ressarcimento para a assistência jurídica gratuita.

Tradicionalmente o fundamento jurídico do acesso à justiça é identificado pelo artigo 5º, incisos XXXV e LXXIV da Constituição Federal de 1988. Em conjunto, significam que todos têm o direito de postular a tutela jurisdicional e que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Dentro de uma visão axiológica, o acesso à justiça não pode ser reduzido a acionar o Poder Judiciário no âmbito de um processo, mas sim acesso a uma ordem jurídica justa, em que os valores e direitos fundamentais do ser humano sejam reconhecidos e respeitados. Assim, mais que a possibilidade de mover uma ação ou defender-se nela, alcançaria também aconselhamento e consultoria qualificada, que além de orientação jurídica, propiciasse prevenção e solução de litígios de forma consensual.

Nesse sentido, o acesso à justiça é direito essencial ao completo exercício da cidadania, muito mais abrangente do que a possibilidade de se acionar o Poder Judiciário quando ocorre uma lesão ou ameaça a direito.

Em face da importância de se ampliar a noção de acesso à justiça e considerando a relevância da atuação do advogado na concretização desse direito, sustenta-se a necessidade de criação de um fundo de ressarcimento para a assistência jurídica gratuita.

Nesse sentido, cabe observar que em 2017, o rendimento médio per capita no Brasil foi de R$ 1.511,00 mensais. As regiões Nordeste e Norte apresentavam os menores rendimentos médios, respectivamente de R$ 984,00 e R$ 1.011,00; enquanto o Sul, o maior, de R$ 1.788,00. Sudeste e Centro-Oeste tiveram rendimentos médios equivalentes de R$ 1.773,00 e R$ 1.776,00.[1]

Não há como democratizar o acesso à justiça sem considerar a realidade econômica da maioria da população brasileira, que não tem acesso à informação jurídica qualificada nem à um advogado que possa garantir seus direitos, judicialmente se for o caso. Assim, a ampliação da assistência jurídica gratuita e de qualidade deve ser uma meta de todo o Poder Judiciário e da Ordem dos Advogados do Brasil.

É fato que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu no artigo 5º inciso LXXIV que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, tendo indicado no artigo 134 a Defensoria Pública como órgão essencial à função jurisdicional do Estado e com a incumbência de dar orientação jurídica, promover direitos humanos e defender, em todos os graus, judicial e extrajudicial, os direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados.

Registre-se que o critério estabelecido para que um cidadão seja considerado hipossuficiente varia conforme o Estado, sendo que algumas Defensorias Públicas estabelecem renda inferior a três salários mínimos e, em outros, não possuir condições econômicas de contratar advogado sem prejuízo do seu sustento e de sua família. No âmbito federal, a Resolução n. 133 de 2016 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União estabeleceu um valor fixo, de R$2.000,00, a ser corrigido periodicamente.

Independente de se limitar ou não a renda, o fato concreto é que por maior que seja o empenho dos cerca de 6.000 defensores[2] e dos órgãos, Defensorias Públicas estaduais e da União, dificilmente conseguiriam instalar-se em todas as comarcas e atender todos os necessitados.

Por outro lado, dados divulgados pelo Conselho Federal da OAB em 2016 já informavam que o Brasil teria atingido um milhão de advogados[3]. São Paulo lidera o ranking com mais de 280 mil, seguido por Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os estados brasileiros com menor número são da região Norte: Roraima, Amapá e Acre. Note-se que é nessa região que a população tem o menor rendimento médio per capita, o que agrava o acesso à justiça.

Considerando que a população brasileira é de aproximadamente 208 milhões de habitantes, haveria um advogado para cada 208 habitantes.

Assim, há profissionais suficientes para efetivar assistência jurídica e judiciária a toda população brasileira. O que falta é estímulo e uma remuneração mínima, que não só cubra os gastos mas também permita o desempenho digno da atividade.

Por este motivo, e considerando que a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 133 estabeleceu que o advogado é indispensável à administração da justiça, uma opção viável seria a instituição de um fundo de ressarcimento para a assistência jurídica gratuita, que poderia ter como fonte de recursos percentual que incidiria nos honorários de sucumbência arbitrados nas ações judiciais na forma do artigo 85 do Código de Processo Civil.

Desse modo, recursos oriundos dos próprios advogados sustentariam a assistência gratuita, sendo que toda a classe poderia prestá-la, judicial ou extrajudicialmente, e solicitar o reembolso mediante comprovação da prestação do serviço jurídico. O advogado que atuasse pro bono se habilitaria junto ao Tribunal de Justiça local - que seria o responsável por gerir os valores, sob a fiscalização e auditoria da seccional respectiva -, e seria ressarcido a partir de uma tabela previamente estabelecida ou da partilha do montante arrecadado naquele mês ou trimestre entre os habilitados.

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Em relação ao percentual que incidiria sobre os honorários de sucumbência arbitrados judicialmente, considerando que nos fundos estaduais criados para reaparelhamento e modernização dos Tribunais de Justiça[4] e dos Ministérios Públicos estaduais[5], normalmente é de 5%, seria igualmente adequado.

Importante observar que na hipótese de pessoa que fosse defendida por advogado pro bono e tivesse condições de pagar honorários, situação comum nos processos criminais em que há nomeação dativa, estes devem ser cobrados do próprio assistido, conforme previsão do parágrafo único do artigo 263 do Código de Processo Penal.

O estímulo à advocacia solidária é do interesse de todos, sendo louvável que inúmeros profissionais a prestem sem qualquer remuneração. Entretanto, considerando a realidade econômica nacional, um ressarcimento, ainda que mínimo, é de interesse público e não violaria o Código de Ética e Disciplina nem o Provimento n. 166/2015[6] do Conselho Federal, que regulamentou a advocacia pro bono.

 

 


[1] https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/12/05/no-brasil-10-mais-ricos-ganham-cerca-de-176-vezes-mais-que-os-40-mais-pobres-aponta-ibge.ghtml

[2] https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/atuacao

[3] https://www.conjur.com.br/2016-nov-18/total-advogados-brasil-chega-milhao-segundo-oab

[4] https://www.tjce.jus.br/wp-content/uploads/2015/07/lei_11891_91.pdf

[5] http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2017/03/LEI-N%C2%BA-16.131-FRMMP.pdf

[6] http://www.oabsp.org.br/tribunal-de-etica-e-disciplina/legislacao/resolucao-pro-bono

Sobre a autora
Fernanda Maria Alves Gomes

Mestre em Direito Pela UFPe. Pós graduada em Direito Tributário e Língua Portuguesa. Tabeliã e Registradora Civil em Fortaleza-CE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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