Regime jurídico emergencial no âmbito do direito privado

20/07/2020 às 20:00
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Palavras-chaves: Covid-19. Direito privado. Ordem econômica. Síndico.

Em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia (Covid-19) o Congresso Nacional aprovou em regime de urgência a Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020, originária de projeto legislativo de iniciativa do Senado Federal, estabelecendo diferentes normas jurídicas excepcionais para vigorar até o termo final da pandemia.

Assim, a suspensão das normas legais por essa Lei não implica revogação delas, readquirindo sua eficácia ao final do período emergencial.

Pelo art. 3º os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da vigência desta Lei até o dia 30 de outubro de 2020, não se aplicando essa regra, todavia, enquanto perdurar as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstos no ordenamento jurídico nacional.

Os impedimentos e suspensões aplicam-se, também em relação à decadência. A decadência, de regra, não comporta interrupção, suspensão e impedimento, salvo disposição em contrário da lei, conforme preceitua o art. 207 do Código Civil.

O art. 5º prevê a realização de assembléia geral por meios eletrônicos independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica, para a destituição de administradores e para alterações de estatuto. A manifestação dos participantes por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador que assegura a identificação do participante surtirá o mesmo efeito de uma assinatura presencial

O art. 8º suspende até o dia 30 de outubro de 2020 a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. O citado art. 49 permite ao consumidor desistir do contrato no prazo de sete dias, a contar da data da celebração do contrato ou do recebimento do produto, sempre que a contratação de fornecimento  de produto e de serviço ocorrer fora do estabelecimento comercial, principalmente por telefone ou a domicílio.

O art. 10 suspende os prazos de aquisição de propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até o dia 30 de outubro de 2020.

Os artigos 11 a 13 versam sobre condomínios edilícios. O mais importante dispositivo, o artigo 11, que conferia poderes extraordinários ao síndico no período de pandemia, foi vetado, sem razão, pelo Executivo. Sobre esse assunto já  escrevemos um texto específico publicado no site haradaadvogados.com.br (Poderes excepcionais do síndico durante a pandemia -  22-6-2020).

O art. 12 limita-se a prever a realização de assembléia geral por meios eletrônicos. Caso não seja possível a assembléia geral pela forma preconizada, os mandatos de  síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados  até o dia 30 de outubro de 2020. O art. 13 nada tem de emergencial, pois, limita-se a preservar a destituição do síndico em caso de negativa na prestação regular de seus atos de administração.

O art. 14 subtrai a eficácia dos dispositivos apontados da Lei nº 12.529/11, que dispõe sobre Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, relativamente a atos praticados e com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020. Assim é que não caracteriza infração à ordem econômica a venda de mercadoria abaixo do custo (inciso XV, do § 3º, do art. 36), nem a cessação parcial ou total da empresa sem justa causa (inciso XVII, do § 3º, do art. 36). Por fim, não caracteriza ato de concentração o fato de duas ou mais empresas celebrarem contrato associativo ou joint venture (inciso IV do art. 90)

O § 1º preconiza, ainda, que na apreciação das demais infrações definidas no art. 36 da Lei nº 12.529/11, praticadas a partir de 20 de março de 2020 e enquanto durar o estado de calamidade pública deverão ser levadas em conta as circunstâncias extraordinárias decorrente da pandemia do coronavírus.

E o § 2º prescreve que o eventual ato de concentração havido em função da suspensão do inciso IV, do art. 90 da Lei nº 12.529/11 não afasta a análise posterior desse ato de concentração.

O art. 15 prescreve que até o dia 30 de outubro de 2020 a prisão por dívida civil alimentar deverá ser cumprida exclusivamente na modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

O art. 16 prescreve que o prazo de dois meses, a contar da abertura da sucessão para promover o inventário, em relação às sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020, terá seu termo inicial dilatado para 30 dias outubro de 2020.

O seu parágrafo único dispõe que o prazo de 12 meses para a ultimação do inventário referido no art. 611 do CPC, caso tenha iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor desta Lei até o dia 30 de outubro de 2020.

Por fim, o art. 20 adia a vigência dos arts. 52, 53 e 54 do art. 65 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPF – para o dia 1º de agosto de 2021.

Cumpre observar que essa Lei de iniciativa do Senado Federal teve os seguintes dispositivos vetados pelo Executivo:  artigos 4º, 6º, 7º, 9º, 11 (o mais importante), 17, 18 e 19, o que revela a falta de sintonia entre os dois Poderes.

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SP, 29-6-2020.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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