AGRAVO DE INSTRUMENTO E A TEORIA DA TAXATIVIDADE MITIGADA

21/07/2020 às 22:50
Leia nesta página:

Uma análise jurisprudencial e critica acerca do posicionamento dos Tribunais com relação a aplicação da Teoria da Taxatividade Mitigada.

O Agravo de Instrumento está previsto no Título II do Código de Processo Civil e é considerado com uma espécie de recurso utilizado para impugnar decisões interlocutórias previstas taxativamente nos incisos do artigo 1.015 do diploma legal acima mencionado. Porém, antes de iniciar o estudo acerca das hipóteses de interposição de agravo de instrumento é necessário ter conhecimento do que é uma decisão interlocutória.

        Decisão interlocutória segundo o Código de Processo Civil vigente é todo o pronunciamento do magistrado que tenha caráter decisório, mas que não põe fim o processo e nem extingue a execução, ou seja, é uma decisão que não tem natureza terminativa, conforme estabelece o parágrafo 1º do artigo 203 do código supramencionado.

        Conforme já mencionado, não são todas as decisões interlocutórias que são recorríveis por meio de agravo de instrumento, com relação aquelas proferidas durante o processo de conhecimento apenas é cabível contra as decisões que versarem sobre as matérias estabelecidas no artigo 1.015 do Código de Processo Civil, quais sejam:

 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III -rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI -exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI -redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o ; XII -

(VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

 

            Todavia, se tratando da fase de liquidação de sentença ou de cumprimento, em processos de execução e nos processos de inventário não há taxatividade, ou seja, toda e qualquer decisão interlocutórias que for proferida pelo juiz pode ser impugnada através do recurso de agravo de instrumento, de acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, bem como não existe divergência jurídica nesse sentido.

 

TEORIA DA TAXATIVIDADE MITIGADA

            A Corte do Superior Tribunal de Justiça no ano de 2018 ao julgar o Recurso Especial 1.704.520 firmou entendimento no sentido de que a taxatividade do rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.

EMENTA: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. (...) 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. (...) 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido. (...) (STJ - REsp 1704520 / MT 2017/0271924-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), Data do Julgamento: 05/12/2018, Data da Publicação: 19/12/2018, CE - CORTE ESPECIAL)

 

        Conforme argumentou a Ministra Relatora Nancy Andrighi, um rol taxativo dificilmente atinge os objetivos pelo qual a norma foi criada. A tese defendida pela  relatora é a existência do requisito de urgência para que haja a admissibilidade do  agravo de instrumento fora das hipóteses estabelecidas no artigo 1.015 do Código de Processo Civil, ou seja, segundo a relatora Nancy Andrighi, é cabível agravo de instrumento de decisão interlocutória que não seja viável e adequado esperar pelo recurso de apelação para impugnar a decisão, pois essa espera pode trazer graves prejuízos para às partes e para o próprio processo, ferindo assim preceitos fundamentais estabelecidos no próprio Código de Processo Civil.

 

        ANÁLISE DE JURISPRUDENCIAL

        A jurisprudência a ser analisada é o Agravo de Instrumento no 70084141431 julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, onde o processo de origem da decisão agravada trata do Direito da Criança e do Adolescente.  

 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA DE PROTEÇÃO INTENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECISÃO QUE DETERMINOU, AO PAI REGISTRAL, A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA. MATÉRIA INSUSCETÍVEL DE SER IMPUGNADA POR MEIO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, POR NÃO CONSTAR DO ROL DO ARTIGO 1.015 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO. (Agravo de Instrumento, No 70084141431, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 16-04-2020)

 

        O referido Agravo de Instrumento foi interposto contra uma decisão interlocutória de deferimento de liminar pleiteada pelo Ministério Público, sendo deferido o requerimento do Parquet e determinada ao agravante que realizasse exame de DNA para comprovar a paternidade da menor, sob pena de conduzir a menor um abrigo e retirar da companhia do pai registral, caso a decisão não seja cumprida no prazo de 20(vinte) dias. Contudo, o agravante informa que a menor é fruto de um relacionado extraconjugal desse com a mãe da criança que nasceu em 14/02/2020 e reafirma que reconhece a paternidade, inclusive registrou a menina como sendo sua filha. Informa ainda o agravante, que em razão da ausência de condições da mãe da menor em ficar com a criança, esse está cuidando da menor com o auxílio da sua esposa. Diante dos fatos apresentados pelo agravante, esse através de agravo de instrumento recorre ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul  impugnando a decisão interlocutória proferida, com o fundamento de que é desnecessária a realização do exame de DNA, visto que reconhece a paternidade, bem como impugna a sanção imposta pelo não cumprimento da decisão, visto que em razão da pandemia a retirada da criança do seu lar para colocá-la em um abrigo não é recomendada para a sua saúde.

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        Contudo, a relatora Vera Lucia Deboni em decisão monocrática inadmitiu o recurso sob a alegação de que a decisão interlocutória não do caso em análise não está presente no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, nem tampouco se enquadra na hipótese de mitigação da taxatividade do referido dispositivo legal, estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em razão da ausência de urgência.

 

 (Agravo de Instrumento, Nº 70084141431, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 16-04-2020). “(...) O presente recurso não preenche os requisitos de admissibilidade. As hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão previstas no artigo 1.015, caput e parágrafo único, do Código de Processo Civil, de forma taxativa, e, dentre elas, não constam as decisões que deferem ou indeferem produção de provas. A esse respeito, esclarecem Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha que: As hipóteses de agravo estão previstas no art. 1.015 do CPC/2015; nele, há um rol de decisões agraváveis. Não são todas as decisões que podem ser atacadas por agravo de instrumento. Esse regime, porém, restringe-se à fase de conhecimento, não se aplicando às fases de liquidação e de cumprimento da sentença, nem ao processo de execução de título extrajudicial. Nestes casos, toda e qualquer decisão interlocutória é passível de agravo de instrumento. Também cabe agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória proferida em processo de inventário (art. 1.015, parágrafo único, CPC/2015, para todas essas ressalvas). Na fase de conhecimento, as decisões agraváveis são

sujeitas à preclusão, caso não se interponha o recurso. Aquelas não agraváveis, por sua vez, não se sujeitam à imediata preclusão. Não é, todavia, correto dizer que elas não precluem. Elas são impugnadas na apelação (ou nas contrarrazões de apelação), sob pena de preclusão. Enfim, há, na fase de conhecimento, decisões agraváveis e decisões não agraváveis. Apenas são agraváveis aquelas que estão relacionadas no mencionado art. 1.015 do CPC/2015. (grifei). Em que pese tal rol venha sendo mitigado pela jurisprudência, convém gizar que o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema Repetitivo no 988, fixou tese no sentido de que tal mitigação somente poderá ocorrer quando se verificar situação de urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão em eventual recurso de apelação, o que não ocorreria no caso dos autos. (...).”

 

        Apesar do notório saber jurídico da Relatora Vera Lucia Deboni é necessário frisar que essa a decisão monocrática proferida por ela merece reparos, visto que o caso em análise envolve Direito da Criança e do Adolescente e em razão disso é necessária a observância de alguns princípios presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente para decidir sobre a decisão recorrida.

        O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 estabeleceu inúmeros princípios a fim de resguardar os direitos da criança e do adolescente, como o direito à vida, saúde, educação, alimentação, dentre outros que também possuem previsão constitucional. O princípio do superior interesse da criança e do adolescente, previsto no artigo 100, parágrafo único, inciso IV da Lei 8.069/90, diz que toda e qualquer intervenção deverá atender como prioridade os interesses da criança e do adolescente, sem prejuízo a outros interesses legítimos no caso concreto, ou seja, deverá ser levado em consideração, independente de qualquer outro interesse, o que seja melhor para a criança sendo priorizado o seu direito a saúde, educação, convívio familiar, alimentação.

        Diante do exposto, é evidente que a retirada da menor do convívio com o seu pai traz inúmeros danos para a criança, pois retirará do seu lar e dos cuidados de seu pai, bem como colocará em risco a saúde da criança que ao ser levada para um abrigo estará correndo risco de contágio do vírus Covid-19 que se espalhou em todo o território nacional.

        É notório que a decisão e seus efeitos podem causar danos a menor sendo, portanto, caso de relevância urgência, posto isso é cabível a impugnação da decisão interlocutória por meio de agravo de instrumento considerando a hipótese de mitigação da taxatividade do rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça que admite agravo de instrumento quando a espera pela Apelação para impugnar a decisão interlocutória trouxer prejuízo às partes.

        Cabe ressaltar que não há dispositivo legal, nem tampouco entendimento consolidado nos Tribunais Superiores acerca da obrigatoriedade da realização do exame de DNA para investigação de paternidade, bem como estabelece a Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça que a recusa na realização do teste configura presunção de paternidade. Sendo assim, não é indevida imposição de sanção por parte do juiz ao pai que recusar-se a realizar o teste de paternidade no prazo fixado.

 

 

REFERÊNCIA

            - DIDIER JR., Fredie, Leonardo Carneiro da Cunha; Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal Leonardo Carneiro da Cunha — 13. ed. refornn. — Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

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