TEORIA DA SÍNDROME DA MULHER DE POTIFAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO E NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

22/07/2020 às 12:09
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A prática de falsas acusações é uma realidade em todo o Brasil. O acusador busca imputar um falso crime a outro indivíduo, ensejando, assim, uma condenação penal. Este fenômeno é denominado pela doutrina como a Teoria da Síndrome da Mulher de Potifar.

INTRODUÇÃO

 

            A escolha deste tema deu-se em razão dos inúmeros questionamentos e lacunas que permeiam esta questão. Caracterizando-se como uma problemática de caráter social, que necessita da atenção não só do meio jurídico, como também, do âmbito acadêmico.

            Com isso, questiona-se: O ordenamento jurídico brasileiro possui uma previsão para a prática em comento? Como os tribunais veem entendendo a respeito desta problemática?

            Deste modo, o presente artigo tem como objetivo geral analisar a Teoria da Síndrome da Mulher de Potifar, e como os Tribunais nacionais efetivam o Princípio da Presunção de inocência e o Princípio “in dubio pro reo”

            Por fim, que concerne à Metodologia Científica, a construção deste artigo dar-se-á por meio de técnicas de pesquisa bibliográfica (desenvolvida a partir de material já publicado) de natureza básica (responder-se-á perguntas para ampliar conhecimentos), do tipo descritiva-explicativa, pelo método indutivo. Método este, pelo qual, através de observações de casos particulares suficientemente documentados e enumerados, chegar-se-á a uma conclusão.

 

1 A TEORIA DA SÍNDROME DA MULHER DE POTIFAR

 

            A Teoria da Síndrome da Mulher de Potifar, importada dos ensinamentos bíblicos, deriva do livro de Gênesis, especialmente no capítulo 39, onde se narra a história de José, filho de Jacó (GRECO, 2013).

            Diz a história que a mulher de Potifar sentia forte atração por José. Até que um dia a esposa de Potifar o agarrou, e tentou levá-lo para cama. Então a mulher chamou os empregados da casa, e acusou para estes e para Potifar, que José havia tentado ter relações com ela. Com isso, José foi colocado na cadeia (GUEDES; LEITE; AGUERA, 2016).

            Foi baseando-se nesta história bíblica, que surgiu no Direito Penal, a defesa chamada de Síndrome da mulher de Potifar, cabível para o réu que é condenado, e que tem por única prova existente, a palavra da vítima.

            Nos crimes tipificados no código penal brasileiro que objetivam punir aqueles que ofendem a liberdade sexual de outrem existe grande dificuldade probatória dada suas características próprias. Assim, tal dificuldade tem resultado em denúncias apócrifas, que por vezes acarretam em condenações injustas, muitas destas, resultantes de motivações “vingativas” (GUEDES; LEITE; AGUERA, 2016)

            Assim, dentro do campo probatório admissível, o exame de corpo de delito, apesar de importante meio de prova, se mostra frágil frente aos crimes sexuais, visto que, custosamente vem a comprovar presente violência sexual, e ainda que possa afirmar presente material genético masculino, e até mesmo se a vítima manteve relação sexual recente ou não, não há como precisar se houve consentimento ou não, até mesmo porque o tipo penal admite a grave ameaça para caracterização do crime de estupro. (GUEDES; LEITE; AGUERA, 2016)

            Cumpre ainda mencionar que o exame que atesta a existência de lesões corporais, não encontra vinculação ao exame de conjunção carnal, ou seja, o que se demonstra é que apesar de existir ferimentos pode não caracterizar a violência sexual em si. (GUEDES; LEITE; AGUERA, 2016)

            Diante disso, vislumbra-se um problemático presente no Direito Penal. Tendo em vista que, condenar erroneamente um indivíduo por um crime não cometido, configura uma das mais graves formas de desrespeito à direitos e garantias fundamentais.

            Com isso, é necessário destacar que nenhuma pena pode ser aplicada sem a mais completa certeza da falta. A pena, disciplinar ou criminal, atinge a dignidade, a honra e a estima da pessoa, ferindo-a gravemente no plano moral, além de representar a perda de bens ou interesses materiais (FRAGOSO,1973).

            Assim, o juiz, nesta hipótese, “tem o dever de absolver (...) pois o homem é livre e o Estado, por seus órgãos, antes de ter o direito de restringir sua Liberdade, tem o dever de a garantir" (MALCHER, 1999).

            Assim, diante de um caso, onde há fragilidade da prova testemunhal, aliado ao conteúdo da legislação Constitucional e infraconstitucional, isto não deve ser suficiente para se proceder à condenação do acusado, preservando assim os direitos fundamentais do indivíduo.

 

2 A TEORIA DA SÍNDRIME DA MULHER DE POTIFAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

            O fenômeno da falsa acusação ocorre de maneira frequente em razão da dificuldade de os juízes julgarem crimes sexuais, por conta da falta de provas, e, visto que, apenas com a palavra da vítima já se consegue uma sanção punitiva.

            Assim, o juiz sempre terá que dispor do máximo de provas que conseguir para se fazer a justiça e não haver uma insegurança jurídica, colhendo depoimentos de policiais, da vítima, do agressor, dos familiares da vítima, entre outros meios de prova para se alcançar a verdade formal e a verdade real. (GUEDES; LEITE; AGUERA, 2016)

            Com a análise conjunta do artigo 213 com o 214 do Código Penal nota-se que esta síndrome ganhou força, dado que, não precisa ter a conjunção carnal propriamente dita para configurar o crime de estupro (BRASIL, 1940).

            Com o advento da Lei 12.015 de 2009, que juntou a tipificação dos artigos 213 e 214 do CP, as condutas de estupro e atentado violento ao pudor, a Síndrome da Mulher de Potifar ganhou força, já que o crime de estupro passou a não exigir em todas as suas modalidades a conjunção carnal para se configurar, e na maioria das vezes não deixam vestígios materiais para comprovação da conduta (BRASIL, 2019).

            O Artigo 339 do Código Penal dispõe que dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, acarreta pena de reclusão, de 2 a 8 anos e multa (BRASIL, 1940).

            Entretanto, comete-se um crime autônomo contra a administração pública, correspondendo ao artigo 339 do código penal, refere-se à denunciação caluniosa.

            Com isso, cabe ressaltar que o código é omisso no que se refere a Síndrome da Mulher de Potifar, pois, não há crimes previstos para punir quem faz esse tipo de denúncia.

 

3. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E “IN DUBIO PRO REO” NA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA

 

            O Princípio da Presunção de Inocência consiste no direito de uma pessoa não ser declarada culpada senão mediante sentença transitada em julgado (LIMA, 2016). Neste sentido, a vítima vem ganhando voz, porém, esta deve se valer de um conjunto probatório.

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO (ART. 213 DO CÓDIGO PENAL). PRETENSÃO DEFENSIVA À ABSOLVIÇÃO QUE SE ACOLHE. ATOS SEXUAIS SUPOSTAMENTE PRATICADOS PELO ACUSADO CONTRA A VI-TIMA QUE NÃO ENCONTRAM SUPORTE NO CONJUNTO PROBATÓRIO. VÍTIMA QUE ALTERA O RELATO DOS FATOS EM JUÍZO. LAUDO PERICIAL QUE AFASTA QUALQUER VESTÍGIO DE VIOLÊNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO PARA ABSOLVER O RÉU.

(RIO DE JANEIRO, 2013).

 

            No caso em tela, diante da falta de provas que indicassem que o suposto autor   praticou o crime de estupro, foi afastada a possibilidade de condenação, atendendo ao princípio do “in dubio pro reo”.

            No que concerne ao Princípio do “In Dubio Pro Reo”, necessário se faz, inicialmente apresentar sua aplicação prática pelos tribunais brasileiros.

 

PROCESSUAL PENAL – REVISÃO CRIMINAL – ESTUPRO (ART. 213 DO CÓDIGO PENAL) A– SENTENÇA ABSOLUTÓRIA REFORMADA – PROVA MATERIAL – OCORRÊNCIA DE ERROR IN JUDICANDO – DEPOIMENTOS CONTRADITÓRIOS E DESARMÔNICOS – ABSOLVIÇÃO – RECURSO PROVIDO.

(PIAUÍ, 2014).

 

            Neste caso, é possível vislumbrar o mesmo contexto do julgado anterior. As provas apresentadas no processo pela suposta vítima não foram suficientes para condenação do acusado.

            Neste viés, cumpre apresentar a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL – ESTUPRO – ART. 213 DO CÓDIGO PENAL – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – CONDENAÇÃO – RECURSO DE APELAÇÃO – INSUFICIÊNCIA DE PROVAS – PALAVRA DA VÍTIMA QUE SE APRESENTA DE FORMA ISOLADA – CONJUNTO PROBATÓRIO INSUBSISTENTE – AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO À IDADE DA OFENDIDA – ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE – PROVIMENTO DO APELO.

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(RIO GRANDE DO NORTE, 2005).

 

            Assim, ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução da incerteza (dúvida) judicial, o princípio do in dúbio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento (não condenar o réu sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente demonstrada) (JUNIOR, 2014).

            Na análise deste julgado, nota-se a falha do judiciário, que condena o suposto acusado apenas com um conjunto probatório insuficientes, sendo este absolvido apenas em segunda instância.

 

CONCLUSÃO

 

            Diante do exposto, conclui-se que nos crimes contra a dignidade sexual, a condenação não possui um caráter absoluto, devendo ser analisado o caso concreto e todo o conjunto probatório apresentado pela suposta vítima do ato, devendo ter cautela para que não haja a condenação de inocentes.

            Assim, o julgador deverá ser minucioso ao apurar os fatos relatados pela vítima. Destaca-se que esta pesquisa não pretende defender que se deve deixar de punir o culpado, mas sim, comprovar que em determinados casos, a vítima pode criar um contexto de violência visando condenar um indivíduo.

            Com isso, depoimentos que não gozam de total imparcialidade, não devem ser suficientes para restringir o direito de liberdade alguém. É necessário que haja a existência, nos autos, de um conjunto probatório capaz de conduzir à certeza da ocorrência do crime imputado ao suposto autor do crime.

            Portanto, diante da onda de criminalidade que assola o país, condenar uma pessoa, privando-a da liberdade, é um mal injusto que nunca será reparado.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.

FRANÇA. Fernanda Borges. Síndrome da Mulher de Potifar e a jurisprudência. Jusbrasil. 2017.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 12ª. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2015.

GUEDES, Rafael Felipe de Oliveira Guedes.LEITE, Emerson Scuzziatto Leite. AGUERA, Pedro Henrique Sanches. A fragilidade probatória nos crimes sexuais e a síndrome da mulher de Potifar. JORNADA INTEGRADA DO CURSO DE DIREITO E CIÊNCIAS CONTÁBEIS DO CENTRO UNIVERSITÁRIO-FAG. CASCAVEL - PR. 2016.

JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal, 11ª edição, 2014, pág. 564.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Volume único. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

Marina Teles COIMBRA1 Florestan Rodrigo do PRADO2. A prova nos crimes contra a dignidade sexual: uma abordagem dos aspectos polêmicos envolvendo a produção probatória nos crimes de natureza sexual, Toledo.

MELO, Laís Santos. A palavra da vítima em crimes sexuais como instrumento isolado de prova em processo penal. 2017. centro universitário do cerrado patrocínio, Patrocínio, MG, 2017.

PIAUÍ. Tribunal de Justiça, Câmaras Reunidas Criminais. Revisão Criminal nº 00077489120128180000. Relator: Des. Pedro de Alcântara Macêdo.Julgado em 21/02/2014, publicado em 04/04/2014. Disponível em <https://tj-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/293561925/revisao-criminal-rvcr-77489120128180000-pi-2...; Acesso 22 jul. 2020.

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça, Quarta Câmara Criminal. Apelação criminal nº 0024063-66.2007.8.19.0058, Relator: Des. Francisco Jose de Asevedo.Julgado em 02/10/2012, publicado em 21/01/2013. Disponível em https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/115100442/apelacao-apl-240636620078190058-rj-0024063-6...; Acesso em 22 jul. 2020.

RIO GRANDE DO NORTE. Tribunal de Justiça, Câmara Criminal. Apelação Criminal nº2004.000093-6. Relator: Des. Caio Alencar. Julgada em 27/05/2005, publicada em 16/06/2005. Disponível em: https://tj-rn.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3719490/apelacao-criminal-acr-936>.  Acesso em 22 jul. 2020.

Sobre o autor
Ariel Sousa Santos

Graduando em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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