Covid-19 e a suspensão do bloqueio de bens

É possível a suspensão do bloqueio de bens em uma Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa diante das instabilidades provenientes da pandemia da COVID-19?

22/07/2020 às 13:50
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Dentre as mais variadas indagações a respeito dos reflexos da pandemia no contexto jurídico, a possibilidade de suspensão do bloqueio de bens é uma delas. Este artigo tratará desses contornos, especificamente em uma ação de improbidade administrativa.

Esse e tantos outros questionamentos diariamente emergem em nosso meio social a respeito das instabilidades e impactos decorrentes da disseminação da Covid-19, e dentre eles, a possibilidade ou impossibilidade de apresentação judicial de pedido concernente à suspensão do bloqueio de bens promovido em uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa.

Antes de responder a essa indagação, imperioso é esclarecer alguns pontos no que toca à efetivação do bloqueio judicial de bens do executado em um processo judicial, sob o enfoque procedimental da Lei de Improbidade Administrativa.

A priori, valoroso ressaltar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, §4º, preceitua que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Em sendo assim, diferentemente do que ocorre na subsunção dos fatos à procedimentalização do Código de Processo Civil (fases postulatória, saneadora, instrutória e decisória), em que, via de regra, o bloqueio de bens é concretizado após a fase decisória – quando por certo ausente a urgência – , dado o interesse público envolto, a indisponibilidade patrimonial do agente causador do ato ímprobo poderá ser requerida cautelarmente, isso quer dizer, antes mesmo de se propor uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa em face daquele agente.

Ademais, a propositura da mencionada ação, que doravante seguirá o rito ordinário, deverá ser efetivada dentro de trinta dias contados da realização da medida cautelar, sob pena de se perder a sua eficácia e, consequentemente, se extinguir o processo cautelar.

Feitos tais apontamentos, é de se asseverar que a Lei de Improbidade Administrativa, dentre outros aspectos, carrega em seu bojo a indisponibilidade de bens como uma das medidas urgentes e efetivas, a fim de garantir o ressarcimento de todos os danos causados pelo agente ao Poder Público e ao Erário.

Outrossim, estando em evidência a tutela do interesse público, que notoriamente se sobrepõe à esfera privada, a suspensão do bloqueio de bens do agente que atentou contra a Administração Pública não poderá ocorrer indiscriminadamente, sob o argumento de quaisquer eventos danosos supervenientes suportados por ele e oriundos do bloqueio de seus bens.

Além do mais, o que se observa, não corriqueiramente, é a possibilidade de suspensão de parte do bloqueio patrimonial do agente responsável quando ocorre excesso na medida, ou seja, na ocasião de o bloqueio ultrapassar a quantia efetivamente suprimida dos cofres públicos e fixada pelo Ministério Público, quando da apuração dos fatos e enquadramento nos ditames da Lei de Improbidade Administrativa.

Contudo, diante do quadro de calamidade pública em que estamos inseridos em decorrência da disseminação da Covid-19, no qual as relações contratuais múltiplas são diária e diretamente afetadas, surge o questionamento sobre a possibilidade de se pleitear nos autos de uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa a suspensão parcial da indisponibilidade de bens, com a sua consequente liberação.

Com efeito, não existe óbice à propositura dessa modalidade de pedido, desde que demonstrados cristalinamente os requisitos referentes à probabilidade do direito do agente e o perigo de dano irreparável oriundo do estado de calamidade.

A esse respeito, em decisão monocrática, o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial de nº 1.856.637 – RS, concedeu a tutela provisória pleiteada por uma empresa, ao fundamento de que, estando com as portas fechadas, o seu faturamento havia sido drasticamente afetado, o que dificultou a manutenção do pagamento de salários de seu quadro de funcionários.

De mais a mais, no que pertine à plausibilidade do direito, aduziu o Ministro Relator o deferimento da referida tutela no Juízo de piso, bem como o seu indeferimento na instância superior.

Desse modo, foi concedida à empresa a liberação da quantia de R$ 80.000,00 que estavam bloqueados, todavia, com a condicionante de a pleiteante prestar contas da aplicação desse valor, que deverá ser direcionada exclusivamente ao pagamento de salários e demais encargos de natureza trabalhista.

Por derradeiro, em que pese o Superior Tribunal de Justiça ter concedido a mencionada tutela, pedidos com essa característica precisam ser elaborados com muita cautela e precisão, haja vista que a suspensão do bloqueio de bens, mais ainda nos autos de uma ação civil por ato de improbidade administrativa, que, como dito, tutela o interesse público, não ocorre pura e simplesmente. O requerente deverá demonstrar cabalmente a probabilidade de seu direito, além do perigo de dano irreparável proveniente do estado de pandemia.

Sobre o autor
Prisciliane Tomazelli Mozer

Advogada inscrita na OAB/ES. Graduada em Direito pelo Centro Universitário - FAESA. Pós-graduanda em Direitos e Garantias Constitucionais - FAESA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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