O Código Civil de 2002, no art. 187, disciplina o abuso do direito. É tido como ato ilícito o comportamento antijurídico capaz de provocar dano, e desemboca na obrigação de indenizar. Cuida de repreensão ao exercício anormal do direito próprio. Na dição do dispositivo legal citado está dito que “também comete ato ilício o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Aquele que ultrapassa os limites impostos ao exercício do direito de que é titular comete ato ilícito. MANUEL BORJA SORIANO, no estudo do direito mexicano, ensina, que todo direito tem um limite, e se ele é ultrapassado, seu exercício é abusivo. Diz o doutrinador que o abuso começa onde o direito cessa. (Teoria General de las Obligaciones, t.1, pág., 433)
PAULO NADER não se afasta desse caminho. Ele ensina que há direito, cujo exercício conhece limites, e o seu titular deve observá-los, porque ultrapassá-los implica na figura do abuso do direito. (Curso de Direito Civil – Parte Geral, pág. 551)
ALEX WEILL, abordando o domínio do abuso do direito, no direito francês, ensina que a jurisprudência adota, em geral, o critério da falta, sobretudo a falta intencional; mas às vezes também a falta quase delitual, solução que, segundo o autor, deve ser plenamente aprovada: uma falta não intencional compromete seu autor; porque seria de outra forma quando o dano é causado no exercício de um direito? E, entre as diversas aplicações que a jurisprudência francesa faz da teoria, ele insere o direito de propriedade, dizendo que dá lugar ao abuso quando é exercido unicamente com a intenção de prejudicar (embora aqui os juízes evitem falar em abuso de direito) quando a perturbação causada excede os inconvenientes ordinários da vizinhança. (Droit Civil – Les Obligations, pág. 641, n. 631)
No direito português a matéria tem disciplina Parte Geral, art. 334º do Código Civil, adotando-se a concepção objetiva do abuso de direito, o que se depreende da dicção do dispositivo do artigo citado: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico do direito”.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA no estudo do preceito legal da lei portuguesa em exame ensinam que “a concepção adoptada de abuso do direito é objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites”. (Código Civil Anotado, v. 1, pág. 298)
O BGB, no art. 226 veda o exercício de um direito que tenha por finalidade causar dano a outrem: “art. 226:.O exercício de um direito não é permitido, quando não pode ter outro fim senão causar dano a outrem”.
Posso citar, ainda, a repulsa ao abuso de direito no direito colombiano (Álvaro Pérez Vives, Teoria General de las Obligaciones, v.2, nº 173, pág. 109), no suíço (art. 2º do CC)..
No Código de 1916 o abuso de direito deduzia-se contrario sensu, do art. 160, I, que considerava não constituir ilícito o praticado no “exercício regular de um direito reconhecido”. CLÓVIS BEVILÁQUA, em comentários ao artigo citado ensinava que nela estava o “o abuso do direito, que, tendo aparência legítima, importa num desvio da ordem jurídica”. (Código Civil, comentários ao art. 160, I, pág. 428)
SAN TIAGO DANTAS, em sua doutrina, observou, no exame do tema no direito anterior, que é possível que o homem, “ao exercer o seu direito, não tenha em vista tirar os proveitos que o direito traz, mas tenha o único escopo de causar um prejuízo a outra pessoa. Vamos dar um exemplo elementar. Um homem é vizinho de outro e resolva, então, construir a sua casa de modo aa tirar a vista ou a luz do prédio do seu vizinho. A implantação da casa, feita daquele modo, pode não ter por fim trazer nenhum benefício ao proprietário que a constrói, mas tem o único escopo de prejudicar o vizinho. Eis um caso em que o exercício não tem outro fim senão de prejudicar a outrem”. (Programa de Direito Civil, pág. 314)
E o jurista pondera que é frequente, na vida social, “casos em que uma pessoa traz prejuízo à outra no exercício de um direito; mas o exercício deste direito em vez de se fazer para aqueles fins, em vista dos quais o direito foi tutelado pela norma, faz-se ou com o escopo de prejudicar a outrem ou com o escopo manifestamente antissoocial”. (ob. cit. pág, 314)
E o doutrinador enfatiza, após análise profunda da questão, que “temos, então, o exercício antissocial do direito e este exercício antissocial é que nós conceituamos como abuso do direito. Abuso do direito nada mais é do que o exercício antissocial do direito”. (Ob. cit. pág. 319)
A aplicação da teoria do abuso de direito é abrangente. No direito francês está presente no domínio das relações de família, no direito de propriedade, em matéria contratual, no exercício de direitos sindicais, no direito de ação, quando se intenta uma ação, respondendo a uma ação, na interposição de recurso, no território do cumprimento de sentença. (Cfr. Marty e Raynaud, Droti Civil, t.2, v.1, nº 417; Planiol et Ripert, Traité Élémentaire deDroit Civil , t.6, nºs. 579 e seguintes; Savatier, Traité de la Responsabilité Civil, t.1, nº 36; Alex Weil, Droit Civil cit.. – Obligaciones, nº 631, pág. 641)
No direito pátrio lembro a lição de SAN TIAGO DANTAS exemplificando a respeito de sua presença no direito de família, quando o pai exerce o pátrio poder não no interesse da educação do filho, mas, por exemplo, no interesse de sua própria situação financeira, ou, apenas, para satisfazer os seus instintos de crueldade. Entende que está presente, também, na teoria do contrato, na concorrência desleal. (Ob. cit. pág. 319)
ORLANDO GOMES entende pela sua presença no exercício do pátrio poder (Introdução ao Direito Civil cit., nº 85); AGUIAR DIAS aponta decisões no campo do direito autoral, do direito de propriedade, do direito de vizinhança, relação contratual entre empresa telefônica e consumidor. (Da Responsabilidade Civil, voo. 2, nº 185); CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA aponta a presença da teoria no domínio contratual. (Responsabilidade Civil, nº 211, pág. 256)
PAULO NADER sustenta sua presença no direito processual, reportando-se ao art. 17, VII, do CPC\73 (Curso cit.. – Parte Geral cit., pág. 556), e com ele faz coro PEDRO BAPTISTA MARTINS (O Abuso de Direito e o Ato Ilícito, Cap. IV, nºs 52/64).
Não é impróprio dizer da amplitude que tem merecido a teoria do abuso do direito. Fico por aqui, contudo, porque o que o objetivo do presente artigo é sua incidência no território do direito de propriedade. Não vou me aprofundar no exame do art. 187 do diploma civil, e, se houver interesse no tema, dele tratei no meu Código Civil Comentado, Parte Geral, da editora Forense. O objeto do presente artigo é o abuso no exercício do direito de propriedade, que encontra previsão no § 2º do art. 1.228 do Código Civil.
No estudo das limitações ao direito de propriedade eu apontei que propriedade não é mais absoluta e sagrada. O direito de propriedade passa a ser disciplinada impondo limites aos interesses egoísticos do proprietário, o que significa que se reconhece a existência de vida além de tais interesses. O “dominus” pode exercer o direito de que é titular, mas condicionado pelas suas finalidades econômicas e sociais, como decorre do § 1º do art. 1.228 do Código Civil. (Comentários ao Novo Código Civil cit., v. XVI, pág. 55)
Já tive a oportunidade de ressaltar que ORLANDO GOMES, no estudo do Código de 1916, inseria o instituto no território da limitação jurídica ao direito de propriedade. Naquela oportunidade eu disse que “o diploma civil de 2002, no art. 1.228, caput, cuida do conteúdo econômico e jurídico do direito de propriedade; em seguida, no parágrafo primeiro, volta-se para os suportes para o exercício do direito do direito de propriedade, condicionando-o às suas finalidades econômicas e sociais, ressalvando, ainda, a preservação do meio ambiente. Agora o foco da lei volta-se para reprimir o exercício que configura a ausência de interesse sério ou de se visa prejudicar a outrem” (Curso de Direito de Direito Civil – Direito das Coisas, pág. 90)
Observo que as limitações jurídicas “atraem a presença dos princípios, como o princípio da normalidade, cuja inobservância leva ao abuso de direito, tipificando ilicitude de meio”. (Marco Aurelio S. Viana, Comentários ao Novo Código Civil, v. XVI, pág. 58)
O doutrinador observou, ainda, no estudo do Código de 1916, que foi o direito de propriedade que melhor se prestou ao exercício anormal pela significação que se lhe atribuía e por essa razão foi no seu âmbito que se aplicou primeiramente o princípio da relatividade, citando o caso Bayard: um proprietário de terreno vizinho ao campo de atracação de dirigíveis edificou, sem qualquer interesse, impondo manifesto perigo para o pouso de aeronaves, enormes torres. Agindo dessa forma entendeu-se que ele estava exercendo de forma anormal seu direito de propriedade. (Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil, nº 85)
Como já foi dito “a CF/88, refletindo a realidade social contemporânea se propõe a harmonizar os interesses privados com aqueles coletivos e introduz princípios e valores sem os quais não se conheceria uma sociedade justa e solidária. – Assim, nada mais coerente do que a introdução da norma do inciso III do art. 5º, complementada pelo artigo 170, II e III, que coloca como princípios da ordem econômica a propriedade privada e a função social da propriedade”. (Teresa Ancona Lopez, Comentários à Constituição Federal de 1988, pág. 146)
No plano infraconstitucional tem-se o Estatuto da Cidade, que regulamenta os arts. 182 e da Lei Maior, estabelecendo disciplina para uso e ocupação do solo urbano, o Estatuto da Terra visando promover melhor distribuição da terra, na busca da justiça social e aumento de produtividade.
Faço referência à função social e econômica do direito de propriedade para enfatizar que tais princípios são norteadores das relações que se estabeleçam no exercício do direito de propriedade, admitindo que se aplique a teoria do abuso do direito. Cuida-se de a função social de conceito jurídico indeterminado, que se efetiva no caso concreto.
Em razão do princípio da função social (art. 5º, XXIII da CF) o exercício do direito de propriedade (art. 1.228, §1º do CC) assegura a propriedade privada, permitindo ao “dominus” obter-lhe os serviços que lhe são próprios, mas não se admite qualquer ação que pretenda ou venha a violar a finalidade econômico-social da propriedade. A propriedade privada é respeitada, mas há intervenção no seu exercício, garantindo que se faz no interesse do bem comum.
Estando o direito de propriedade submetido em seu exercício à sua função social, evita-se que o proprietário seja guiado por suas conveniências, e acabe por contrariar os interesses sociais relevantes.
Na abordagem do tema no direito português, assinala JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO que “o princípio não deve ser mal entendido, chegando-se, por exemplo, à conclusão de que a propriedade se esgota nesta função social, como pretendia Duguit. A garantia da autonomia pessoa é, logicamente, o objecto primário da atribuição do em termos reais. E essa falharia se a conduta do sujeito fosse minunciosamente determinada pelos órgãos públicos, sob a alegação da garantia da função social. O que se pretende antes de mais é a colaboração com a liberdade dos indivíduos. As intervenções em nome da função social devem ser prudentes, prevendo os casos em que os titulares se desviaram flagrantemente das necessidades gerais, ou em que estas se apresentem de modo premente”. (Direito Civil – Reais, pág. 197, nº92)
O §2º do art. 1.228 censura o proprietário que pratica atos que não lhe tragam qualquer comodidade, ou utilidade, e cuja prática esteja orientada pela intenção de prejudicar outrem. Como já foi dito, o que se condena são os “atos que não correspondem ao natural uso da coisa e visam prejudicar outrem”. (Paulo Nader, Curso cit. – Direito das Coisas, p. 112)
Falando em intenção de prejudicar outrem, estaria a Lei civil, no campo específico da propriedade, adotado a corrente subjetivista, consagrando o critério intencional, alicerçado no ânimo de prejudicar?
Revejo o pensamento que externei anteriormente, quando entendi que o art. 187 do Código Civil consagra a teoria objetiva, e o § 2º do art. 1228 do diploma civil acolhe a teoria subjetiva. Em verdade, o que se tem, no campo específico do direito de propriedade, é direito exercido fora dos limites que a sociedade deve admitir o que se deduz diretamente do ato praticado. Em verdade aquele que exerce o direito de propriedade sem que o ato lhe traga qualquer comodidade, ou utilidade, está atuando de forma contrária ao natural uso da coisa e evidencia apenas o interesse de prejudicar.
Não se faz necessário prova de culpa ou dolo, a investigação da intenção do ofensor, porque o “dominus” atua em desacordo com o legítimo interesse que necessariamente deve orientar o exercício do direito de que é titular.
O caso Bayard que citei ilustra bem o meu pensamento, porque nada revela interesse a merecer tutela quando se edifica como ele o fez. O ato em si revela a ausência de comodidade ou utilidade para ele, o que dispensa a pesquisa subjetiva. O fato em si revela que ele foi animado pelo animus nocendi.
De qualquer forma, a meu ver, se o móvel do proprietário não permite apurar interesse sério, não encontrando na sua ação qualquer comodidade ou utilidade para ele, apresenta-se o abuso no exercício de direito. Mas se tal situação não se identifica, pode ser que se tenha que caminhar para análise da intenção, porque pode haver interesse sério, mas na circunstância dada haja conflito de interesses, que se deve apurar e estabelecer qual deles deve prevalecer. Lembro que o art. 1.279 do diploma civil, ao cuidar do uso anormal da propriedade, diz que “ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis”. Temos um conflito de interesses, que exige exame para o caso concreto.
Exerce abusivamente o direito de propriedade o morador de condomínio edilício, de multipropriedade, no condomínio de lotes, no loteamento com acesso controlado, quando sua ação tipifica comportamento antissocial. Isso ocorre sempre que se tem ofensa ao sossego e a saúde dos demais moradores, que está presente nas festas até altas horas, com música em volume muito alto, apenas para citar um exemplo. É possível até mesmo se caminhar para a exclusão do morador faltoso, assegurado o contraditório e a ampla defesa.
O art. 1.337, parágrafo único do Código Civil cuida especificamente do comportamento antissocial reiterado por parte de condômino, capaz de gerara incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, prevendo sanção pecuniária. Tal solução merece reserva porque não soluciona o problema do relacionamento na comunidade. Muitas pessoas, de poder aquisitivo alto, não se importam com a aplicação de multa, e deixam de pagá-las, impondo o ajuizamento de ação. Mas isso não resolve a questão.
O legislador pátrio foi econômico, nesse particular. No direito francês os tribunais vieram a se firmar, após alguma vacilação, na análise de validade de cláusula permitindo a exclusão, em tê-la por nula, sob crítica da doutrina. (François Givord e Claude GiverdonL La Copropriété, pág. 284, n° 300)
NASCIMENTO FRANCO e NISSKE GONDO sustentam que se deve adotar no Brasil – e isso em estudo sob o império da Lei nº 4.591/64 – a adoção da solução adotada na Suíça, que admite que por decisão judicial seja o infrator excluído, assim como o usufrutuário ou nu-proprietário, assegurando-lhe a venda do imóvel, havendo preferência dos demais condôminos. (Condomínio em Edifícios, pág. 293)
Antes devo observar que JOÃO BATISTA LOPES, embora reconheça que a solução adotada pelo diploma civil não solucione a questão, em razão da burocracia da cobrança judicial, “por demais das vezes morosa e difícil, sugere soluções que busca no direito comparado, que envolve sequestro da unidade, alienação, interdição do direito de utilização, etc.”. (Comentário ao Código Civil Brasileiro, v.XII, pág. 161)
O doutrinador, no entanto entende que “essas medidas soam excessiva, encontrando resistência na comunidade jurídica, razão por que não se vislumbra, a curto prazo, solução ideal para tão grave problema”. (Comentários cit., v. XII, pág. 161)
Em que pese os termos do suporte fático do dispositivo legal, entendo que é possível solucionar o impasse com a teoria do abuso do direito, a função social do direito de propriedade, o que passarei a explicar. Se a não há previsão objetiva nesse sentido, é de se buscar no ordenamento jurídico suportes legais que permitem encontrar o caminho que a lei específica nega. O caráter instrumental do direito arma o intérprete com ferramenta adequada, porque a lei existe para trazer equilíbrio na vida social, assegurando segurança jurídica ao cidadão.
Interpretar e aplicar a regra de lei reclama engenho e arte, afastando-se da busca ou da vontade do legislador, a mens legislatoris, porque a lei após sua publicação desgarra-se do seu autor e tem vida independente e própria. Ao intérprete cabe estabelecer o real alcance da norma jurídica, estabelecendo “o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta”. (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do direito, pág. 10, nº 14)
A atividade do exegeta reclama engenho e arte, como disse, porque ele “pratica uma verdadeira arte, guiada cientificamente, porém nunca substituída pela própria ciência”. (Caros Maximiliano, Hermenêutica cit. pág. 10, nº 15)
Nesse passo transcrevo lição da lavra de JOSÉ RENATO NALINI, que adverte nesse sentido, dizendo que “o Direito é instrumento para facilitar a vida humana e para tornar as criaturas da espécie menos infelizes. A busca de soluções para os problemas deve estimular a criatividade e a ousadia do intérprete”. (Comentários ao Novo Código Civil, v. XXII, pág. 218)
Tomando o comando do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro presente a referência clara e objetiva pertinente à aplicação da lei, pelo juiz, sinalizando no sentido dos fins sociais a que ele se dirige e às exigências do bem comum., todo juiz brasileiro tem condições de fazer justiça no caso concreto, “se estiver preparado e, principalmente, se o quiser de verdade”. (José Renato Nalini, Comentários cit. v. XXII, pág. 222)
Na Exposição de Motivos do CPC/2015 está claro, um dos objetivos colimados foi “criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa”.
Dentro dessa ótica o art. 8º do diploma processual civil determina que a aplicação do ordenamento jurídico, pelo juiz, impõe o atendimento dos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando-se e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e eficiência.
E não se pode perder de vista a equidade que permeia necessariamente todo o ordenamento jurídico, porque ela busca o justo melhor para o caso concreto, que pode ser diverso do justo legal. (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, pág. 173, nº 183)
Repete a lei processual civil o que se contém no art. 5º LINDB, que, como destacado, permite a justiça no caso concreto.
Nessa linha, entendo que há solução legal que ampara a exclusão do condômino ou possuidor antissocial, na forma indicada, que se busca no exame do ordenamento jurídico, porque a lógica jurídica não pode dispensar o conteúdo existencial, porque ela se instaura em torno de um problema concreto.
A solução alcança a multipropriedade. e o condomínio de lotes, e aqueles de acesso controlado, também, bem como o condomínio edilício.
As razões que alinho para autorizar a exclusão do condômino ou possuidor de reiterado comportamento antissocial, encontra apoio na função social da propriedade (art. 5º, XXIII da CF – art. 1228, §1º do CC) e no abuso do direito (art. 187 e 1.228, § 2º do CC).
Adoto a posição presente no Enunciado 508/CJF, que assim se posiciona:
“Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.288, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, §2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal”.
A tutela do prejudicado dependerá do caso concreto. Tipificado o ato abusivo, o proprietário pode responder por perdas e danos, ou pela demolição, ou mesmo pela recomposição ao estado anterior. (Marco Aurelio S. Viana, Comentários ao Novo Código Civil, 4ª. ed., vol. XVI, pág. 103).
Obviamente que a reprimenda assegurada pela Lei civil nem sempre resolve o conflito de interesses, quando se considera a morosidade da Justiça. Seria oportuno que viesse lei de caráter criminal tipificando situações de exercício antissocial e impondo penalidades de maior potencial evitando os abusos que se repetem todos os dias.
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