recuperação ou falência

24/07/2020 às 14:54
Leia nesta página:

o texto trata da crise empresarial em tempos de pandemia e necessidade de reforma da Lei 11.101/05, no tocante ao processo falimentar.

                                         

                                          RECUPERAÇÃO OU FALÊNCIA

 

 

                            Os números são assustadores. Segundo o IBGE, desde o início da crise sanitária, mais de 716 mil pessoas jurídicas foram fechadas definitivamente no Brasil[1] [2]. Passados 4 meses, os dados indicam que as medidas tomadas para tentativa de soerguimento  das entidades são paliativas e muitas sucumbem, diante da ausência de fôlego. Sem escolho de tudo que amiúde escrevemos acerca do texto legal, cabem algumas ponderações acerca do atual momento da “empresa” brasileira.

                        A Lei 11.101/05, pendente de substancial reforma, não é capaz de colaborar para que haja efetiva recuperação empresarial e o resultado é mostrado pelo IBGE. Os institutos recuperatórios previstos no texto legal, em vários aspectos, se mostram incapazes de contribuir para afastamento da crise e muitas entidades, até mesmo em recuperação judicial, acabando sendo retiradas do mercado, pelos mais variados motivos, inclusive a falta de vocação para o empreendedorismo.

                        A recuperação judicial, no Brasil, se torna uma arena e bem escreve Kevin J. Delaney em seu clássico livro, ao discorrer sobre o sistema norte-americano[3]. Diz com ênfase o autor:

Since the original publication fo ‘Strategic Bankruptcy’ in 1992 I have become more convinced that bankruptcy is really politics by another name. Many Americans who never thought the would care about corporate bankruptcy found themselves unwitting parties to the complex process of Chapter 11 reorganization in the 1980s and 199s. The bankruptcy arena, formerly the province of bankers, financial managers, and their attorneys, became the arena in which some of the biggest social issues of our time were decided: the fate of asbestos victims and compensation to women injured by the Dalkon Shield intrauterine device and those suffering ill-health after receiving silicone implants[4]

                         A lei brasileira, em resumo, se tem mostrado ineficiente para fins de auxiliar na superação da crise e manter a entidade no mercado. O texto legal é bastante singelo; crebro significativa parcela da doutrina vem apontando sua ineficiência para os fins colimados e as estatísticas revelam que poucos processos foram exitosos. Bem escreve o jurista Frederico A. M. Simionato:

A nova lei não é necessariamente ‘liberal’; trata-se de uma legislação ‘simplista e redigida de maneira atabalhoada’, bem ao gosto dos tempos atuais[5]

                             Com efeito, a tão almejada reforma da Lei 11.101/05 ainda não saiu do papel e enquanto isso muitas entidades jurídicas sangram, dispensam trabalhadores (ou concedem férias coletivas), reduzem produção e se obrigam, enfim, a suspender temporariamente ou cessar por completo a atividade econômica. Plúmbea realidade.

                        Os dados estatísticos bem demonstram a triste situação do país, desde março/2020. Aqui não há lugar para discorrer a respeito dos reflexos do fechamento de pessoas jurídicas, especialmente no plano social, mas é facilmente percebível os prejuízos advindos à sociedade como um todo, diante, inclusive, do desemprego.

                          Desde a edição da Lei 11.101/05, há 15 anos, praticamente só se escreve a respeito da recuperação judicial, sendo que o instituto da falência foi totalmente desprestigiado, considerando o frenesi que tomou conta do mundo jurídico-empresarial.

                       A ideia era recuperar a entidade mergulhada em crise, preservando-a. Com tal propósito, muitas requereram a recuperação judicial e nem sequer conseguiram colocar em prática o plano de soerguimento. Outras cumpriram algumas obrigações, mas não tiveram fôlego para continuar a atividade econômica e o mercado deu a sua solução. Faliram.  

                       De há muito escreve Fábio U. Coelho que a falência não é um mal[6], de modo que não se pode insistir em determinada recuperação judicial se de fato não reúne as mínimas condições para cumprimento do plano. Em outros termos, a entidade que é inviável, nem sequer pode passar pela recuperação judicial. A aplicação do instituto da recuperação judicial é efetivamente condicionada à viabilidade da atividade econômica. Não basta simplesmente levantar a bandeira da preservação empresarial.

                        Não há como se tentar o soerguimento sem cumprimento dos requisitos da lei e um deles é a apresentação de plano factível. Determinar o processamento de recuperação sem mínimas condições de viabilidade é postergar o impostergável: retirada do mercado do devedor. A não retirada do devedor do mercado, no momento oportuno, pode criar efeito multiplicador em relação a outras entidades que atuam, como as fornecedoras de produtos e serviços.

                       Aliás, em tempos de crise sanitária, este mesmo mercado, por evidente, não está conseguindo dar solução aos problemas vivenciados por várias “empresas”, já em estado crítico, quiçá insuperável insolvência.

                            Nessa esteira, não é de hoje que escrevemos acerca da necessidade de dar especial atenção ao instituto da falência. A lei de 2005 nunca entusiasmou alguns juristas, incluindo o subscritor.  Sempre escrevi que determinados dispositivos deveriam ser analisados com redobrada atenção, considerando, inclusive, a arena chamada recuperação.

                        São vários pontos carentes de urgente reforma pelo legislador, sendo que é raro colocar em prática o tão propalado princípio da celeridade (art. 75, parágrafo único do texto legal). As falências abertas por sentença judicial, via de regra, são morosas, perduram por anos, senão décadas, e é bastante incomum o pagamento da integralidade das dívidas. Isso se deve a múltiplos fatores.

                       A substancial reforma do texto falimentar necessariamente deveria passar por questões como: (i) novos requisitos para nomeação de administrador judicial, seguindo, por exemplo, o sistema francês; (i) celeridade no procedimento arrecadatório e alienação judicial dos ativos; (iii) substancial alteração no quesito “verificação e habilitação de créditos”; (iv) alteração na classificação dos créditos; (v) maior participação do Ministério Público no processo, por exemplo.

                            O jurista Carlos Henrique Abrão, em substancioso texto, escreve a respeito da radical alteração de pensamento que deve ocorrer em tempos de crise sanitária. Ou seja, afastar a ideia de falência-insolvência, tal como se vê no texto de 2005, colocando-se em degrau superior a falência-remédio[7]. Segundo o doutrinador, a falência-remédio teria como escopo evitar o emperramento do Judiciário, possibilitando que as questões fossem resolvidas rapidamente no âmbito extrajudicial. De fato, o tema é espinhoso, complexo e urge reforma do sistema legal falimentar nacional a fim de que o processo de falência seja encerrado de forma breve.

                            Considerando a situação de várias entidades (insolventes), que não reúnem condições de pedir a tutela estatal, via recuperação, o entendimento é de que, tal como ingressaram no mercado - porquanto observaram o princípio constitucional da livre iniciativa -, devem dele se retirar, via falência. Puro e simples fechamento de porta não é a medida mais correta.

 


[1] https://covid19.ibge.gov.br/pulso-empresa/ Acesso: 24/07/2020. O Brasil contava com cerca de 4 milhões de entidades jurídicas na primeira quinzena de junho/2020, sendo que foram fechadas temporariamente 610 mil e outras 716 encerraram definitivamente a atividade econômica; 34,6% das que estão em funcionamento reduziram o número de funcionários. A crise vai desde a micro e pequena empresa até as grandes corporações, como as aéreas e o número de desempregados só aumenta.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

[2] Não se confunda fechamento com falência. Bem preciso o ensinamento de Rubens Requião: Sendo a insolvência um estado de fato, o Direito dela somente se ocupa se for confessada ou denunciada em requerimento do credor, perante o magistrado. Assim ocorrendo, o estado de fato se transforma em estado de direito, em virtude da sentença judicial que declara a falência.   Curso de direito falimentar. 1º. Volume. Falência. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 90. Portanto, simplesmente fechar a porta não significa necessariamente falência, isto é, um estado de direito, pressuposto indisfarçável para a retirada do devedor do mercado. O puro e simples fechamento de uma “empresa” pode ser irregular, apenas de fato, caso não ocorram as baixas nos lugares próprios ou se leve a efeito a abertura judicial da falência.

[3] Strategic Bankruptcy: How Corporations and Creditors use Chapter 11 to their Advantage. California: University of California Press, 1998. Op. cit., IX. Tradução livre: Desde a original publicação de Falências Estratégicas em 1992 eu estou mais convencido de que a falência é realmente política com outro nome. Muitos americanos que nunca pensaram que poderiam se valer da falência se encontraram inconscientemente como parte no complexo processo do Capítulo 11 de reorganização nos anos 1980 e 1990. A arena da falência formalmente ajuda os bancos, os diretores financeiros e seus advogados, tornando-se a arena em que somente alguns dos maiores problemas sociais dos nossos tempos foram decididos: o fato de as vítimas dos asbestos e as compensações das mulheres prejudicadas pelo plano da Dalkon Shield, e aqueles sofrimentos por doenças, que receberam implante de silicone.

[4] Op. cit., IX. Tradução livre: Desde a original publicação de ‘Falências Estratégicas’ em 1992 eu estou mais convencido de que a falência é realmente política com outro nome. Muitos americanos que nunca pensaram que poderiam se valer da falência se encontraram inconscientemente como parte no complexo processo do Capítulo 11 de reorganização nos anos 1980 e 1990. A arena da falência formalmente ajuda os bancos, os diretores financeiros e seus advogados, tornando-se a arena em que somente alguns dos maiores problemas sociais do nosso tempo foram decididos: o fato de as vítimas dos asbestos e as compensações das mulheres prejudicadas pelo plano da Dalkon Shield, e aqueles sofrimentos por doenças, que receberam implante de silicone. Grifos no texto original.

[5] Tratado de direito falimentar. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 3. Grifos no original.

[6] Curso de direito comercial. Volume 3. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 233.

[7] https://www.conjur.com.br/2020-jul-11/carlos-abrao-falencia-insolvencia-falencia-remedio Acesso: 24/07/2020.

 

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos