O Código Civil em seu artigo 191 traz a seguinte redação:
Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.
O que nos interessa, nesse momento, é explicar que a prescrição pode ser renunciada pela pessoa que, em tese poderia ser beneficiada.
Ou seja, mesmo o réu podendo se valer da prescrição – que levaria a improcedência do pedido do Autor – prefere que o processo siga como se a prescrição não tivesse ocorrido.
Vejamos um exemplo:
Bruno ingressa com uma ação em face de Pedro. O motivo é uma dívida de mil reais que, segundo o autor, não foi paga pelo réu. Ocorre que, segundo os prazos estabelecidos pela lei, Bruno demorou muito para exigir o pagamento da dívida, de modo que sua pretensão já está prescrita.
Segundo o artigo 191 – transcrito acima – Pedro pode renunciar a prescrição, ou seja, deixar de se beneficiar pela extinção da pretensão de Bruno e desejar que o processo siga normalmente, como se a prescrição não tivesse ocorrido.
Note-se que, caso o devedor não renuncie a prescrição – que é o mais comum - o processo deveria ser extinto com resolução do mérito, uma vez que a pretensão do credor já estaria extinta, ou seja, demorou muito para cobrar a dívida.
A pergunta que se faz essa hora é: Por qual razão o devedor de uma dívida iria renunciar a prescrição e desejar que o processo siga normalmente?
Tudo que o devedor mais quer não é a extinção prematura do processo?
Nem sempre.
Pode acontecer que o devedor deseje pagar a dívida em juízo, visto que, mesmo com a demora do credor em exigi-la, o valor merece ser adimplido.
Não esqueça que a prescrição extingue o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida e não a dívida em si. Ou seja, o devedor continua sendo devedor, mesmo ocorrendo a prescrição.
Outro motivo é o devedor querer demonstrar, em juízo, que tal dívida, em verdade, não existe.
Ou seja, o autor da ação jamais deveria ter ingressado com a ação – não porque ocorreu a prescrição e sim porque, ainda que não tivesse ocorrido, o débito é inexistente ou, ainda, o réu tem interesse em provar que, apensar de a dívida existir, não é ele o devedor.
Note-se que, caso o juiz acolhe-se a prescrição, essas questões nem seriam debatidas, uma vez que o processo seria extinto pelo acolhimento da prescrição.
Inclusive, em termos de “ bom nome na praça” é muito melhor ficar provado que a dívida nunca existiu ou que o devedor não é a pessoa apontada pelo Autor a, tão somente, deixar de pagar a dívida porque o credor foi relapso e não exigiu o pagamento dentro do prazo fixado em lei.
Bem se vê, portanto, que há interesse prático em à parte a quem beneficia a prescrição, renunciá-la.
Outro motivo relevante é o desejo do réu em se valer do artigo 940 do Código Civil, vejamos:
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
O artigo previu a seguinte situação.
Bruno empresta mil reais à João, com a condição que esse quite a dívida até o Natal. João, bom pagador que é, quita a dívida no prazo e exatamente da forma que foi combinada.
Bruno, mesmo assim, de forma ardilosa, ajuíza ação de cobrança em face de João, alegando que esse não quitou a dívida.
Para esses casos, uma vez constatado que a dívida já havia sigo paga – ou seja, não era necessário ter movido o Poder Judiciário – a lei prevê que o Autor deverá ser condenado ao dobro do que indevidamente cobrou de quem já havia, corretamente, pago a dívida.
Nesses casos, o réu da ação de cobrança tem todo interesse em que o juiz declare que a dívida já foi paga, exatamente para se valer do artigo 940, ou seja, requerer o valor em dobro.
Caso o magistrado decida pela prescrição, certamente tal artigo não poderá ser aplicado, uma vez que a decisão não irá reconhecer que a dívida já foi paga e sim a extinção da pretensão do Autor – conceito de prescrição.
Bem se vê, portanto, que a renúncia, além de ser um direito material da parte a quem beneficia, tem inúmeras utilidades práticas.
Entretanto, há alguns pontos do Código de Processo Civil que parecem estar em conflito com o artigo 191 do Código Civil e com tudo que foi falado até aqui.
O artigo 332 da lei processual prevê os casos de “ Improcedência Liminar do Pedido”.
É uma técnica processual em que o magistrado, antes mesmo de citar o réu para se defender, já julga a causa, concluindo que o pedido feito pelo Autor é improcedente.
Em verdade, a citação do réu é desnecessária, visto que o pedido do Autor já foi rejeitado.
É o caso, por exemplo, quando o Superior Tribunal de Justiça, em decisão com efeito vinculante, já disse que, para casos idênticos ao do Autor da ação, o mesmo não tem razão.
Ora, se tal Tribunal Superior – quem dá a última palavra nesses casos - já firmou entendimento contrário ao Autor da ação, não há qualquer necessidade de citar o Réu, uma vez que tal demanda está fadada ao fracasso. É uma questão de economia processual e acelerar os julgamentos dos processos.
Para que citar o Réu se o juiz já sabe que o pedido será julgado improcedente?
Bruno ingressa com uma demanda em face do Banco do Brasil. Alega que uma das cláusulas do contrato de financiamento que assinou é abusiva, uma vez que estipula juros abusivos, o que está deixando a parcela mensal muito alta.
Entretanto, o STJ, em decisão vinculante, já disse que, nesse tipo de contrato - igual ao assinado por Bruno – não há que se falar em juros abusivos, ou seja, não há qualquer ilegalidade praticada pela instituição financeira.
Mesmo após tal decisão, Bruno resolve se aventurar e ajuizar ação, justamente, questionando tal cláusula contratual. Para esses casos, de fato, não há qualquer necessidade de citar o réu, de modo que o magistrado já pode, desde logo, julgar a causa e concluir pela improcedência do pedido.
Esse é o espirito do artigo 332 do CPC, ou seja, agilizar o julgamento das causas. É a tão falada “ celeridade e economia processual”, bem como “ razoável duração do processo”.
A discussão, que aqui interessa e se relaciona com prescrição é o § 1º do artigo 332, vejamos:
§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
Ora, consoante tal dispositivo, o juiz, ao verificar a ocorrência da prescrição ou decadência pode, sem citar o réu, julgar a causa e decidir pela improcedência do pedido do autor.
Então, resta claro que o réu não será consultado se irá optar por renunciar a prescrição, ou não, conforme é seu direito previsto no artigo 191 do Código Civil.
Sendo julgado liminarmente o pedido do Autor, o Réu – que poderia renunciar a prescrição – só será comunicado da existência da ação quando o pedido já estiver sido rejeitado liminarmente.
Aí, em tese, a causa já terá sido julgada e ele não terá tido a oportunidade de renunciar a prescrição.
Que isso fique bem claro: nas hipóteses do artigo 332 do Código de Processo Civil, a causa é julgada sem a citação ou ciência do réu.
Gustavo ingressa com ação de cobrança em face de Roberto. Requer-se o pagamento de mil reais que, segundo o autor, não foram pagos. De fato, a pretensão de Gustavo está extinta, uma vez que esse ajuizou a ação 10 anos após o inadimplemento. Entretanto, Roberto – que preza por sua boa reputação - tem o interesse em demonstrar, em juízo, que, na realidade, a dívida não foi contraída por ele e sim por outra pessoa.
Ora, caso o juiz, de plano, acolha a prescrição, tal situação jamais poderá ser demonstrada, uma vez que o processo já terá sido extinto muito antes.
Portanto, essa á incoerência. A prerrogativa de o magistrado conhecer de oficio a prescrição, sem consultar a parte a quem beneficia, está em confronto com o direito posto no artigo 191 do Código Civil.