Percurso histórico; Modalidades e Ordenamento jurídico da Guarda Compartilhada

27/07/2020 às 19:01
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A guarda compartilhada não tinha previsão expressa no Código Civil de 2002. Porém, estabelecia algumas premissas sobre guarda, que era unipessoal, isto é, com o desfazimento do vínculo conjugal e definido quem ficaria com a guarda dos filhos.

1. GUARDA COMPATILHADA

 

1.1. PERCURSO HISTÓRICO DA GUARDA COMPATILHADA

 

A guarda compartilhada não tinha previsão expressa no Código Civil de 2002. Porém, estabelecia algumas premissas sobre guarda, que era unipessoal, isto é, com o desfazimento do vínculo conjugal e definido quem ficaria com a guarda dos filhos, era estabelecido apenas regime de visitas para o cônjuge não detentor da guarda.

Ocorre que, com a separação o cônjuge que não possuía a guarda, não mais se conformava em apenas visitar os filhos, pois ficava submetido ao poder daquele que possuía, que só lhe permitia ter convívio com os filhos, quando quisesse.

Por esse motivo a guarda compartilhada foi instaurada pela lei 11.698/2008 que trazia, em seu artigo 1º, alterações no Código Civil Brasileiro, mais especificamente nos artigos 1.583 e 1.584, possibilitando a aplicação da guarda compartilhada, sempre que possível, quando não houver conflito entre a mãe e o pai no tocante à guarda do filho.

Como menciona Maria Berenice Dias:

 

O primeiro avanço ocorreu em 2008, com a instituição da guarda compartilhada (L 11.698/08). Deixou de ser priorizada a guarda individual, conferindo aos genitores a responsabilização conjunta e o exercício igualitário dos direitos e deveres concernentes à autoridade parental. O modelo de corresponsabilidade foi um avanço, ao retirar da guarda a ideia de posse e favorecer o desenvolvimento das crianças com menos traumas, pela continuidade da relação dos filhos com seus genitores. (DIAS, 2015, p. 520)

 

Segundo Maria Berenice Dias, a lei 11.698/08 trouxe a definição de guarda unilateral e guarda compartilhada, dando preferência a guarda compartilhada sempre que possível. Porém, em virtude da expressão: “sempre que possível” estabelecida no artigo, grande parte dos juízes não concediam a guarda compartilhada. Bastando haver conflito entre os genitores. Vejamos:

 

Além de definir o que é guarda unilateral e guarda compartilhada (CC. 1.583, § 1°), a lei sinalizou preferência ao compartilhamento (CC. 1.584, § 4°). Mas o uso da expressão: sempre que possível, deu margem a uma equivocada interpretação por parte da jurisprudência. De forma quase unânime, juízes passaram a não conceder a guarda compartilhada que reinava em clima de animosidade ou beligerância entre os genitores. Mesmo depois de reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo dita possibilidade, insistiam os juízes em negar o compartilhamento. Com isso, acabaram mais uma vez cedendo à vontade de quem não queria dividir a guarda. Bastava manter-se em conflito com o outro genitor.

 

Com isso, o advento da Nova lei da guarda compartilhada (Lei n. 13.058/14), o instituto estudado, deixou de ser uma possibilidade de aplicação, tornando-se regra, até mesmo quando os genitores não conseguem entrar em um acordo acerca de quem será o detentor da guarda, com exceção quando alguns dos genitores declararem expressamente que não deseja a guarda do filho, conforme dispõe a nova redação do artigo 1.584, § 2°1 do Código Civil Brasileiro, alterado pela referida lei.

A lei 13.058/14 dá preferência à guarda compartilhada e impõe a igualdade parental. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, não havendo acordo entre os genitores, poderá ser estabelecido pelo juiz ou a requerimento do Ministério Público o regime de compartilhamento. Vejamos: “Se um dos genitores não aceitar tal modalidade de guarda, deve o juiz determiná-la de ofício ou a requerimento do Ministério Público, sempre que possível”. (Gonçalves 2011, p. 296).

1 Artigo 1.584, §2º com nova redação dada pela Lei nº 13.058/14: § 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

 

1.2. A GUARDA E SUAS MODALIDADES

 

A guarda dos filhos é determinada aos pais como atributo do pátrio poder e em virtude da igualdade constitucional entre homens e mulheres são denominados de poder familiar, conforme estabelece Maria Manoela Rocha de Albuquerque Quintas:

A guarda de um menor pode advir de situações diferentes. A princípio, surge do poder familiar legalmente imposto aos pais visando à segurança do pleno desenvolvimento de seus filhos (guarda legal), mas tamanha é sua importância que, como visto, na falta dos pais ou quando estes não apresentarem condições de exercê-la, será atribuída a uma família substituta, através de uma decisão judicial. É a chamada guarda judicial. Neste caso a guarda é mais abrangente, já que um terceiro não tem atribuições do poder familiar. (QUINTAS, 2009, p. 19).

 

Nesse mesmo contexto, Sílvio Salvo Venosa entende que:

 

A guarda dos filhos menores é atributo do poder familiar. Segundo o art. 1.634, II, do Código, compete aos pais ter os filhos menores em sua companhia e guarda. O pátrio poder, hoje denominado poder familiar, gera um complexo de direitos e deveres, sendo a guarda um de seus elementos. (VENOSA, 2015, p. 312).

 

Com isso, pode-se afirmar que, a guarda deve ser estabelecida levando-se em consideração essencialmente as vantagens do menor, baseando-se no melhor interesse da criança e/ou adolescente.

A guarda dos filhos é tacitamente conjunta, apenas se especificando com a separação de fato ou de direito dos pais. Assim, com a dissolução do vínculo conjugal, deverá ser definido quem será o detentor da guarda da criança e/ou adolescente, podendo ser estabelecida pelo acordo de vontades entre os cônjuges ou judicialmente.

Assim reza o artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

 

 Art 21: O pátrio poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

 

A partir das ponderações trazidas acerca da guarda, faz-se necessário estabelecer as formas de guarda previstas no ordenamento jurídico brasileiro, que se dividem em três modalidades, quais sejam: guarda unilateral, guarda alternada e guarda compartilhada.

A guarda unilateral estava prevista no artigo 1.583, §5° do Código Civil de 2002, sendo atribuída a um dos genitores.

 

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

(...)

§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014).

 

A supervisão mencionada no §5º acima exposto ocorre através de visitas garantidas ao genitor que não detém a guarda do filho.

Segundo Maria Manoela Rocha de Albuquerque Quintas (2009, p. 24), a guarda unilateral pode ser entendida como sendo uma modalidade de guarda em que os filhos permanecem sob os cuidados e direção de apenas um dos pais, aquele que apresente melhores condições de acordo com os interesses da criança.

Com isso, Maria Berenice Dias faz uma crítica a esta modalidade de guarda:

 

A guarda unilateral afasta, sem dúvida, o laço de paternidade da criança com o não guardião, pois a este é estipulado o dia de visita, sendo que nem sempre esse dia é um bom dia, isso porque é previamente marcado, e o guardião normalmente impõe regras. (2009, p. 404).

 

Com a regulamentação de visitas ao genitor não guardião, é notório que acaba ocorrendo um distanciamento do seu filho e um consequente enfraquecimento dos laços afetivos.

Já a guarda alternada está regulamentada no artigo 1.5861 do Código Civil Brasileiro, sendo aquela em que em determinados períodos fica com a guarda o pai e outros com a guarda a mãe, alternadamente. O objetivo dessa modalidade de guarda é proporcionar um melhor convívio com ambos os genitores.

Para Maria Manoela Rocha de Albuquerque Quintas, a guarda alternada possui fatores positivos e negativos, quais sejam:

 

Tem a seu favor a possibilidade de manter a relação mais intensa entre os pais e o filho, possibilitando uma rotina de vida normal entre eles, além de assegurar aos pais a igualdade no exercício do poder familiar. Por outro lado, o filho será dirigido, a cada período de mudança, de forma diferente, tendo que se adequar a decisões diferenciadas no que concerne a sua educação, criação e proteção, que gera “confusão e falta de referências”, contrariando, além do mais, suas necessidades de estabilidade. (2009, p. 27/28).

 

Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2006, p. 110) defende que este instituto de guarda deve ser deferido quando os pais estejam separados por distâncias geográficas, argumentando que “esta espécie de guarda nem sempre se tem revelado uma alternativa adequada para o menor, cuja vida fica cercada de instabilidade. Não convém seja adotada, a não ser em casos excepcionais, em que os pais residam em cidades distantes ou mesmo em diferentes países”.

E por fim, a guarda compartilhada foi regulamentada pela lei 13.058/14, que alterou o Código Civil Brasileiro, atribuindo a responsabilidade a ambos os genitores, que deverão tomar, conjuntamente, as decisões importantes inerentes ao filho. Assim, ambos exercerão o poder familiar para o melhor interesse do menor.

A guarda compartilhada é tratada no artigo 1.583, §2º do Código Civil Brasileiro: “na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.

Para Maria Manoela Rocha de Albuquerque Quintas, como os pais possuem a guarda legal dos filhos, participando ativamente de sua vida, todas as decisões importantes serão tomadas conjuntamente. Sendo uma forma de manter os laços familiares após a ruptura do vínculo conjugal. Assim vejamos:

 

Compartilhada é a modalidade de guarda em que os pais participam ativamente da vida dos filhos, já que detêm a guarda legal dos mesmos. Todas as decisões importantes são tomadas em conjunto, o controle é exercido conjuntamente. É uma forma de manter intacto o exercício do poder familiar após a ruptura do casal, dando continuidade à relação de afeto edificada entre pais e filhos e evitando disputas que poderiam afetar o pleno desenvolvimento da criança. (2009, p.28).

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Maria Antonieta Pisano Motta (apud Dias, p. 525), por sua vez, entende que a guarda compartilhada é o exemplo mais fiel do poder familiar, uma vez que se trata de uma responsabilidade conjunta, garantindo uma maior vinculação e participação de ambos os cônjuges na formação e educação do filho, vejamos:

 

Garante, de forma efetiva, a corresponsabilidade parental, a permanência da vinculação mais estrita e a ampla participação de ambos na formação e educação do filho, o que a simples visitação não dá espaço. O compartilhar da guarda dos filhos é o reflexo mais fiel do que se entende por poder familiar.

 

Mais adiante, a autora entende que a guarda compartilhada deve ser preservada para assegurar, principalmente, o desenvolvimento fisiopsíquico da criança ou adolescente. Vejamos: “(...) essas relações devem ser preservadas para a garantia de que o adequado desenvolvimento fisiopsíquico das crianças ou adolescentes envolvidos venha a ocorrer”.

Ou seja, com o surgimento das diversas desvantagens e críticas referentes à guarda unilateral e guarda alternada, surgiu a necessidade de instituir a guarda compartilhada, uma vez que melhor atende ao princípio do melhor interesse do menor.

1 Artigo 1.586 do Código Civil brasileiro: Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.

 

2.3. GUARDA COMPATILHADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

A Lei n° 13.058 de 22 de dezembro de 2014, prescreve em seu preâmbulo a alteração dos artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil Brasileiro – Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – para estabelecer o significado de guarda compartilhada e dispor sobre sua aplicação.

De acordo com Maria Berenice Dias, a guarda compartilhada passou-se a ser adotada e com isso, gerou a responsabilidade e exercício conjunto de direitos e deveres ao poder familiar. Mas para isso, é necessário que os pais da criança e/ou adolescente diminuam suas mágoas e frustações, para que possam conviver de forma harmoniosa, com o objetivo de garantir a convivência familiar. Vejamos:

 

Os fundamentos da guarda compartilhada são de ordem constitucional e psicológica, visando basicamente garantir o interesse da prole. Significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. A participação no processo de desenvolvimento integral leva à pluralização de responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. Indispensável manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarreta nos filhos, conferindo aos pais o exercício da função parental de forma igualitária. A finalidade é consagrar o direito da criança e de seus dois genitores, colocando um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual, para isso é necessária a mudança de alguns paradigmas, levando-se em conta a necessidade de compartilhamento entre os genitores da responsabilidade parental e das atividades cotidianas de cuidado, afeto e normas que ela implica. (DIAS, p. 525, 2015)

 

 

 

 

Artigo 1.584, §2º com nova redação dada pela Lei nº 13.058/14: § 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

 

Artigo 1.586 do Código Civil brasileiro: Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.

 

 

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