A mulher em mundo masculino: formas de violência veladas e explícitas perpetradas contra a mulher

27/07/2020 às 22:43
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O presente artigo visa explicar brevemente aspectos da violência perpetrados contra a mulher em um cenário contemporâneo nas suas mais diversas formas.

O mundo é visto sob uma óptica antiga, óptica essa que perdura há séculos, aparentemente imutável, enraizada em absolutamente tudo: vestimentas, opiniões, estruturas hierárquicas, familiares etc. Isso tem profundo reflexo na forma de pensar sobre a vida, de analisar e julgar as coisas. Peculiarmente esta óptica é masculina: usa o homem como referência absoluta e superior.

                        Charlotte Perkins (1911) introduziu o termo androcentrismo como um conceito analítico de que a figura masculina estava ligada a universalidade, sendo o parâmetro  para o todo. Já a mulher figuraria como sombra do homem, sem importância, sem propriedades.

Esta é uma expressão particularmente precisa e sucinta da posição relativa das mulheres durante a nossa cultura androcêntrica. O homem foi aceito como o tipo de raça incontestável; e a mulher uma criatura estranha e diversa, bastante desarmônica na aceitação da estrutura das coisas (PERKINS, 1911, p. 10, tradução nossa).

                        Bourdieu (2012), em sua vasta pesquisa sobre comportamento verificou a estrutura de pensamento que legitima a violência contra as mulheres, que as coloca como objetos secundários, observando e criteriosamente analisando os simbolismos das relações humanas, e como estes podem, silenciosamente, com base em ditames reger uma filosofia comportamental.

                        Wollstonecrafr (2016) explica que durante a idade média a educação era restrita aos homens, e quando fornecida para as mulheres era sempre com superficialidade, matérias voltadas à administração do lar, reforçando a imagem de mulher dona de casa, responsável pelo zelo e cuidado com os filhos, pois negócios, ciências, trabalhos importantes, era objeto da figura masculina.

Wollstonecraft (2016) compreende que o enfoque à fragilidade feminina e sua beleza, para satisfazer a lascívia masculina, também é uma tônica, pois reforça, enquanto símbolo, mais uma vez, a posição em que a mulher é colocada: de protegida. A fragilidade, a meiguice, que são atributos apreciados por homens e esperados que as mulheres os tenham, são componentes que ratificam essa narrativa, naturalizando a mulher enquanto inferior.

Este comportamento acabou por ser incorporado e tido como natural, como orgânico, pois durante muitos anos, em muitas culturas, não se discutia, não se contestava o fato de o homem ser a medida para todas as coisas. Essa ideia, sobretudo, era reforçada diariamente, da publicidade aos diálogos. O homem, em qualquer publicidade, sempre retratado como o provedor da família, líder, com roupas de couro, em um ambiente mais escuro, sério, sóbrio. Já a mulher, retratada como boa dona de casa, vestindo cores claras, aventais, em locais bem iluminados, passando uma ideia de fragilidade, alguém servil, infantil, até mesmo (BORDIEU, 2012, p. 23).

                        Quando se fala em símbolos, diz-se aquilo que não necessariamente é verbalizado, mas aquilo que pertence à rotina e que está intimamente ligado ao que o ser compreende como normal, como algo que transcorre como deveria, pois a internalização é parte de um processo da compreensão das coisas, e quanto esta compreensão é absorvida, é tida como correta e, portanto, não há discordância, não há discussão sobre certo ou errado, apenas há uma continuidade das ações transformando-as em estruturas de pensamentos, conforme Bordieu (2012, p. 8):

[...] Essa relação social extraordinariamente ordinária oferece também uma ocasião única de apreender a lógica da dominação, exercida em nome de um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominante quanto pelo dominado, de uma língua (ou uma maneira de falar), de um estilo de vida (ou uma maneira de pensar, de falar ou de agir) [...]

Perrot (2007) observa que a sociedade se comporta de modo a definir o que a mulher pode ou não fazer, o que a mulher deve ou não pensar, como se vestir, como interagir, e quando isso é contrariado ou quando um grupo de mulheres acaba por se libertar dessas amaras, recebem represálias, inclusive de outras mulheres. O mundo não está, ou não estava preparado para que as mulheres, na sociedade moderna, fossem autônomas, donas de si, donas de suas personalidades, livres – aqui, no sentido mais profundo da palavra – para escolher, ser, pensar, viver.

Na contemporaneidade esse cenário não é muito diferente. Em uma leitura mais íntima, nos relacionamentos, o abuso de poder e a demonstração de dominação se faz presente, onde o homem entende que a mulher deve ser submissa às suas vontades e que deve  mostrar à sociedade que é uma boa dona-de-casa, zelosa com o esposo e pura. 

O homem, por sua vez, tem características mais mundanas, sendo, inclusive, condecorado pelos amigos quando tem relacionamentos extraconjugais, quando faz às vezes do ‘’macho alpha’’ do relacionamento. Incrivelmente essa postura tem maciço apoio da sociedade, que entende que a mulher precisa se resguardar, recatar, e que o homem, desde cedo, tem que conhecer o mundo, aproveitar a vida, conhecer coisas novas. A mulher, menina, nesse ponto da analise, precisa aprender afazeres domésticos, estar sempre junto da família e próximo dos olhos do pai atento.

Os efeitos dessa cultura refletirão dentro do relacionamento, onde a mulher se sentirá frágil perto do homem e o homem poderoso frente à mulher. É nesse ponto que a pesquisa se aproxima do ponto central: os abusos, desrespeitos e violências contra a mulher. Essa violência tomou formas diferentes com o passar dos anos, como demonstrado acima, e, especialmente nos dias atuais, toma força e proporções avassaladoras com o uso das tecnologias da informação.

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O sentimento masculino ferido provoca no homem atitudes vingativas, em que ele, se aproveitando da confiança que existia no relacionamento, expõe momentos íntimos sem o consentimento da vitima, como forma de punição e lição.

Sobre o autor
Moirele Dutra

Graduando em Direito Pela Antonio Meneghetti Faculdade, aprovado no XXIX Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil, Bancário Certificado ANBIMA CPA-10.

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