Desde os tempos mais primórdios a mulher é tida como objeto do homem, como sua propriedade e sob o seu domínio. Esta ideia se reforçou com o passar dos anos, nas mais diversas sociedades, do homem pré-histórico às civilizações modernas. Da operária chinesa das fábricas de eletrônicos à bem sucedida empresária francesa, da pele branca, alva, à mulata, negra. Indiferente sua condição social, raça ou origem, estas partilham de um mal que não é contemporâneo: o julgamento por ser mulher. E isso bastando, ditames são estabelecidos para reger suas atitudes, gostos, pontos de vistas, vestimentas e, até mesmo, planejamento familiar.
As dificuldades estão em todas as searas, e na relação conjugal não poderia ser diferente. O homem vê a mulher como sua propriedade, como um objeto, estando sob seus mandos, desmandos, vontades, prazeres.
Um relacionamento deve ter como base o respeito, o carinho, o amor e, sobretudo, a confiança. A confiança é um atributo construído, delicado, que reflete a solidez de uma relação, que significa que um está desnudado, sem facetas, na frente do outro. Desta forma, o ser está no seu mais profundo estado de vulnerabilidade, abrindo mão, inclusive, de princípios para agradar o outro. A confiança é quebrada e, muitas vezes, com o término, se descobre quem verdadeiramente era a pessoa que estava consigo, e por fim, observa-se que a confiança que existia era ilusória. Aí, é tarde demais. Os conteúdos que foram produzidos durante o relacionamento e que deveriam ficar somente para o casal, em sua intimidade, são expostos como vingança, como forma de punir a mulher pelo término, como forma de expressar rancor e ódio.
Após a publicação desse conteúdo a vítima fica indefesa, visto que é realmente ela quem está no material, e de forma consentida. O que se esquece é o destinatário: aquele em quem se confiava. Deveria ficar só pra ele e, em um eventual término, por caráter, deveria ser apagado.
Com o advento da internet e a globalização da informação, as formas de exposição destes materiais tem se tornado cada vez mais rápida e alcançando um número de pessoas cada vez maior. O que torna o tema especialmente sensível, uma vez que estamos tratando de direitos fundamentais, gravados e amplamente tutelados pela Carta Magna, sendo estes o direito a imagem, a dignidade, a intimidade e a vida privada.
Esta rápida e facilitada comunicação, serviu de instrumento para a propagação de imagens, vídeos, áudios, ideias, tanto de conteúdos benéficos, quanto de conteúdos maliciosos. Em se tratando de conteúdos maliciosos, não são os vírus, boots, cavalos de Tróia que esse estudo se preocupa, mas sim conteúdos de caráter íntimo divulgados indevidamente como vingança, geralmente após o término de um relacionamento.
É em razão deste cenário que nasce a Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, fonte legal para proteger a divulgação indevida e sem o consentimento da titular dos dados de fotos, vídeos, áudios ou quaisquer outros conteúdos audiovisuais, visto que a indenização por dano moral, enquanto pecúnia serve somente e tão somente para compensar o dano causado, mas não é objeto de reeducação ou conscientização, até porquê se fosse não existiriam tantos casos envolvendo mulheres com suas intimidades divulgadas de forma não consentida. Ainda que a penalização seja a última ratio, e devam-se discutir medidas preventivas para esta problemática, a pena mais grave imputada a um ser humano, qual seja ela o cerceamento de sua liberdade, foi adotado como tentativa de reprimir a incidência de crimes desta natureza.
Casos como esses estão salvaguardados pela Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018, que prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos, agravada em um terço a dois terços. Diante desse cenário e da edição da nova lei, questiona-se: a recente legislação se trata de uma resposta simbólica do Direito Penal, que em nada contribuirá para a redução dos casos e sua melhor solução ou, ao revés, seu texto tem potencial de reduzir esse tipo de violência?
Compreender como a mulher era tratada nos tempos primórdios e poder avançar no tempo com os registros históricos chegando à contemporaneidade e o tratamento jurídico dado às violências que estas são submetidas, é ver que ainda tem-se que avançar enquanto sociedade para poder dizer que somos realmente civilizados.
A legislação, tipificando as condutas, prevendo ela reparações cíveis ou penais, trata somente do efeito, não atingindo a causa, o que demonstra a importância da conscientização da sociedade. A dominação masculina, enquanto realidade histórica, representa a real ameaça às mulheres, que em relacionamentos abusivos são submetidas a situações absurdas e, em términos, são expostas como forma de punição. Com esta pesquisa, foi possível compreender que esta nódoa perpassa os anos e com o advento das tecnologias da informação as possibilidades de crimes contra as mulheres aumentaram, visto que o agressor pode se esconder por detrás de uma tela, e realizar suas lascívias.
Nosso sistema jurídico, para efeito de criação de legislação, precisa respeitar a tríade fato, valor e norma, o que significa, em síntese, que é necessário ocorrer um determinado episódio, a sociedade precisa valorá-lo para, então, a norma ser escrita. No cenário desta pesquisa, infelizmente foi necessário que muitas mulheres morressem, fossem expostas, ridicularizadas, ofendidas moralmente, agredidas fisicamente e diminuídas em sua essência, para que o Estado alcançasse amparo jurisdicional.
O Marco Civil da Internet representa importante mecanismo para auxiliar as mulheres a retirarem arquivos íntimos das redes, pois sua previsão legal estabelece celeridade nesse procedimento, quando da necessidade de somente uma notificação para que o conteúdo seja excluído de circulação. Essa tutela visa reduzir os danos causados pela violação da intimidade da mulher, uma vez que aplaca a possibilidade de o conteúdo continuar a ser visualizado.
Noutro ponto, a Lei Maria da Penha prevê tutela quanto aos crimes cometidos em âmbito doméstico contra a mulher, situação que muito se assemelha às desta pesquisa. Este dispositivo, que tem profundo apelo social, sobretudo pela história de quem o dá nome, busca proteger a mulher contra o agressor justamente no ambiente onde deveria imperar a paz, a harmonia, o amor e o afeto: o próprio lar. Obviamente que a referida lei não se restringe somente aos crimes cometidos dentro do espaço físico denominado casa, lar, nessa passagem, significa o lugar onde a família está, onde deveria se ter segurança e tranquilidade.
A exposição de conteúdos íntimos sem o consentimento da mulher tomou tamanha projeção que foi necessária uma lei que tratasse pontualmente de eventos dessa natureza. Como colocado nesta pesquisa, a lei Carolina Dieckmann tem atenção voltada à invasão dos dispositivos informáticos mediante a violação dos mecanismos de segurança, mas ainda não havia sido falado de importunação sexual, portanto as tratativas estavam sempre à margem do tema.
Foi somente com o advento da Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018, que a problemática foi tratada de forma objetiva, alcançando à mulher exposta e humilhada uma resposta. Como dito, a Lei Penal é a última ratio, a valoração, nesse caso, precisa ser muito mais profunda do fato, para que então este vire norma. Os incidentes e a afronta à dignidade sexual tomou tamanho corpo com o advento das redes, que o legislador ouviu o clamor social e se compadeceu da dor das mulheres, promovendo, então, um mecanismo que alcança taxativamente a pior forma de libidinagem.
Com a análise dessas informações, foi possível compreender que muito embora a legislação já previsse sanções cíveis quanto a divulgação de material íntimo e o próprio código penal promovesse amparo quando da ofensa à honra, assim como a Lei Maria da Penha estabelecesse os crimes praticados em âmbito doméstico e a Lei Carolina Dieckmann protegesse contra invasão de dispositivos e divulgação de material íntimos, a Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018, por tratar especificamente dos crimes de importunação sexual, tem reais condições de punir o criminoso que vê na mulher um objeto para satisfação de sua vontade.