Originada em meados de 1920 nos Estados unidos da América, a teoria dos frutos da árvore envenenada aborda uma questão fundamental para o processo penal, a validade e admissibilidade de uma prova que foi adquirida através de meios ilícitos. A teoria é uma metáfora legal, que nos orienta a questionar o uso de uma prova que foi adquirida por violação a uma regra de direito material e todos os demais atos processuais consequentes dela.
Entretanto, antes da explicação, é importante salientar a importância da prova, tanto no processo penal quanto nas demais searas.
Historicamente, a descoberta da autoria de um crime era diretamente dependente de testemunhos e confissões, de forma que essas evidências norteavam e influenciavam a decisão final da questão. Atualmente, a prova é tudo que um promotor precisa para atingir o objetivo de sucesso na lide, condenar ou, no caso da defesa, evitar que seu cliente seja condenado.
De acordo com o professor Aclibes Burgarelli, “No direito processual, provar resume-se na realização de uma tarefa necessária e obrigatória, para constituir estado de convencimento no espírito do juiz, este na condição de órgão julgador, a respeito de um fato alegado e sua efetiva ocorrência, tal como foi descrito. Prova, assim, é meio, é instrumento utilizado para a demonstração da realidade material. De modo a criar, no espírito humano, convencimento de adequação.”
Já elucidada a importância da prova é hora da grande questão: Se a prova for obtida por meios ilícitos, ou seja, infringindo a lei, continuará sendo admissível?
Dando início à explanação, cabe salientar que o famoso raciocínio usado por Maquiavel, “Os fins justificam os meios”, não é uma tese defendida pela maioria dos doutrinadores de processo penal, parte porque um bom penalista defende o princípio “in dúbio pró réu”, e, de acordo com o escritor Inglês Aldous Huxley, os fins não podem justificar os meios, porque são os meios usados que determinam a natureza do fim alcançado.
De acordo com o Art.5, LVI da CF/88, complementado pelo Art, 157 do CPP, as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis, devendo elas serem desentranhadas e entendidas como violação a norma constitucional. Dessarte, quando a prova é obtida através de escuta clandestina, tortura, invasão de domicílio, violação de correspondência, dentre outras, será considerada inadmissível perante o ordenamento jurídico.
Infelizmente, a redação do Artigo 157 do CPP é confusa, pois quando é tratada a violação de normas constitucionais ou legais podem estar se referindo tanto a normas processuais quanto materiais. A diferença entre uma prova que viola normas processuais é que ela será considerada ilegítima e não ilícita, como é o caso de uma prova obtida por violação de direito material.
É necessário, como exposto no parágrafo anterior a distinção entre prova ilícita e ilegítima, pois a forma como cada uma é tratada é completamente diferente. De acordo com Aury Lopes junior, as “provas ilícitas (inadmissíveis no processo, portanto) não são passíveis de repetição, pois o vício vincula-se ao momento em que foi obtida (exterior ao processo). Assim, não havendo possibilidade de repetição, devem as provas ilícitas ser desentranhadas dos autos e destruídas”
Para todos os efeitos, admite-se que o Art 157 do CPP se refere ás provas ilícitas e não ilegítimas, ou seja, quando citam violação a norma cosntitucional de mais leis estão tratando de normas de direito material.
Admissibilidade da Prova Ilícita em casos em que sua utilização beneficia o réu
Recapitulando o conceito, pois faz-se necessário, a regulamentação supracitada então proíbe um ato de violação do direito material para obtenção de provas pois isso prejudicaria o réu, além de ser completamente ilegal. Entretanto, e quando for o contrário? Pode o juiz utilizar-se de uma prova ilícita fornecida aos autos para beneficiar o réu?
A corrente que defende a admissibilidade da prova para beneficiar o réu é baseada na tese de que o direito à liberdade de um inocente prevalece sobre um eventual direito sacrificado na obtenção de prova. Nesse sentido, cabe citar GRECO FILHO, que corrobora com o aludido:
“Uma prova obtida por meio ilícito, mas que levaria à absolvição de um inocente (...) teria de ser considerada, porque a condenação de um inocente é a mais abominável das violências e não pode ser admitida ainda que se sacrifique algum outro preceito legal”
Além disso, de acordo com Aury Lopes Jr “deve-se recordar que o réu estaria, quando da obtenção (ilícita) da prova, acobertado pelas excludentes da legítima defesa 414 ou do estado de necessidade, conforme o caso. Também é perfeitamente sustentável a tese da inexigibilidade de conduta diversa (excluindo agora a culpabilidade). Tais excludentes afastariam a ilicitude da conduta e da própria prova, legitimando seu uso no processo.”
Então irrompe a seguinte questão: essa prova ilícita usada para beneficiar o réu poderá posteriormente ser usada para condenação de terceiros? A respostas é negativa, justamente porque essa prova é excepcionalmente admitida para evitar a condenação de um inocente, e ainda sim, é considerada ilícita, onde não poderá ser usada para condenar terceiros.
Admissibilidade da Prova Ilícita em nome do Princípio da Proporcionalidade
Outro ponto que quero trazer quando tratamos de admissibilidade de prova ilícita, está em sua justificação pelo princípio da proporcionalidade. Para os seguidores dessa corrente doutrinária, em certos casos, a prova ilícita poderá ser admitida tendo em vista a relevância do interesse público a ser salvaguardado.
Este autor manifesta-se em oposição à utilização dessa teoria considerando que o conceito de proporcionalidade pode ser manipulado e servir aos moldes de qualquer que saiba utilizar esse conceito jurídico indeterminado. Felizmente, essa teoria é adotada com restrições em questões de direito de família, e raramente em matéria penal.
Inadmissibilidade absoluta da prova ilícita.
A leitura literal do texto constitucional em seu Art 5º, LVI nos leva a considerar toda a prova ilícita inadmissível, seja qual for o caso, onde pouco importa se beneficiará o réu ou o contrário. A força dessa teoria parte da ponderação entre os direitos constitucionais violados em detrimento da liberdade ou condenação do acusado.
A teoria não admite nenhuma relativização da norma constitucional, com base no argumento de que a constituição é a norma superior e o alicerce do direito brasileiro. Essa corrente é muito forte e conta com seguidores leais, munidos inclusive de jurisprudência favorável do STF.
O maior problema e contradição dessa teoria é seu caráter absoluto, considerando que a própria magna carta o nega. Não é possível que uma norma seja absoluta, justamente pelas suas limitações sociais e temporais, já que a sociedade está em constante mudança de modo que sobrevenham novas demandas sociais. É justamente por isso que os princípios são demasiadamente importantes, eles englobam e conseguem absorver essas novas demandas de forma superior às normas.
Admissibilidade Total da prova ilícita.
Essa peculiar teoria admite que, desde que não fosse vedada para o ordenamento processual, a prova adquirida por meios ilícitos seria admitida, ou seja, desde que a prova não seja ilegítima ela será usada no processo.
A corrente minoritária argumenta que o responsável pela obtenção da prova ilícita poderá utilizá-la ao seu favor, mas responderá outro processo pela eventual violação do direito material. Dessa forma, o que importa para os seguidores dessa teoria é a verdade, e a forma como ela será obtida será tratada posteriormente. Hordiernamente, essa corrente não mais encontra respaldo na jurisprudência brasileira, justamente por causa do paradoxo em que, a prova ilícita pode ensejar na condenação de alguém e ao mesmo tempo ser válida para produzir efeitos no processo penal.
Conclusão:
Por fim, é possível finalizar com o jargão comum, mais conhecido pelos profissionais e estudantes da área, "tudo no direito depende". De fato, há casos em que as provas são tidas como admissíveis e casos em que será impossível considerá-la para efeitos de condenação e ao menos nortear a decisão do magistrado. Com esse pequeno artigo, tive a intenção de adentrar superficialmente no profundo tema da prova ilícita, demonstrando a importância da prova, os limites de sua utilização e as consequências.
Referências bibliográficas:
BURGARELLI, Aclibes. Tratado das provas cíveis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.
Fábio Zabot Holthausen, Prova judicial: conceito, origem, objeto, finalidade e destinatário, Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/prova-judicial-conceito-origem-objeto-finalidade-e-destinatario/#:~:text=Burgarelli%20assim%20define%20a%20palavra,ocorr%C3%AAncia%2C%20tal%20como%20foi%20descrito. Acesso em 29/07/2020
Lopes Jr., Aury Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 13. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016. 1. Processo penal – Brasil I. Título. CDU-343.1(81)
CORDERO, Franco. Procedimiento Penal, cit., v. 2, p. 44.