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1. Fundamentos para pedido de redução de multa ambiental
Muitas multas ambientais são desproporcionais e violam princípios constitucionais, sendo cabível o ajuizamento de ação anulatória de auto de infração ambiental e pedido de redução de multa ambiental, como aconteceu neste caso (sugiro a leitura):
Então vamos explicar como é possível essa redução.
O art. 6º da Lei n. 9.605/98 impõe ao órgão fiscalizador uma limitação ao seu poder de polícia, estabelecendo critérios para a imposição de penalidades, assim dispondo:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Por seu turno, o art. 72 da Lei 9.605/98, ao discriminar as sanções cabíveis, em caso de prática de conduta lesiva ao meio ambiente, impõe estrita observância a gradação prevista no já citado art. 6º:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […].
No tocante ao valor da multa, o art. 75 da Lei 9.605/98 estabelece que:
Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
E sobre a base para imposição do valor da multa, preceitua o art. 74, também da Lei 9.605/98:
Art. 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.
Os citados dispositivos legais estabelecem, portanto, um limite mínimo e máximo da multa, que deve ser aplicado com observância ao disposto no art. 6º c/c art. 74 da Lei n. 9.605/98.
Essa é a base para pedido de redução de multa ambiental.
2. Valor da multa desproporcional
Ao aplicar multa ambiental em valor fechado descrito no Decreto 6.514/08, a autoridade ambiental viola os princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, porque a multa deve observar a situação fática e os critérios estabelecidos em Lei.
No caso, o valor das multas elencadas no Decreto 6.514.08 que, por ato presidencial, regulamentou a Lei 9.605/98 por força do artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, cuja finalidade é executar fielmente os dispostos preconizados na referida lei, devem observar irrestritamente o comando.
Nessa esteira, leciona José dos Santos Carvalho Filho a respeito da observância do decreto regulamentar em não contrariar àquela que justifica sua existência:
O poder regulamentar não cabe contrariar a lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser.[1]
Ainda em consonância sobre o poder regulador conferido ao presidente da República, o Ministro Luiz Fux, citando o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello no julgamento da ADI 4.218, asseverou:
É cediço na doutrina que ‘a finalidade da competência regulamentar é a de produzir normas requeridas para a execução de leis quando estas demandem uma atuação administrativa a ser desenvolvida dentro de um espaço de liberdade exigente de regulação ulterior, a bem de uma aplicação uniforme da lei, isto é, respeitosa do princípio da igualdade de todos os administrados’ (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P. 336).[2]
Logo, não pode o decreto regulamentar sobrepor os ditames da Lei, mesmo porque, o decreto, sob a ótica do sistema hierárquico de normas do ordenamento jurídico brasileiro, está abaixo das normas infraconstitucionais e, portanto, deve observar suas limitações sob pena de invalidade, como explica Hans Kelsen[3]:
Entre uma norma de escalão superior e uma norma de escalão inferior, quer dizer, entre uma norma que determina a criação de uma outra e essa outra, não pode existir qualquer conflito, pois a norma do escalão inferior tem o seu fundamento de validade na norma do escalão superior. Se uma norma do escalão inferior é considerada como válida, tem de se considerar como estando em harmonia com uma norma do escalão superior.
In casu, muitas infrações do Decreto 6.514/08 estão em dissonância com o art. 75, da Lei 9.605/98, por não preverem índices mínimo e máximo para cominação da multa, pois como norma inferior, não poderia o Decreto se sobrepor à Lei.
À propósito, a aplicação de penalidades está sujeita ao princípio da legalidade estrita. Mesmo no âmbito do poder de polícia, a Administração não está autorizada a aplicar sanções não previstas em lei.[4]
Cediço, na ordem hierárquica, a Constituição Federal é a base de toda a ordenação jurídica, superior a todas as leis, que não podem contrariá-la, sob pena da mácula da inconstitucionalidade. Daí, que ninguém é obrigado a fazer nem a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II),
Assim, com vistas a adequar a multa ao princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, os dispositivo do Decreto 6.514/08 devem ser interpretados à luz da Constituição Federal.
É dizer que, os valores das multas fechadas do referido Decreto, devem ser considerados como patamar máximo. Como mínimo, deve ser considerado o valor previsto na Lei 9.605/98, ou seja, R$ 50,00 por unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, corrigidos periodicamente.
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[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 14ª Ed. Rio de Janeiro. Editora Lummen Juris. 2005, pág. 44.
[2] ADI 4.218-AgR, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 13.12.12, Plenário, DJE de 19.02.13
[3] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Hans Kelsen. Tradução João Baptista Machado. 6ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ISBN 833360836-5. pág. 146. Disponível clicando aqui. Acessado em: 22 de julho de 2020.
[4] RMS 21.922/GO, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2007, DJ 21/06/2007, p. 273.