A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE SOB O PRISMA DO IPTU PROGRESSIVO NA SISTEMÁTICA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

31/07/2020 às 17:43
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O objetivo principal do artigo é analisar o instituto jurídico da propriedade sob a ótica da função social tendo em vista o atual sistema constitucional pátrio e sua possibilidade de utilização para o IPTU progressivo.

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE SOB O PRISMA DO IPTU PROGRESSIVO NA SISTEMÁTICA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

RESUMO

O objetivo principal do artigo é analisar o instituto jurídico da propriedade sob a ótica da função social tendo em vista o atual sistema constitucional pátrio e sua possibilidade de utilização para o IPTU progressivo. Para isso buscou-se primeiramente demonstrar o surgimento da propriedade privada na desagregação das primeiras comunidades primitivas, e posteriormente a construção desse instituto jurídico a partir da Roma Antiga, passando pela Idade Média até os dias atuais. Num segundo momento procurou-se demonstrar o surgimento e a evolução da função social da propriedade no contexto do constitucionalismo resultante do surgimento do Estado Social de Direito, e sua consequente positivação no direito pátrio, especialmente na perspectiva das constituições e dos códigos civis brasileiros. Posteriormente analisou-se o direito de propriedade preceituado pela Constituição Federal de 1988 na perspectiva da função social da propriedade, e sua importância para a garantia e a concretização da dignidade da pessoa humana pela concretização da justiça social, através do desenvolvimento econômico sustentável, meio ambiente ecologicamente equilibrado e o cumprimento das exigências legais da propriedade urbana e rural. E por fim apresentou a possibilidade de utilização do IPTU progresso extrafiscal para garantia da função social da propriedade. Como resultado ficou demonstrada a importância da Constituição Federal de 1988 na consolidação do direito de propriedade como direito fundamental do indivíduo, mas que tornou-se indissociável da sua função social, a qual condiciona o uso da propriedade pelo indivíduo aos ditames da justiça social com vistas a garantia da dignidade da pessoa humana e busca do bem comum.

Palavras-Chave: Função Social da Propriedade; Dignidade da pessoa humana; IPTU progressivo

 

1 INTRODUÇÃO

No presente artigo apresenta-se a evolução histórica do direito de propriedade sob o enfoque do constitucionalismo contemporâneo, com ênfase na Constituição Federal de 1988, sem desconsiderar a legislação infraconstitucional, onde se destaca os códigos civis de 1916 e 2002, com o objetivo de analisar o direito de propriedade na perspectiva atual da sua função social e a possibilidade de utilização do IPTU progressivo extrafiscal.

Para atingir o objetivo proposto buscou-se abordar acontecimentos históricos importantes na construção do conceito de propriedade desde as primeiras sociedades primitivas, assim como a normatização do direito de propriedade a partir do Direito Romano Antigo até o atual Estado Democrático de Direito a partir da Constituição Federal de 1988.

A concepção de propriedade foi construída ao longo da história da humanidade intimamente associada às mudanças sociais, culturais e políticas da própria sociedade na qual se inseria desde as sociedades primitivas até os dias atuais.

No início do século XX, a partir da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919 se verifica que o direito de propriedade já não deveria corresponder a um direito absoluto do proprietário, mas que precisaria atender um fim social com o objetivo de buscar a justiça social e assegurar a dignidade da pessoa humana. Nesse contexto apresenta-se no ordenamento contemporâneo o direito de propriedade sob o enfoque da função social e, por conseguinte a possibilidade de utilização do IPTU progressivo extrafiscal como um concretizador da mesma.

A garantia constitucional do direito de propriedade como direito fundamental do individuo, apresenta-se no sistema constitucional brasileiro como indissociável do dever do indivíduo de respeitar a sua função social, em atendimento ao interesse coletivo, e desse modo garantir a dignidade da pessoa humana e possibilitar a construção de uma sociedade mais justa como preceitua a carta magna de 1988.

 

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE PROPRIEDADE

Para iniciar o estudo do instituto jurídico da função social da propriedade é necessário em primeiro lugar abordar historicamente a origem do conceito de propriedade, assim como a evolução desse instituto nas sociedades ao longo do tempo.

A atual concepção de propriedade, não é algo estanque no tempo, foi construída ao longo da história da humanidade, e está intimamente associada às mudanças sociais, culturais e políticas da própria sociedade a qual se insere.

A importância conferida à propriedade pela espécie humana é algo inquestionável, quando comparada com a maioria das espécies de animais, que apenas preocupam-se com a satisfação das necessidades indispensáveis à sobrevivência. Para Junior (2005) a principal característica que diferencia o homem dos outros animais é sua relação com a natureza, enquanto os animais se adaptam a ela, os homens a dominam, e a transformam segundo suas necessidades.

As primeiras discussões a respeito da conceituação de propriedade remontam, historicamente, as comunidades primitivas, onde a propriedade dos meios de produção pertencia à tribo, assim como a apropriação da produção resultante de sua exploração.

Nesse contexto a primeira forma de propriedade conhecida foi a propriedade tribal, estágio rudimentar de produção, por meio da caça, pesca, criação de animais e eventual agricultura rudimentar. (MARX, 2007).

Nessa perspectiva segundo Engels (1987) a origem da propriedade privada está na gênese da desagregação da organização comunista primitiva dos primeiros povos por meio das disparidades de riquezas acumuladas entre as diversas famílias, acarretando a decadência da união por grupos e do comunismo primitivo, consequência da criação das primeiras classes sociais.

Desse modo a forma de organização da sociedade em tribos deu lugar a uma nova forma de estrutura em unidades territoriais. Nesse contexto Marx (2007) aponta o surgimento da segunda forma de propriedade na antiguidade, a propriedade comunal, que teve origem sobre tudo na união de tribos, e consequentemente na formação das primeiras cidades. Nessa forma de propriedade apenas coletivamente os cidadãos desempenhavam o domínio da propriedade sobre os escravos que trabalhavam nas cidades, numa forma natural de associação da propriedade dos cativos.

É nesse momento, também, que a divisão do trabalho torna-se mais desenvolvida, com o surgimento de classes, e por conseguinte o aparecimento da riqueza tendo por base a propriedade de terras. Assim a posse de partes do solo concedida primitivamente pela tribo aos indivíduos na decadência da comunidade primitiva se consolidou de tal forma que a terra passou a ser transmitida por herança. (ENGELS, 1987).

Todavia, devido aos diversos ataques bárbaros, as lutas internas e todo o processo de desintegração da ordem antiga fizeram surgir uma sociedade predominantemente agrária na Idade Média.

 Nesse viés, segundo Marx (2007) a estrutura da sociedade comunal se desagregou à medida que se desenvolveu a propriedade privada, particularmente a imobiliária. Surge então na idade média a terceira forma de propriedade é a propriedade feudal, cujo centro de influência passa ser o campo, onde nobreza detém o poder absoluto sobre pequenos camponeses submetidos à servidão.

Mais tarde, a necessidade de buscar novos mercados, expandir o comércio e trocar mercadorias levaram a burguesia, classe social emergente nas cidades feudais, a patrocinar as grandes navegações e a descobrir outras fontes de riquezas. No final da Idade Média, surgem as primeiras sociedades independentes que não se submetiam aos senhores feudais, surgindo daí às chamadas Cidades-Estados Modernas.

Portanto, a partir desse breve relato histórico pode-se perceber que a configuração do conceito de propriedade recebeu direta e indiretamente, influência dos regimes políticos e sociais na qual se inseriu no decorrer da história.

 

3 DIREITO DE PROPRIEDADE

No que tange a positivação do direito de propriedade, busca-se no Direito Romano Antigo, as primeiras concepções, onde a propriedade era concebida como um direito absoluto e perpétuo, porém que exigia o respeito às limitações impostas pelo proprietário ou pela autoridade jurisdicional da Cidade-Estado, num sistema harmônico do exercício do direito de propriedade. (CARVALHO, 2007, p.17).

Assim, o conceito de propriedade seria extraído dos vários elementos que compunham esse direito, tais como usar, gozar, dispor e reivindicar como aponta Carvalho (2007, p.17):

A propriedade, no direito romano, de início, foi concebida como um direito coletivo, razão por que as famílias estavam organizadas na figura dos pater familias. A propriedade, especialmente da terra, era a base de sustentação do núcleo social. Não havia, em princípio, preocupação em concentrar riqueza, portanto, o que se produzia na propriedade era indispensável à sobrevivência do grupo.

 

Na Idade Média, período marcado principalmente pelo feudalismo, resultante da queda do Império Romano, esfacelado em uma série de províncias, que mais tarde deram origem aos feudos. Nesse período a propriedade era feudal, ou seja, a terra era, necessariamente, pertencente ao feudo, centro de poder do senhor feudal que a administrava e dela extraia a produção. (CARVALHO, 2007, p.25).

Nesse modelo de organização da sociedade o Senhor Feudal era a autoridade que detinha o poder e que podia, livremente, distribuir as terras, para a produção. (BEVILÁQUA, 1946, p.122).

Durante a Idade Média, a propriedade perdeu seu caráter absoluto, influenciado principalmente pelos ensinamentos dos filósofos religiosos, em especial de São Tomas de Aquino, importante representante da Igreja Católica, que afirmava que os bens na sua utilização deveriam atender ao bem comum. Segundo São Tomas de Aquino “pelo direito natural, tudo é comum, e a essa comunidade se opõe a propriedade de bens particulares. Logo, é ilícito a qualquer homem apropriar-se de um bem externo”. (AQUINO, 2005, p.156 apud CARVALHO 2007, p. 31).

Na Idade Moderna, na concepção dos historiadores franceses, período compreendido entre a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos até o termino com a Revolução Francesa em 1789, foi marcada principalmente pelo fortalecimento dos Estados Nacionais Monárquicos, a expansão marítima e colonial, e finalmente o aparecimento do capitalismo. Destacaram-se, ainda, os movimentos sociais do Renascimento e do Iluminismo.

Nesse momento histórico que a propriedade deixa de ser necessariamente agrícola e passa ser parte do desejo da burguesia em ascensão, de conquistar novas terras para a exploração econômica. A descoberta de novos continentes e de novas terras irá representar um marco histórico do desenvolvimento econômico e social da humanidade.

Por fim a Idade Contemporânea período que marca a queda do absolutismo monárquico e a eclosão da Revolução Francesa em 1789, resultante da ascensão da burguesia ao poder influenciada pelos ideais iluministas fundados na razão e na ciência.

No movimento social do Iluminismo, vários filósofos criticaram o sistema feudal e o absolutismo monárquico em relação ao direito de propriedade como John Locke, Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau.

Na Idade Contemporânea, a noção de propriedade retoma os conceitos jurídicos existentes na Roma Antiga, uma vez que no período medieval todo o individualismo da propriedade havia sido perdido em razão do regime centralizado da propriedade nas mãos dos senhores feudais durante a Idade Média. Nesse contexto é retomado o individualismo da propriedade na França com o advento do Código de Napoleão, em 1804. Novamente o direito de propriedade passa ser absoluto e individual, mas também considerado um direito sagrado, sob forte influência da Igreja Católica. (CARVALHO, 2007, p. 35).

Nessa perspectiva ensina Pereira (2004) que a Revolução Francesa pretendeu democratizar a propriedade, aboliu privilégios, cancelou direitos perpétuos. Desprezando a coisa móvel, concentrou sua atenção na propriedade imobiliária, e o código por ela gerado – Code Napoléon – que serviria de modelo a todo um movimento codificador no século XIX, tamanho prestigio deu ao instituto.

Ainda, durante a Revolução Francesa o instituto jurídico da propriedade também se fez presente na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, conforme prescreve seu artigo 2º: “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”.

A propriedade entendida como direito absoluto, tinha como limite o interesse público, desde que justamente indenizado, segundo a Constituição Francesa de 1791, no Título I, art. 4º: “A Constituição garante a inviolabilidade da propriedade, ou justa e prévia indenização, daquela propriedade cuja necessidade pública, legalmente comprovada, exija o sacrifício”.

Nesse período a noção de direito de propriedade passou por profundas transformações em razão do modelo do Código de Napoleão que imprimiu à propriedade uma característica de intransponibilidade, não deixando nenhuma margem para que ela fosse, em algum momento, considerada um direito relativo. (CARVALHO, 2007, p. 55).

É no início do século XX, que o direito de propriedade sofreu influencia do direito constitucional, cujos marcos históricos do Constitucionalismo Moderno foram as Constituições do México de 1917 e de Weimar de 1919, na Alemanha, que fizeram da propriedade privada não meramente um direito, mas um direito-dever, na medida em que o proprietário, ao exercer seu direito sobre a terra, deveria buscar o atendimento da função social, cláusula condicionadora da socialização do direito, no mundo contemporâneo. (CARVALHO, 2007, p. 58).

Também é no século XX, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, resultante da oposição das Nações Unidas aos regimes autoritários que eclodiram na 2ª Guerra Mundial, e culminaram em graves violações dos direitos humanos. Essa declaração tratou do direito de propriedade como um direito individual e coletivo nos termo do seu artigo XVII.

Assim, nesse momento histórico o conceito constitucional de propriedade passa a moldar-se à concepção de um Direito Humano Fundamental e por este motivo o Estado tem o dever garantí-lo a todos, tanto sob o enfoque individual e como coletivo, e assim como um bem da vida indispensável à garantia da dignidade de sua pessoa humana e a concretização da justiça social.

Se antes o direito de propriedade era tido como absoluto, porque assegurava ao proprietário a liberdade de dispor; exclusivo porque era imputado ao seu proprietário; e perpétuo porque não perecia com a vida do seu proprietário, a Constituição Federal de 1988 trouxe restrições urbanísticas e administrativas que limitam o seu caráter absoluto; as servidões que limitam seu caráter exclusivo; e a desapropriação que restringe seu caráter perpétuo. (SILVA, 1997).

 

4 DIREITO DE PROPRIEDADE E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Seguindo os ditames do Código de Napoleão, o ordenamento brasileiro, em especial, o direito de propriedade absorveu o ideário de liberdade e o individualismo, assim como caráter de direito individual absoluto da Revolução Francesa. Nesse contexto o Código Civil de 1916 importou do código francês esses atributos no artigo 524 ao assegurar ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e reavê-los de quem quer que injustamente os possua.

Vale ressaltar que o novo Código Civil de 2002, aprovado pela Lei 10.406 de 2002, manteve a mesma estrutura do individualismo tradicional do direito de propriedade Napoleônicos, nos termos do artigo 1.228 que equivale ao artigo 524 do Código de 1916.

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Em que pese o novo Código Civil manter o caráter individualista do direito de propriedade, a grande novidade foi trazida pelo parágrafo primeiro do artigo 1.228 que assim disciplina:

Art. 1.228. [...]

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, à flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (gripo nosso)

 

Segundo Moraes (2003) o § 1º do artigo 1228 está em perfeita sintonia com o artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal de 1988, que exige que a propriedade atenda a função social, e acrescenta que a estrutura trazida pelo novo Código Civil se adéqua à realidade de que a propriedade está inserida na ordem econômica, cumprindo, assim, o comando do artigo 170, incisos II e III da Carta Federal.

O atual sistema de direito privado, no que tange ao direito de propriedade, se sujeita ao plano constitucional, criando um sistema rígido, seguro e garantidor de sua tutela, e faz com que regras de direitos civis sejam positivadas. (CARVALHO, 2007, p.72).

Na ótica constitucional pátria, a Constituição Federal de 1988 apresenta o instituto jurídico do direito de propriedade associado à realidade social do mundo contemporâneo na tutela da dignidade da pessoa humana, conforme os ditames da justiça social, através do desenvolvimento econômico sustentável, do meio ambiente ecologicamente equilibrado e do cumprimento das exigências legais da propriedade urbana e rural.

Nesse viés, a República Federativa do Brasil tem como pedra fundamental do sistema constitucional a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III da Carta Magna.

Mas o que vem a ser dignidade da pessoa humana? De acordo com Rizzatto Nunes a Dignidade é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da história e por isso que se torna necessário identificar a dignidade da pessoa humana como uma conquista da razão ético-juridica, fruto da reação à história de atrocidades que, infelizmente, marca a humanidade. (NUNES, 2002, p. 38 apud CAMPOS, 2011).

Na lição de Michael Sachs a dignidade não cuida de aspectos específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc.), mas sim numa qualidade tida como inerente, atribuída a todo e qualquer ser humano, ou seja, valor próprio que identifica o ser humano como tal. (SARLET, 2012, p. 50).

Nesse viés, o filósofo Kant sustentava que:

o homem existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim. (KANT, p. 134 apud SARLET, 2012, p. 40).

 

Assim o valor da dignidade da pessoa humana compromete-se em propiciar aos indivíduos condições para se ter uma vida decente e para a realização de sua personalidade, conforme as necessidades mais íntimas e mais particulares de cada indivíduo.

Desse modo a Constituição Brasileira de 1988 recebeu forte influência das Cartas Constitucionais apoiadas na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direito humanos. É marcante a proteção dos princípios fundamentais, na Carta Magna de 1988, a qual traz dentre seus fundamentos o princípio da dignidade da pessoa humana como substrato principal para todos os demais direitos e garantias individuais e coletivas.

Para Carlos Roberto Siqueira Castro “o Estado Constitucional Democrático da atualidade é um Estado de abertura constitucional radicado no princípio da dignidade do ser humano”. (CASTRO, 2003, p. 19 apud SARLET, 2012, p. 79).

No que tange a Constituição Federal ressalta-se no artigo 5º o consagrado princípio de igualdade que preceitua que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Cabe ressaltar que para existir a efetiva igualdade em direito das pessoas, é fundamental a analise desse princípio sob a ótica da igualdade material, a qual não se confunde com a igualdade formal.

A igualdade formal refere-se a positivação do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", ou seja, sem qualquer forma de distinção na aplicação da lei. Porém, essa igualdade Ipsis litteris não garante a todos as mesmas oportunidades, as mesmas condições de vida, de participação social efetivamente na prática.

Assim, ganha importância a igualdade material que visa dirimir as desigualdades sociais, tratando desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade - herança aristotélica - a fim de oferecer proteção jurídica a parcelas da sociedade que costumam, ao longo da história, figurar em situação de desvantagem. (FONSECA, 2006).

Ainda em analise a Constituição Federal o inciso XXII do artigo 5º preceitua que “é garantido o direito de propriedade”, tutelando a todas as pessoas o direito sobre toda e qualquer forma de propriedade.

Para Carvalho (2007) pode-se inferir desse dispositivo que Constituição não garante o direito à aquisição da propriedade, mas sim confere proteção jurídica a quem já o tem e condiciona o seu exercício ao atendimento ao princípio da função social. Essa garantia ao direito de propriedade se efetiva por meio de instrumentos de políticas públicas que viabilizam a qualquer pessoa se tornar proprietário.

Ainda, nos termos do inciso XXIII do artigo 5º da carta magna dispõe que "a propriedade atenderá sua função social", expressão que a Constituição Federal não se preocupou em disciplinar o conceito haja vista que seu objeto é tratar principiologicamente os direitos e garantias fundamentais.

Desse modo esse dispositivo não pode ser analisado isoladamente, mas dentro de um sistema constitucional, concebido de forma harmônica para o convívio social da coletividade e não apenas do particular, cujos principais princípios ponderados conjuntamente são a dignidade da pessoa humana; o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; a função social da cidade e a garantia de bem-estar de seus habitantes; função social da propriedade rural; a justiça social; e o desenvolvimento sustentável na ordem econômica, segundo os ditames dos artigos 1º, 3º, 170, 182 e 186 da Carta Magna.

Celso Antônio Bandeira de Melo ao conceituar a função social da propriedade considera que a função social da propriedade consiste em que esta deve cumprir um destino economicamente útil, produtivo, de maneira a satisfazer as necessidades sociais preenchíveis pela espécie tipológica do bem, de molde a canalizar as potencialidades residentes no bem em proveito da coletividade. (MELO, 1987, p.43).

Prosseguindo na analise da Constituição em relação ao direito de propriedade o inciso XXIV do artigo 5º assegura ao Poder Público o direito de desapropriação quando necessária, de utilidade pública ou interesse social nos seguintes termos: “A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvada os casos previstos nesta Constituição”.

Esse dispositivo garante ao Estado um instrumento para retirar a propriedade de um particular e incorporar ao patrimônio público, quando essa propriedade for de necessidade ou utilidade pública, ou interesse social mediante justa e prévia indenização ao proprietário.

Existe ainda, na Constituição a previsão da expropriação com efeito de confisco, sem indenização do proprietário nas glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas conforme art. 243.

Já o inciso XXV do artigo 5º da Carta Magna trouxe a possibilidade de requisição administrativa da propriedade particular pelo poder público no caso de iminente perigo público, garantida a indenização posterior no caso de dano no seguinte teor: "no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano".

Ante a todo exposto resta superado o conceito clássico do direito de propriedade como um direito da pessoa física ou jurídica de usar, gozar, usufruir e dispor de um determinado bem, e de reavê-lo, de quem quer que injustamente o esteja possuindo, haja vista o atual sistema constitucional pátrio no qual a função social da propriedade é inerente e indissociável da própria noção de propriedade.

 

5 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

O instituto jurídico da função social do direito teve início no século XX, especialmente, com o advento da Constituição mexicana de 1917 e, posteriormente, em 1919, com a Constituição Alemanha de Weimar.

A Carta Magna mexicana garantiu uma série de direitos fundamentais, entre os quais se destacam os direitos sociais do trabalho, direito de propriedade e função social. A Constituição de Weimar previa em sua Parte II os direitos e deveres fundamentais dos alemães. Os tradicionais direitos e garantias individuais eram previstos na Seção I, enquanto a Seção II trazia os direitos relacionadas à vida social.

Para Filho (2002) essas cartas constitucionais constituíram-se na ruptura do Modelo de Estado Liberal de Direito que surgiu como reação ao Absolutismo, no final do século XVIII, por uma burguesia que passou a deter o capital, e procurou investir em novos modelos de produção até culminar na Revolução Industrial.

Nesse período surgiu o modelo político-econômico do Capitalismo fortemente influenciado pela doutrina do Liberalismo Econômico, de Adam Smith, que visava limitar a função do Estado apenas a cuidar da propriedade, da ordem e da organização social, cabendo ao próprio mercado se regular, por meio da criação uma ordem espontânea ou mão invisível que beneficiaria toda sociedade, por meio da economia do laissez-faire (deixai fazer).

Porém, os resultados desse modelo político-econômico foram o agravamento da situação de miséria das camadas sociais mais baixas, o surgimento de revoltas trabalhistas e o fortalecimento de doutrinas socialistas que afirmavam que a classe trabalhadora suportava o encargo de sustentar o acumulo de riqueza da burguesia. É nesse cenário histórico que surge o Modelo do Estado Social de Direito no início do século XX, conforme ensina Bonavides (1996, p. 184), representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou o antigo Estado liberal.

Desse modo, as Constituições Mexicana e Alemã do início do século XX consagraram um novo modelo de Estado, o Estado Social de Direito, também chamado de Estado do Bem-Estar Social (welfare state), no qual caberia ao Estado a proteção do direito a propriedade, a saúde, a previdência social e a função social, entre outros, tutelados constitucionalmente como Direito Fundamentais do Homem.

No Brasil, a primeira a Constituição Federal de 1824 estabelecia no seu artigo 179, inciso XXII, a propriedade, como direito absoluto e individual, seguindo o modelo do Código Napoleônico.

Já a Constituição Federal de 1891, primeira da República, consagrou o direito de propriedade fundada nos princípios da igualdade, da liberdade e o da fraternidade que nortearam a Revolução Francesa no século XVIII, preceito assegurado no seu artigo 72 no seguinte teor: "A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade (...)".

Nesse período o direito de propriedade era tido como uma garantia essencialmente individual, atrelada ao Modelo do Estado Liberal de Direito, portanto nesse momento ainda não existia o entendimento da função social da propriedade trazido posteriormente pelo Estado Social de Direito. (CARVALHO, 2007, p. 176).

É a partir da Constituição Federal de 1934, que o direito de propriedade sofre a influência das Constituições Mexicana de 1917 e Weimar de 1919 que adotavam o modelo do Estado Social de Direito, no qual se reconhecia o direito à propriedade como um Direito Fundamental do Homem nos termos do seu capítulo II, artigo 113.

Posteriormente, a Constituição Federal de 1937 assegurou o direito à propriedade privada como direito fundamental no seu artigo 122, que tratava dos Direitos e Garantias Individuais. Entretanto, é na Constituição Federal de 1946 que função social da propriedade foi adotada, no Título V da “Ordem Econômica e Social” no seu artigo 145 que prescrevia que: "A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano”.

No seu artigo 141, § 16 a Constituição Federal de 1946 previa o direito de propriedade, como direito individual nos seguintes termos: "É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro”.

Já no seu artigo 147 o direito de propriedade era condicionado ao bem-estar social: “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16º, promover justa distribuição da propriedade para todos”.

Seguindo esse entendimento, a Constituição Federal de 1967 manteve o direito de propriedade, como um direito individual no artigo 150 ao mesmo tempo respeitando a função social conforme inciso III do artigo 157. Portanto, a função social da propriedade, nesta Constituição, foi inserida no Título que tratava da Ordem Econômica e Social. Assim, a nova ordem constitucional de 1967, acolheu, de uma vez por todas, as modernas concepções do Estado Social de Direito e serviu de suporte a atual Constituição Federal de 1988.

Por fim, trata-se da Constituição Federal de 1988, que depois de quase trinta anos de regime autoritário, consagrou o Estado Democrático de Direito, e tutelou o direito de propriedade como direito fundamental do indivíduo indissociável do dever de atender sua função social, como vistas a garantir a dignidade da pessoa humana, conforme estabelece o artigo 5º, incisos XXII e XXIII.

Para Moraes (2003, p. 174) a transformação que o Estado Social introduz ao conceito de direito de propriedade, ao assimilar uma função social com efeitos delimitadores de seu conteúdo e as implicações no setor econômico, determinaram uma importante revisão do instituto da desapropriação, instrumento posto à disposição do Poder Público para o cumprimento de suas finalidades de ordenação da sociedade e realização da justiça social, cuja consequência é a perda das características clássicas da propriedade de direito absoluto e exclusivo.

Conclui-se, portanto, que o Princípio Constitucional da Função Social não autoriza suprimir por via legislativa a instituição da propriedade, entretanto pode-se socializar algum tipo de propriedade que se torne necessária à realização da função social, que se põe acima do interesse individual de direito fundamental.

 

6 O IPTU PROGRESSIVO E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Em 1808, o Imperador D. João VI introduziu no ordenamento jurídico pátrio um tributo análogo ao atual Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), e que recebeu o nome de “décima dos prédios urbanos”, mais precisamente décima urbana, um vez que o proprietário do imóvel devia pagar a décima parte do rendimento líquido do prédio urbano. (MARANINCHI, 2007, p. 13).

Pode-se perceber que desde sua concepção inicial o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana atrelou-se ao valor comercial do imóvel. Em 1834, após o advento da Lei Imperial o tributo em analise passou a ser denominado de imposto sobre prédios urbanos e imposto predial. (MARANINCHI, 2007, p. 16).

Posteriormente a primeira Constituição da República de 1891 instituiu a cobrança de um imposto territorial, contudo essa carta magna não especificou se constituiria em um imposto restrito à área urbana ou rural. Foi somente com a proclamação da Constituição de 1934 que surge no ordenamento pátrio a distinção entre imposto territorial rural e territorial urbano.

O tributo denominado de IPTU tem a natureza jurídica de imposto, e, por conseguinte não exige do Ente Público, mais especificamente, os municípios, nenhuma contraprestação direta e específica ao contribuinte.

Em que pese a essa natureza clássica dos impostos de não vinculação, é notório que essa característica não pode se apresentar de maneira tão absoluta, uma vez que o ordenamento jurídico tem como pressuposto fundamental a função social da propriedade, e desse modo os numerários auferidos pelo Ente Público devem beneficiar, ainda que indiretamente, os sujeitos passivos (contribuintes) desse tributo, quando da aplicação dos recursos públicos para a concretização do bem comum.

É sabido que os impostos, por não terem destinação vinculada a uma contraprestação direta, se afastam  das taxas, das contribuições de melhorias e dos empréstimos compulsórios, os quais exigem do ente público instituidor uma contraprestação direta e individualizada ao contribuinte.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o aludido imposto, continuou denominado de IPTU, e teve sua previsão disposta nos incisos III e VIII do artigo 30 onde trata-se da competência dos Municípios a respeito desse tributo, e ainda no inciso I do artigo 156, que trata da competência tributária dos municípios para instituir o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.

Na legislação infraconstitucional, o Código Tributário Nacional, Lei Federal 5.172/66, que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com status de Lei Complementar, estabelece o fato gerador do IPTU no seu art.32. Continuando, os parágrafos desse dispositivo trazem a definição do que seria denominado de zona urbana, a ainda as áreas urbanáveis, para dirimir possíveis conflitos com o imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR):

§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

II - abastecimento de água;

III - sistema de esgotos sanitários;

IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

 

§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.

 

Por conseguinte, nos termos dos dispositivos supracitados, a cobrança do IPTU tem como fato gerador apenas os imóveis situados na denominada zona urbana, e ainda as áreas urbanáveis que a lei municipal considerar, excluindo-se desse modo os imóveis rurais.

Quanto ao que se refere à base de cálculo desse imposto, o art. 33 do CTN dispõe que a cobrança do IPTU terá como base de cálculo o valor venal do imóvel. Desse dispositivo verifica-se no parágrafo único que fixação da base de cálculo não deve considerar para definir o valor venal, os bens móveis mantidos na propriedade, ainda que em caráter permanente, para efeito de utilização, exploração, aforamento ou comodidade.

Por fim, o CTN, no seu art. 34 do CTN, dispõe que o contribuinte, ou seja, seu sujeito passivo desse imposto será o proprietário do imóvel, ou o titular do seu domínio útil, ou ainda o possuidor a qualquer título.

Conforme disposto o tributo que incide sobre a propriedade predial e territorial urbana é um imposto, e, por conseguinte não implica ao Ente Público a necessidade de nenhuma contraprestação direta para com o contribuinte. Doutrinariamente o IPTU é tratado tanto como um imposto fiscal, quanto também extrafiscal. Um imposto é denominado de fiscal quando possui nítido no seu âmago arrecadar recursos para os cofres públicos sem maiores aspirações, ressalvada a busca pelo bem estar coletivo.

Por outro lado, denomina-se de imposto extrafiscal aquele que possui como objetivo inibir, desestimular ou compelir o responsável tributário a realizar determinada ação/omissão. Nesse sentido pode-se definir extrafiscalidade como atividade financeira que o Estado desenvolve sem o fim precípuo de obter recursos para seu erário, mas sim com vistas a ordenar a economia e as relações sociais, sendo, portanto, conceito que abarca extensa gama de opções e que tem reflexos não somente econômicos e sociais, mas também políticos. (FALCÃO, 1981, p. 118).

Desse modo, o IPTU além de ser um imposto fiscal, denomina-se também extrafiscal, e por consequência poderá sofrer progressão tanto por motivos fiscais e quanto por motivos extrafiscais no interesse da coletividade, nos termos do que dispõe o §1º, do art. 156 combinado com o art. 182, §4º da Constituição Federal de 1988:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

[...]

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel

 

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

[...]

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (grifo nosso).

 

Do dispositivo supramencionado verifica-se que a cobrança do IPTU poderá sofrer majoração tanto sob a natureza fiscal e quanto extrafiscal. O IPTU de natureza fiscal poderá ser progressivo em virtude do uso, da localização ou do valor venal do imóvel urbano, cujos fundamentos se extraem dos incisos I e II do § 1º do art. 156 da Constituição Federal.

Nesse contexto, Roque Antonio Carraza ensina que os incisos I e II do parágrafo 1º do artigo 156 da Constituição Federal de 1988 versam sobre capacidade contributiva e que esta deve ser “aferida em função do próprio imóvel (sua localização, dimensões, luxo, características, etc.) e não da fortuna em dinheiro de seu proprietário”. (CARRAZZA, 2000, p. 80).

Já sob a natureza extrafiscal do IPTU pode ser progressivo em função do tempo sob o manto da função social da propriedade, quando o solo urbano não for edificado, for subutilizado ou não utilizado conforme disposto no inciso II do parágrafo 4º do artigo 182 da Constituição Federal.

Neste viés, José de Oliveira Ascenção explana que a intervenção do ente governamental lastreada no artigo 182, parágrafo 4º, incisos I, II, III ocorre de forma a limitar ou impulsionar o direito de propriedade (ASCENÇÃO apud ARIMATÉA, 2003, p. 49).

Quanto a extrafiscalidade do IPTU Hugo de Brito Machado ensina que essa é instrumento de política urbana, onde alíquota do imposto cresce em função do tempo durante o qual o contribuinte se mantém em desobediência ao plano de urbanização da cidade. (MACHADO, 2006, p. 402).

Pode-se afirmar que a progressividade extrafiscal busca atender a função social da propriedade para garantir a efetividade da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos fundamentais. Aqui o imposto não tem natureza arrecadatória, e sim o escopo de zelar pela construção de uma sociedade justa e solidária, na qual a dignidade é o fundamento de todo o sistema jurídico.

Depreende-se que a Constituição Federal de 1988 não se preocupou em definir o conceito de função social, coube ao inciso VI do art. 2º da Lei Federal 10.257 de 2001 traçar diretrizes gerais a serem enquadradas pelos planos diretores municipais. Por conseguinte caberá à Administração Pública ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, de forma que a dar uma destinação sustentável a propriedade urbana e, caso seu proprietário permaneça inerte, enquadrá-lo em uma das hipóteses previstas no artigo 182 da CF/88.

Nesse contexto, faz-se necessária a progressividade extrafiscal já que a ociosidade de terrenos em áreas mais servidas com a estrutura urbana onera os cofres públicos na medida em que aumenta a demanda e o custo dos serviços oferecidos à população, pela inevitável formação de loteamentos e conjuntos habitacionais em áreas não urbanizadas e longe dos locais centrais (OLIVEIRA apud LOGEN, 2009, p. 2).

Desse modo, a progressividade extrafiscal do IPTU advém do império da própria Constituição Federal de 1988, e, portanto não advém de nenhum comportamento proibido. Por conseguinte, a progressividade extrafiscal do IPTU não obsta a conduta do sujeito passivo, mas apenas prima pelo cumprimento da função social da propriedade, e faz o proprietário dê a propriedade uma utilização condizente com o sistema constitucional pátrio, visando a satisfação do bem comum e a construção de uma sociedade justa e solidária.

 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer da história o direito de propriedade tem evoluído desde suas primeiras definições no Direito Romano Antigo onde era considerado como um direito absoluto e perpétuo, até os dias atuais, reconhecido como um direito fundamental do indivíduo indissociável e inerente a sua função social, com vista à proteção da dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade mais justa.

No século XX sob forte influência da Constituição Mexicana de 1917 e Constituição de Weimar de 1919 passou-se a reconhecer o direito de propriedade como um direito fundamental indivíduo condicionado ao dever do indivíduo de atendimento da sua função social. É nesse viés, que a Constituição Federal de 1988 atribui ao direito de propriedade status de direito fundamental do indivíduo, indissociável da sua função social, que determina o uso da propriedade aos ditames da justiça social e a garantia da dignidade da pessoa humana.

No ano de 2002, o novo Código Civil consolidou no direito privado o uso da propriedade voltado ao interesse coletivo impondo ao proprietário não somente vedações, mas também obrigações de fazer com vistas a garantir o desenvolvimento sustentável e o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Portanto, o direito de propriedade garantido na Constituição Federal de 1988, juntamente com o direito à vida, à liberdade e à igualdade, não é um direito ilimitado, ao passo que deve respeitar outros dispositivos constitucionais como dignidade da pessoa humana, justiça social, igualdade, meio ambiente equilibrado, desenvolvimento sustentável e o cumprimento de disposições legais para a propriedade urbana e rural atender a função social.

Desse modo a função social da propriedade não possibilita ao Estado extrapolar o interesse público a fim de limitar o direito individual de propriedade. Por conseguinte, cabe ao Estado buscar o bem comum e o equilíbrio entre o direito de propriedade fundamental do indivíduo e a função social da propriedade na prestação de sua função jurisdicional e na construção de uma sociedade justa e igualitária, que garanta a vida digna de seus membros.

Para isso os entes Municipais dispõem de um instrumento fundamental para garantir a função social da propriedade, qual seja, o ITPU progressivo extrafiscal previsto na Constituição Federal de 1988.

 

8 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Sobre o autor
André Amaral Medeiros

Bacharel em Direitos pela UNOESC; Advogado; Bacharel em Ciências Contábeis pela UFSM; Especialista em Gestão Pública Municipal pela UFSC; Especialista em Direito Tributário; Auditor de Finanças Públicas da Fazenda Estadual de Santa Catarina;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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