Exclusão do sobrenome paterno por abandono afetivo

Michel Ferreira
Michel Ferreira
01/08/2020 às 20:52

Resumo:


  • A exclusão do sobrenome paterno em casos de abandono afetivo é uma questão controversa no Direito Civil, envolvendo a dignidade da pessoa humana e os direitos de personalidade do filho.

  • A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente impõem aos pais o dever de cuidado, e o abandono afetivo pode gerar o dever de indenizar, além do pedido de supressão do sobrenome paterno.

  • O princípio da imutabilidade do nome é flexibilizado quando há justo motivo, como o abandono afetivo, mas a decisão depende de cada caso concreto e da comprovação do alegado abandono.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A exclusão do sobrenome do pai que abandona o filho, costumeiramente abordado com bastante polêmica em âmbito do Direito Civil e dos Registros Públicos, trata-se de uma temática delicada tendo em vista os laços familiares que por vezes são dificilmente re

A exclusão do sobrenome do pai que abandona o filho, costumeiramente abordado com bastante polêmica em âmbito do Direito Civil e dos Registros Públicos, trata-se de uma temática delicada tendo em vista os laços familiares que por vezes são dificilmente reatados, influenciando diretamente nos direitos de personalidade do filho afetado pelo descaso do genitor. 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 229, é incisiva ao direcionar aos pais o dever de assistir seus filhos durante a infância, podendo, inclusive, gerar o dever de indenizar os filhos futuramente no caso de descumprimento dessa incumbência constitucional aos pais, segundo o entendimento dos Tribunais Superiores, visando a compensar o dano ocasionado por tal ausência.  

Em muitas dessas ações de reparação civil, percebeu-se que além da responsabilidade civil pelo dano gerado era comum o pedido de supressão do nome paterno resultante do sentimento de angústia gerado pelo abandono, bem como à readaptação da nova realidade familiar vivenciada pelo filho lesado. 

Todavia, essa possibilidade não está presente na Lei nº 6.015 de 1973 (Lei de Registros Públicos) que é taxativa ao dispor das possibilidades de alteração nos registros civis, bem como, pauta-se no princípio da imutabilidade do nome, que sucessivamente é utilizado pelos tribunais como fundamento para o indeferimento do pedido de retificação do nome.

No escritório Ratsbone Magri Advogados esse é um dos casos mais frequentes de Direito Civil, sendo seguido de perto pela busca na alteração de nome de casado ou incluir sobrenome

O direito ao nome como direito da personalidade e a dignidade da pessoa humana 

Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 67), direitos da personalidade são “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”. Eles possuem como características: a indisponibilidade, inalienabilidade, vitaliciedade, intransmissibilidade, extrapatrimonialidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade e são oponíveis contra todas as pessoas. 

Tais direitos estão presentes no artigo 16 do Código Civil pátrio. O nome, constitui-se do prenome e sobrenome, e é considerado o maior elemento de identificação e caracterização da pessoa, distinguindo-a das demais. Ele é capaz de identificar o indivíduo em relação a sua família e para a sociedade. 

Não resta dúvida então que sua natureza jurídica se encontra dentre os direitos da personalidade, tendo em vista que ele individualiza a pessoa em relação aos demais membros da sociedade, correlacionando-se também à dignidade da pessoa humana na medida em que a lei assegura que a pessoa possua o direito ao nome e que este nome não venha de alguma forma degradar o sujeito, tornando-se motivo de constrangimento. 

A dignidade da pessoa humana, assegurada no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal é princípio basilar em todo o ordenamento jurídico, em que sua aplicação na constância do direito ao nome repercute no desenvolvimento da personalidade humana em sua plenitude, abrangendo seus aspectos materiais e psicológicos. 

Abandono Afetivo

A Constituição Federal de 1988, dentre as suas significativas mudanças na compreensão do sistema jurídico, elencou a afetividade como diretriz primordial no âmbito do Direito de Família, constituindo-se como princípio norteador para a aplicação de seus institutos. Exige-se dos pais o dever de criar e educar os filhos, com a finalidade de assegurar seu desenvolvimento com plenitude, ao ponto que o abandono compromete vigorosamente em sua personalidade. 

A afetividade integra o caráter de humanidade dentro dos relacionamentos familiares. Vale salientar que o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 19, também institui que toda criança tem o direito de ser criado no seu seio familiar, observadas as excepcionalidades. O descumprimento desses preceitos fundamentais configuram o abandono ao filho, gerando, inclusive, o dever de indenizar. 

Critérios autorizadores à supressão do sobrenome paterno

Via de regra o nome civil é imutável. Suas exceções encontram-se presentes na Lei 6.045 de 1973 (Lei de Registros Públicos), todavia muito se atribui quanto à sua flexibilização a atuação dos Tribunais Superiores que em suas decisões proferem posicionamentos distintos ao que está presente na lei. 

Segundo o artigo 56 da Lei de Registros Públicos, “o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa”. Isso limita a possibilidade de exclusão do sobrenome paterno, visto que o princípio da imutabilidade restringe a alteração do sobrenome, fazendo parte da esfera dos princípios que o protegem. 

Cumpre destacar que essa vedação não é absoluta e que tanto o prenome quanto o sobrenome são modificáveis sempre que de alguma forma puder impor risco ao pleno desenvolvimento da personalidade, seja por exposição ao ridículo, sejam por questões familiares ou para a segurança do indivíduo. O Poder Judiciário ao apreciar cada situação com o caso em concreto é quem deve avaliar a melhor decisão a ser tomada. 

No que diz respeito a exclusão do sobrenome paterno, não há entendimento pacificado ainda sobre a matéria, havendo decisões diversas, por vezes favoráveis, por vezes desfavoráveis à pretensão do filho que se sente ofendido. 

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No Recurso Especial nº 1.304.718 - SP (2011/0304875-5) que tratava sobre o abandono afetivo pelo pai na infância com o pedido de supressão do sobrenome do pai, declarou-se que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro, pois no caso concreto “no qual se identifica justo motivo no pleito do recorrente de supressão do patronímico paterno do seu nome, pois, abandonado pelo pai desde tenra idade, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna”. Desta feita, o Superior Tribunal de Justiça considerou provido o Recurso Especial, elegendo o direito à supressão do sobrenome do pai que o abandonou para o filho. 

Cabe salientar que é importante que se demonstre o “justo motivo” para que haja a supressão do patronímico paterno, conforme decidiu a 7º Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em grau de recurso em Apelação Cível (nº 10074140076527001 MG). No caso debruçado, percebeu-se a ausência do justo motivo pois sobrevieram indícios de que se tratava de mero inconformismo do filho em relação ao mau relacionamento com o pai, não constando o suficiente para mitigar o princípio da imutabilidade do nome. 

O justo motivo é importante para que se demonstre efetivamente o abandono afetivo, e não apenas para que ele seja alegado pelo filho que se sente ferido, devendo este demonstrá-lo, através de provas a serem trazidas ao decorrer do deslinde dentro do litigio. Deve-se então comprovar que a manutenção do sobrenome paterno vai ocasionar a manutenção desse sofrimento, atingindo-o quanto ao desenvolvimento da sua personalidade. 

Outro critério essencial é que o autor da demanda seja capaz de ter o discernimento necessário para ingressar o pleito. O Código de Processo Civil possibilita que o menor incapaz possa postular judicialmente quando devidamente representado por seu representante legal ou seu curador. Se o menor impúbere não tem discernimento nem maturidade o suficientes para entender a dimensão do ato de excluir o sobrenome que identifica o patronímico paterno, há a possibilidade de, após ao chegar a maioridade civil, pleitear motivadamente a retificação do sobrenome. 

Tal posicionamento de alguns Tribunais são justificáveis tendo em vista evitar o prevalecimento da alienação parental em alguns casos sobre os interesses do próprio indivíduo.  É importante salientar que deve prevalecer o direito ao contraditório e ampla defesa para o genitor quando o requerente alega o fato de ter havido o abandono afetivo.

 

Sobre o autor
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Michel Ferreira

Consultor SEO com mais de 10 anos de experiência (https://www.michelferreira.com.br), se destacando no Marketing Jurídico administrando projetos como o Instituto Direito Real. Criador do curso Adsense Survival na Udemy, ensinando técnicas de SEO e monetização de conteúdos pelo Google Adsense.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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