SINAIS DE ALERTA
O filósofo humanista Étienne de La Boétie, de há muito, cunhou uma frase a ser lembrada, diante da sua importância também no ambiente do direito de empresa, especialmente em temos de crise. O texto clássico foi escrito há bem mais de 450 (quatrocentos e cinquenta) anos e retrata uma realidade bastante efetiva, atual e palpitante. La Boétie, escrevendo especificamente acerca de Ulisses, assevera que este, […] por mar e terra sempre procurava ver a fumaça de sua casa […][1], de modo que tal pensamento também pode ser estendido àqueles sócios ou acionistas que estão à frente da atividade econômica organizada, ou seja, delegação de poderes é importante, mas não se deve ficar distante da atividade.
O empresário deve(ria) desenvolver a capacidade de antecipação e agir a fim de que que a crise (econômica, financeira ou patrimonial) não se instale em sua empresa. Caso aconteça e seja momentânea, há remédios jurídico-econômicos para sua salvação e mantença no mercado. Para tanto, há de contar com equipe multidisciplinar de profissionais, a fim de que atuem no sentido de preservação da atividade econômica.
Cabe aos incorporadores, quanto possível, ter ampla visão a respeito dos negócios/atividade e identificar, prontamente, a crise que se avizinha. Poderão tomar medidas acautelatórias, caso percebam os primeiros sinais de instabilidade e de alerta. Em resumo, deve agir preventivamente, de forma eficiente e com visão estratégica especialmente acerca do que fazer ao primeiro sinal de crise.
A seguir, são elencadas, de forma não exaustiva, algumas hipóteses que podem ser consideradas como sinais de alerta ao empresário.
No âmbito contábil, a inconsistência de dados; uso excessivo de estimativas contábeis; documentação faltante ou alterada; carência de documentos originais; destruição prematura de documentos de controle; significativos itens sem explicação plausível nas reconciliações; balanços ou transações sem suporte e autorização; mudanças questionáveis nos princípios contábeis até então adotados; excessivo uso de estimativas na contabilidade; ausência de provisões para devedores que retardam o pagamento ou não o fazem a tempo e modo corretos; pouco ativo circulante (que possam ser vendidos em curto espaço de tempo - 60 a 180 dias); redução de estoques (ou inadequados ao giro empresarial); elevado passivo circulante; poucos ativos permanentes.
Na esfera administrativa, podem ser citados como exemplos: falta de direção estratégica empresarial, especialmente em momento de mudanças no mercado no qual a empresa se insere; estrutura ineficaz; técnica e experiências inadequadas às exigências dos clientes e do próprio mercado.
No que se refere à financeira: ausência de caixa para fazer frente ao pagamento de dívidas/despesas dentro do mês; indicadores financeiros desfavoráveis à atividade; excesso de dívidas bancárias; numero expressivo de bens dados em garantias de operações bancárias; falta de visão de mercado; alteração abrupta no mercado; produtos obsoletos; problemas com fornecedores; falta de entrega de produtos aos clientes; excessiva reclamação destes; infraestrutura inadequada ou obsoleto parque fabril; quebra de fornecimento de produtos/serviços aos clientes; substancial inadimplência de clientes; transações significativas não usuais ou complexas; não observância estrita do objeto social da empresa; capital social incompatível com operações realizadas e giro financeiro; transações ou negócios sem nenhuma finalidade econômica aparente; utilização de relatórios para disfarçar o controle real; significativas contas bancárias ou operações de filiais/matriz, ou subsidiárias em paraísos fiscais; excesso de contas bancárias sem propósito específico; emissão de cheques administrativos às pessoas físicas acionistas, sócias, diretores (além da folha de pagamentos); distribuição excessiva de pró-labore; excessivas transações em dinheiro; excesso de empréstimos em espécie a sócios, acionistas, diretores ou mesmo a terceiros (familiares) e funcionários; venda de ativos por valores inferiores ao de mercado; venda de ativos no período mais crítico antes da recuperação judicial ou abertura da falência; cessão de quotas por valores não compatíveis com a realidade; empréstimo de dinheiro a pessoa jurídica componente do mesmo grupo econômico, empréstimo de sócios/acionistas, com entrega de bens em garantia; ativos vendidos com manutenção da posse direta; elevada remuneração de diretores/administradores, contadores, advogados e outros profissionais; aquisição de bens desnecessários ao giro empresarial; retração nos negócios; queda substancial no faturamento; ausência de liquidez; endividamento significativo em moeda estrangeira; crescente inadimplemento de clientes; ausência de fluxo de caixa ou aquém das necessidades mínimas/ ausência de projeção de receitas a curto prazo (três meses); ausência de previsibilidade de incremento do capital de giro; ausência do aumento do capital social em tempo de crise; ausência de medidas tendentes à redução do custo operacional, para adequação entre receita e despesa; não identificação de potenciais riscos jurídicos em ações judiciais, como autor ou réu; não previsibilidade quanto ao custo financeiro decorrente de derrotas judiciais; não descontinuidade de operações prejudiciais à entidade, gerando (mais) custos desnecessários; ausência de auditoria.
Aqui foram elencados alguns sinais de alerta que, detectados a tempo pelo empresário, podem auxiliar na dissipação da crise e evitar até mesmo a recuperação judicial ou o remédio mais amargo, que é a falência. Amparado por profissionais com visão geral do problema, certamente haverá condução correta e eficaz para o reequilíbrio da atividade econômica.
[1] Discurso da Servidão Voluntária. Tradução de Laymert Garcia dos Santos. Comentários de Claude Lefort, Pierre Clastres e Marilena Chauí. 4. ed. 2. reimp. São Paulo: Editora Brasiliense, 2001, p. 24.